Em
mais um Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), os quilombolas têm
pouco a comemorar. 2014 foi mais um ano de poucas titulações: seis terras
regularizadas, sendo quatro parciais pelo Incra e duas pelo governo do
Maranhão.
O
primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff está chegando ao seu final sem
que se registre qualquer mudança no ritmo lento de titulações de terras
quilombolas que marcou também a gestão de seus antecessores, Luis Inácio Lula
da Silva e Fernando Henrique Cardoso. Até 13 de novembro, a presidente Dilma
Rousseff havia titulado apenas nove terras, todas parcialmente. No Incra,
aguardam por conclusão mais de 1.400 processos.
Mais
um governo que pouco avançou na efetividade do direito dos quilombolas às suas
terras. Atualmente, 140 terras quilombolas, onde vivem 229 comunidades, estão
tituladas, sendo que parte delas apenas parcialmente. Nas áreas regularizadas
encontram-se 12.428 famílias o que representa 5,8% das 214.000 famílias que a
SEPPIR estima ser a população quilombola no Brasil.
Os
estados com maior número de territórios quilombolas titulados são o Pará (54
terras) e Maranhão (52), placar garantido principalmente pela ação dos governos
estaduais. O Instituto de Terras do Pará (Iterpa) titulou 46 terras e no
Maranhão todas foram regularizadas pelo Instituto de Colonização e Terras do
Maranhão (Iterma).
Desempenho
FHC, Lula e Dilma
A
primeira titulação de uma terra quilombola se deu em 1995 no governo Fernando
Henrique Cardoso, sete anos após a Constituição Federal ter assegurado aos
quilombolas a propriedade de suas terras.
Em
seus oito anos de mandato, FHC titulou 8 terras num total de 116.491,5614
hectares onde vivem 1.120 famílias. Porém todas essas titulações ocorreram até
a metade do segundo mandato. A partir do ano 2000, deu-se uma reviravolta nesse
caminho. Entre outras medidas restritivas aos direitos quilombolas, o governo
FHC, através da Fundação Cultural Palmares outorgou 11 títulos às comunidades
quilombolas sem garantir a desapropriação, reassentamento ou desintrusão. A
medida seguia o entendimento que não cabia ao Estado a responsabilidade por tais
medidas e sim aos quilombolas. Os resultados foram a continuidade dos conflitos
e títulos que não puderam ser registrados em cartório. Por fim, no governo
Lula, o Incra teve que abrir novos processos para regularizar essas mesmas
áreas.
Mas
mesmo descontados títulos sem valor legal, o governo FCH foi o que mais
hectares titulou: os 116.491,5614 ha representam quase o triplo da dimensão
regularizada no governo Lula (39.232,4399 ha). As comunidades beneficiadas na
maioria estavam situadas no Pará em áreas devolutas da União.
O
presidente Lula, em seus dois mandatos, titulou 8 terras e regularizou
parcialmente outras 4 beneficiando 1.059 famílias. Em seu governo foi editado o
primeiro decreto de desapropriação de terras quilombolas em âmbito federal, e
até o fim de seus dois mandatos foram 43 decretos editados em benefício de
comunidades quilombolas.
Já
a presidente Dilma, até 13 de novembro, havia regularizado parcialmente nove
terras onde vivem 1.192 famílias. A dimensão regularizada soma cifras bem
modestas, 2.497,1640 hectares. O valor corresponde a apenas 8,5% do número
total de hectares a serem tituladas a essas nove terras.
Andamento dos processos no Governo
Dilma
No
governo Dilma foram publicados 13 relatórios de identificação e delimitação de
terras quilombolas e também 16 portarias reconhecimento como terra quilombola.
Foram editados 22 decretos de desapropriação beneficiando 23 comunidades.
Os
complexos caminhos que envolvem a desapropriação de imóveis incidentes nos
territórios quilombolas explicam em parte a demora na finalização dos processos
e também a emissão de títulos parciais outorgados à medida que os acordos com
os diferentes proprietários ocorrem (em uma mesma terra quilombola podem
incidir diferentes imóveis). As crescentes contestações judiciais dos processos
em diferentes fases também constituem outro obstáculo na efetivação das
titulações.
Mas
esses fatores por si só não explicam porque 88% dos 1.462 processos em curso no
Incra ainda não ultrapassaram a fase inicial de identificação do território a
ser titulado, a partir da qual se abre o período de contestação.
A
agilização dos estudos e dos levantamentos necessários à identificação dos
territórios quilombolas demanda uma estrutura muito maior do que a atual.
Embora seja inegável que nos últimos anos houve um fortalecimento do “setor
quilombola” do Incra, com contratação de profissionais, este ainda está muito
aquém do necessário para impulsionar o andamento dos processos.
E
não se pode deixar de lembrar dos processos cujo os relatórios de identificação
estão prontos, tecnicamente aprovados, mas que não são publicados – algo
semelhante ao que ocorre com as terras indígenas. Questões políticas de diferentes
ordens vêm emperrando essas publicações.
É
o que ocorre com relatórios das comunidades de Oriximiná, no Pará, que não são
publicados pois as áreas de tais comunidades estão sobrepostas à Unidades de
Conservação. Contrariando a norma que estabelece que os relatórios devem ser
publicados e depois então consultados os demais órgãos, há mais de um ano o
Incra segura a publicação em busca de um entendimento com o Ministério do Meio
Ambiente.
O mandato Jatene decepciona
O
governo do Pará que historicamente apresenta um desempenho de destaque na
titulação de terras quilombolas decepcionou no atual mandato de Simão Jatene
(PSDB): apenas duas terras foram tituladas beneficiando 291 famílias
distribuídas em 9 comunidades.
Desde
1997, quando procedeu a primeira titulação, os sucessivos governos do Pará
vinham garantindo a regularização das terras quilombolas em ritmo singular.
Foram 16 terras regularizadas nos dois mandatos de Almir Gabriel (PSDB), 10 no
governo anterior Simão Jatene e 20 no governo de Ana Julia Carepa (PT).
O
mandato atual do governador Jatene registrou uma preocupante queda no ritmo das
titulações estaduais que garantiram o Pará a posição de estado com maior número
de terras tituladas no Brasil.
Monitoramento Comunidades Quilombolas
e Direitos Territoriais /Comissão Pró-Índio
Desde
2004, a CPI-SP monitora o desempenho dos governos federal e estaduais na
efetividade dos direitos das comunidades quilombolas. Os dados
apresentados acima foram levantados, sistematizados e analisados no âmbito do
programa de monitoramento realizado com o apoio financeiro de Christian Aid e
ICCO.
Fonte: CPI – Comissão Pró-Índio