Levantamento mostra que ainda faltaria descobrir cerca de 4 mil de espécies no bioma, trabalho que consumiria estimados 300 anos
Por: Cesar Baima*
Maior
floresta tropical do mundo, a Amazônia impressiona não só por sua exuberância,
mas também pelo gigantismo de seus números. Cobrindo uma área de cerca de sete
milhões de quilômetros quadrados — aproximadamente 60% dos quais em território
brasileiro —, o bioma abriga 2,5 milhões de tipos de insetos, dezenas de
milhares de espécies de plantas e mais de dois mil animais, entre peixes,
anfíbios, répteis e mamíferos, com, acredita-se, muitas outras milhares ainda
desconhecidas da ciência. E agora mais um número se junta a esta lista. Em um
levantamento inédito, pesquisadores verificaram que a Amazônia é lar de quase
12 mil espécies de árvores, mais do que em qualquer outro lugar da Terra, em
nova demonstração da pujança de sua biodiversidade.
No
estudo, publicado no periódico científico de acesso aberto “Scientific
Reports”, os cientistas liderados por Hans ter Steege, do Centro Naturalis de
Biodiversidade, na Holanda, analisaram arquivos digitalizados com imagens e
dados de mais de 530 mil amostras de árvores — definidas como plantas cujo
tronco atinge o diâmetro mínimo de 10 centímetros na altura do peito (1,3 metro
do chão) — recolhidas na Amazônia entre 1707 e 2015 espalhadas em dezenas de
museus, herbários e instituições de pesquisa do planeta. Com isso, eles
identificaram 11.676 espécies diferentes nestas coleções.
Uma agulha no palheiro
O
resultado do levantamento foi considerado pelos pesquisadores como em linha com
estimativa feita por estudo anterior liderado pelo próprio Steege, publicado em
outubro de 2013 na prestigiada revista científica “Science”, que apontou que a
Amazônia teria aproximadamente 16 mil espécies de árvores em uma população
total que chegaria a 390 bilhões de plantas do tipo. Isso significa que ainda
falta à ciência descobrir cerca de quatro mil das mais raras espécies de
árvores do bioma. É um trabalho tão grande e difícil que, de acordo com
avaliação dos próprios autores do novo inventário, seriam necessários pelo
menos mais 300 anos para ser completado, desde que sejam feitas expedições
frequentes no bioma.
—
É o equivalente a procurar por uma agulha num palheiro — compara Rafael Paiva
Salomão, pesquisador da Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi
e coautor de ambos estudos. — Estas quatro mil espécies que faltam são muito
raras e serão bem difíceis de serem achadas. Além disso, as dificuldades para
se trabalhar na Amazônia são muito grandes. A floresta é muito densa, o que vai
exigir expedições regulares e trabalhosas. E para isso são necessários
recursos, que também estão em falta.
Segundo
os pesquisadores, as cerca de quatro mil espécies de árvores ainda
desconhecidas da Amazônia têm uma abundância estimada em igual ou menos de um
milhão de exemplares em toda floresta, sendo que algumas não atingiriam o
número de mil plantas no total. Diante disso, eles calculam que as chances de
uma amostra de alguma árvore no topo deste nível de ocorrência ser coletada ao
acaso em 2,5 por milhão. Já para as espécies cuja ocorrência não passa de mil
exemplares entre as centenas de bilhões de árvores da Amazônia, esta
probabilidade cairia para apenas 2,5 a cada bilhão. Ainda assim, os autores do
estudo destacam que, se suas estimativas estiverem corretas, quase sete mil
espécies de árvores cuja abundância também não passa de um milhão na floresta
já foram descobertas e descritas nos últimos três séculos, uma estatística bem
mais animadora para o trabalho futuro.
—
Temos hoje uma boa ideia da megadiversidade arbórea da Amazônia, mas é preciso
avançar mais — defende Salomão. — E esta biodiversidade pode ter muitas
aplicações, seja na indústria farmacêutica quanto na alimentícia, fabricação de
perfumes e outras. O conhecimento de novas espécies pode levar à descoberta de
novos produtos para diversos setores com grande importância econômica.
Recursos direcionados
E
um exemplo disso é o açaizeiro (Euterpe precatoria). Apontada no estudo de 2013
como uma das espécies de árvores mais comuns na Amazônia, com mais de cinco
bilhões de exemplares espalhados pela floresta, este tipo de palmeira é hoje
fonte de renda para milhares de famílias na Região Norte. Outra espécie de
importante papel econômico que figura na lista das árvores com maior número de
exemplares no bioma é a seringueira (Hevea brasiliensis), com uma abundância
calculada em quase dois bilhões de plantas. E isso sem contar espécies menos
abundantes mas ainda assim consideradas “hiperdominantes” pelos pesquisadores,
como a castanheira (Bertholletia excelsa) e muitas outras.
—
Hoje os recursos para as pesquisas na Amazônia são muito direcionados, seja
para fazer perfumes, procurar fármacos, a indústria madeireira ou para captura
de carbono — conta Salomão. — Não temos nada focado no conhecimento da
biodiversidade da Amazônia como um todo, e assim a região ainda é muito pouco
estudada. Com um programa de cinco a dez anos de expedições regulares, no
entanto, acredito que poderíamos fazer um inventário bem maior, identificando
várias espécies de interesse científico e econômico.
Para
o pesquisador do Museu Goeldi, uma maneira de avançar neste sentido de forma
mais rápida seria integrar o trabalho às muitas novas unidades de conservação
que foram e estão sendo criadas no bioma nos últimos anos.
—
Muitas destas unidades de conservação existem basicamente só no papel, com
poucos funcionários e quase nada de pesquisa — critica Salomão. — Não há
estudos ou projetos específicos nelas. Precisamos que as unidades de
conservação passem a contribuir efetivamente para o avanço do conhecimento
sobre o bioma amazônico. E esta integração e conhecimento gerado, por outro
lado, também ajudaria nos próprios esforços de preservação.
*Fonte: O Globo
Leia também: Petróleo ameaça 745 espécies na Amazônia, dizem cientistas (Agência EFE via Amazonia.org)