Por: Bianca
Pyl*
Em
mais um ataque aos direitos indígenas, projetos visam suspender decretos de
abril de 2016 que homologaram três terras indígenas. Para o jurista Dalmo
Dallari a fundamentação apresentada nas propostas legislativas “não tem a
mínima consistência jurídica”.
Em
maio, o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) apresentou 29 projetos de decreto
legislativo para suspender os efeitos de decretos assinados pela presidente
afastada Dilma Rousseff que homologaram terras indígenas e desapropriaram
imóveis rurais para reforma agrária e para titulação de territórios
quilombolas. Todos os 29 PDCs terão ainda que ser analisados nas
comissões e votados no Plenário da Câmara dos Deputados.
A
iniciativa parlamentar visa suspender as homologações das Terras Indígenas
Cachoeira Seca (Pará), Piaçaguera (São Paulo) e Pequizal do Naruvôtu (Mato
Grosso) que ocorreram em abril desse ano. Busca também sustar os efeitos do
decreto 29 de abril que desapropriou imóvel rural para assentar famílias da
comunidade indígena Kaingang da Aldeia Kondá (Santa Catarina).
“Suspender
a homologação seria uma grande tristeza, isso seria uma perda de nossa
identidade. A terra para nós tem um valor muito grande por ter a
espiritualidade de nossos ancestrais. Nós vamos lutar até o fim por ela”
Catarina Delfina dos Santos, cacique da Aldeia Piaçaguera, TI Piaçaguera (SP).
Alegação
de ilegalidade das homologações não se sustenta, dizem juristas
As
proposições legislativas, que acusam os decretos de terem vício de legalidade,
têm, elas, vícios de inconstitucionalidade” Procurador Luciano Mariz Maia,
coordenador da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.
Pela
evidente inconsistência jurídica e lógica de seus fundamentos e em defesa da
normalidade constitucional e dos direitos fundamentais das comunidades indígenas,
deve ser rejeitados integralmente os Projetos de Decreto Legislativo propostos
pelo deputado Jerônimo Goergen, Dalmo de Abreu Dallari.
O
Deputado Jerônimo Goergen fundamenta sua proposição alegando que os decretos
teriam vício de origem e de forma, por terem sido assinados a poucos dias da
votação que autorizou a abertura do processo de impeachment na Câmara dos
Deputados.
Indagada
sobre os argumentos do deputado, a Funai declarou à Comissão Pró-Índio que “as
terras indígenas a que o deputado faz referência passaram por longos processos
de identificação e delimitação até chegar à fase de homologação” E afirmou que
“a homologação das terras indígenas pela Presidência da República é parte desse
rito administrativo sendo, portanto, obrigação legal do Estado brasileiro
conforme preconiza a Constituição”.
A
justificativa do parlamentar é refutada também por Dalmo de Abreu Dallari que,
em entrevista à Comissão Pró-Índio, sustentou que “todos os atos praticados
obedecendo os preceitos legais, mesmo se praticados no dia da votação do
afastamento, mas antes deste, são atos legais, plenamente válidos.” Para o
jurista, a fundamentação de Goergen não têm a mínima consistência jurídica.
O
coordenador da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público
Federal, o Procurador Luciano Mariz Maia, explica que a sustação dos decretos
“é cabível para as hipóteses em que o Congresso vê violada, pelo Executivo, a
delegação que conferiu para que o Executivo legislasse em nome do Parlamento,
ou diante de abuso, excesso ou desvio de regulamentação de matéria legislativa
votada pelo Parlamento”. Segundo o Procurador da República, no caso em questão,
não se está diante de nenhuma das hipóteses do art. 49, V, da Constituição, não
havendo fundamento constitucional para a sustação de atos concretos do Poder
Executivo. Afirma ainda que, “caso aprovados, os Decretos Legislativos
incidirão em violação à separação de poderes, ficando sujeitos a controle de
constitucionalidade, perante o Judiciário”.
Na
avaliação de Carolina Bellinger, assessora de coordenação da Comissão Pró-Índio
de São Paulo, “a iniciativa do Parlamentar deve ser compreendida no contexto de
sucessivos ataques aos direitos indígenas consagrados na Constituição”. E
lembra que o atual Ministro da Justiça, Alexandre Moraes, em entrevista à Folha
de São Paulo mencionou a possibilidade de reanalisar das demarcações realizadas
antes do afastamento da presidente Dilma Rousseff, ou seja, a hipótese de
revisão não vem sendo apenas considerada no âmbito do Legislativo, mas também
do Executivo.
A
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), por meio de Carta Pública ao
presidente interino Michel Temer datada de 19 de maio afirmou que os povos
indígenas jamais admitirão que o atual Governo interino revogue as medidas
relativas ao processo de demarcação. A APIB entende que “o Governo Dilma
cumpriu, mesmo que timidamente, apenas o mandato constitucional de demarcar as
terras indígenas, ato administrativo de reconhecimento formal de direito
originário”. E repudia quaisquer tentativas de retrocesso e exige respeito
total aos direitos fundamentais dos povos indígenas assegurados pela
Constituição Federal e reconhecidos pelos tratados internacionais assinados
pelo Brasil.
*Fonte: Comissão Pró-Índio de São
Paulo