Estudo
mostra que perda de biodiversidade por exploração de madeira, fragmentação e
fogo pode ser equivalente à causada pelo desmate, e que leis existentes não garantem
proteção efetiva
Fotografia: Claudo Angelo/OC |
Claudio Angelo*
Salvamos
a Amazônia, certo? A redução expressiva nas taxas de desmatamento na maior
floresta tropical do planeta, mais o compromisso do Brasil de zerar o corte
ilegal daqui a 15 anos, podem dar a impressão de que o futuro da selva está
garantido. Uma equipe internacional de cientistas acaba de mostrar que isso
está longe de ser verdade. Se o país quer proteger a biodiversidade – e, por
tabela, o clima –, conter o desmatamento é apenas parte da história. Metade
dela, para ser preciso.
O
grupo liderado por Jos Barlow, pesquisador da Universidade de Lancaster (Reino
Unido) e do Museu Emílio Goeldi, afirma que a degradação florestal – o
empobrecimento progressivo de uma mata, causado pela fragmentação, pela
exploração de madeira, pela caça e pelo fogo – pode resultar numa perda de
espécies equivalente à causada pelo desmatamento. É como se a floresta virasse
um zumbi: mesmo protegida do corte raso, ela está funcionalmente morta e
esvaziada de fauna e flora.
“Até
o momento, nossa definição de saúde tem sido se a floresta está viva ou não. O
trabalho mostra que precisamos refinar esse conceito”, diz Paulo Brando,
pesquisador do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), que não
participou do novo estudo. “A conservação da Amazônia não pode ser vista como
binária – se tem ou não tem floresta”, afirma.
A
pesquisa de Barlow e colegas de 18 instituições científicas, publicada nesta
quarta-feira no site do periódico Nature,
é a primeira comparação direta entre biodiversidade total de florestas intactas
e florestas degradadas. Ela se soma a um conjunto recente de evidências de que
a degradação é um problema muito maior do que se imaginava tradicionalmente, e
de que o Código Florestal, incensado pelo governo como o principal pilar da
conservação no Brasil, não dá conta do recado.
Para
realizar seu estudo, o grupo se embrenhou em 371 florestas de 36 microbacias
hidrográficas do Pará, nas regiões de Paragominas e Santarém, e fez contagens
detalhadas (pense nos mosquitos) de 1.538 espécies de árvore, 460 espécies de
ave e 156 espécies de escaravelho. Esses grupos de seres vivos são considerados
bons indicadores da biodiversidade geral de uma floresta.
Usando
como referência a presença de indivíduos dessas espécies em matas intactas, os
cientistas criaram um índice chamado CVD, sigla em inglês para “déficit de
valor de conservação”. O índice equivale à diferença entre o que era esperado
encontrar e a erosão de diversidade efetivamente produzida pela fragmentação e
por outras formas de degradação florestal.
As
medições revelaram que microbacias que cumpriam o Código Florestal, mantendo
80% da floresta como reserva legal, tinham um CVD de 39% a 54% – ou seja,
perderam entre 46% e 61% de sua biodiversidade original.
Extrapolando
o resultado para todo o Pará, o grupo concluiu que a perda combinada de
biodiversidade por degradação no Estado foi equivalente ao desmatamento de 123
mil quilômetros quadrados – 51% de toda a floresta que o Pará já perdeu para o
corte raso desde que o Inpe começou a monitorar o desmatamento, em 1988.
“Os
efeitos da perturbação causam mais perda de biodiversidade do que seria
esperado apenas pela perda de área florestal”, explica o ornitólogo britânico
Alex Lees, da Universidade Cornell (EUA), coautor do estudo. “Mesmo se uma
propriedade perder apenas 20% da sua floresta, os impactos do efeito de borda,
da exploração de madeira e do fogo se somam para mais do que dobrar a perda de
biodiversidade que esperaríamos ver apenas com a eliminação de 20% da cobertura
florestal.”
Para
Carlos Souza Jr., pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da
Amazônia) e também coautor do estudo, os resultados deixam clara a necessidade
de rever as políticas públicas de proteção à floresta, como os esquemas de
Redd+ (Redução de Emissões por Desmatamento) e o programa Municípios Verdes, do
Pará, que simplesmente não aborda a degradação.
“O
tema da degradação ficou no limbo nos últimos anos, após o pico de desmatamento
em 2004 e as tentativas bem-sucedidas de reduzi-lo”, diz. “Agora nós temos uma
base científica para tratar a degradação do ponto de vista das políticas”,
continua.
Manter
a questão das florestas zumbis num escaninho separado do desmatamento é ruim
para a biodiversidade e para o clima: estudos de Souza Jr. e colegas têm
indicado que metade das florestas degradadas da Amazônia acabam sendo
desmatadas posteriormente.
Pelo
menos no Congresso Nacional, porém, a formulação de políticas caminha no
sentido oposto ao das evidências científicas. Enquanto a ciência mostra que o Código
Florestal não basta para proteger a Amazônia, tramita no Parlamento um
projeto da senadora Ana Amélia (PP-RS)
para deixá-lo ainda mais fraco: a parlamentar gaúcha, integrante da bancada
ruralista, quer que plantios de árvores exóticas como eucalipto possam ser
computados como “reserva legal” para fins de manutenção (hoje elas só são
admitidas para recuperação de uma área desmatada). Numa entrevista
recente ao jornal O Estado de S.Paulo, o
ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV-MA), chamou o projeto de
“retrocesso”.
Fonte: Observatório do Clima