Monitoramento independente durou 18 meses e revela o que aconteceu com o maior investimento da história do BNDES para obras socioambientais
No fim de 2012, a diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) aprovou financiamento de R$ 3,2 bilhões para a Norte
Energia S/A, empresa responsável pela construção da usina Belo Monte, para o
cumprimento das condicionantes socioambientais da obra. O montante é o maior já
aprovado pelo banco para ações socioambientais, equivalente a 11,2% do total de
recursos aplicados na usina.
Quatro anos depois, a sociedade tem uma fotografia dos cinco
municípios que receberam os investimentos: Altamira, Vitória do Xingu, Senador
José Porfírio, Anapu e Brasil Novo, todos no centro do Pará. O monitoramento
recebeu o nome de Indicadores Belo Monte e foi coordenado pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV). Durante um ano e meio, a instituição monitorou sete
condicionantes da usina, de responsabilidade do empreendedor e do poder
público. Todos os indicadores estão disponíveis em uma publicação. Com
base na experiência da usina de Belo Monte, o documento apresenta uma
metodologia inovadora de monitoramento no contexto de grandes obras na Amazônia
(saiba mais).
A iniciativa partiu da Câmara Técnica de
Monitoramento das Condicionantes de Belo Monte, parte do Plano de
Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX), coordenado pelo governo
federal e que conta com a participação do governo do estadual e municípios, da
Norte Energia e da sociedade civil. O ISA participa do PDRSX como representante
da sociedade civil na Câmara Técnica de Monitoramento das Condicionantes e em
outras duas: ordenamento territorial e povos e populações tradicionais.
O material tem como fonte a troca de
relatórios e pareceres entre a Norte Energia e o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente (Ibama). Uma equipe de cinco pesquisadores, sediada em Altamira,
realizou também mais de uma centena de entrevistas. Outros seis pesquisadores
ligados ao campus de Altamira da Universidade Federal do Pará (UFPA) foram
formados pela FGV e participaram do trabalho.
“No momento em que Belo Monte entra na fase
de operação, e a luz dos holofotes tende a esmorecer, os maiores desafios
consistem na continuidade do monitoramento do território e em sua
instrumentalização para o processo de tomada de decisão pública e do controle
social”, diz André Villas Boas, secretário executivo do ISA., que participa das
reuniões mensais da Câmara Técnica de Monitoramento das Condicionantes de Belo
Monte.
Entre os principais desafios apontados pela
publicação, está a universalização do acesso à água e ao esgoto sanitário.
Promessa de legado da usina, o saneamento básico até o momento não se tornou
realidade para os atingidos. Para a FGV, o caminho está na construção de
soluções específicas para o atendimento da população de baixa renda, o que não
aconteceu na região de Belo Monte. A usina começou a funcionar em abril, mas a
operação e gestão dos sistemas de esgotos das 16 mil residências de Altamira,
por exemplo, devem levar anos para ser viabilizadas.
O fracasso no programa de reassentamento
rural também foi tema da publicação. Embora uma Declaração de Utilidade Pública
(DUP) tenha designado 119 mil hectares para relocar os atingidos nas áreas
rurais, o processo ficou muito longe de cumprir a meta determinada no
licenciamento ambiental de reassentar ao menos 40% das famílias. Outros casos
envolvendo deslocamentos promovidos por hidrelétricas são citados no trabalho,
mostrando que é possível fazer diferente e dar à população a oportunidade de
participar da discussão do planejamento urbanístico do reassentamento e da
infraestrutura produtiva e comunitária – praças, centro de convivência,
escolas, postos de saúde.
Capacidade financeira dos municípios
A falta de capacidade financeira e de gestão
dos municípios é outro gargalo identificado pela Fundação Getúlio Vargas. Cinco
anos após o início da construção da usina, o hospital municipal de Altamira não
foi inaugurado e pode consumir em um ano de operação o mesmo orçamento da
construção.
O documento também conclui que o desmatamento
indireto não foi abordado de maneira estratégica. O resultado foi a intensificação
da extração ilegal de madeira nos últimos cinco anos. A Área de Proteção
Ambiental Triunfo do Xingu tornou-se a Unidade de Conservação com a maior taxa
de desmatamento em toda a Amazônia.
O desafio da reestruturação e da melhora do
atendimento à saúde indígena perpetuou-se durante a construção da usina. A
publicação aponta que nenhuma das obras previstas para a saúde indígena nas
aldeias foi concluída. Para a FGV, a proteção territorial das Terras Indígenas
também deve ser o foco das atenções neste momento de desmobilização dos
canteiros de obras em que a população atraída pela obra tende a ir em busca de
novas fronteiras e a histórica escassez de oportunidades socioeconômicas
levando à intensificação de atividades predatórias e ilegais.
Dentro das condicionantes indígenas, a
publicação é categórica ao pontuar a necessidade de garantia de recursos
financeiros e humanos para a plena implementação dos compromissos de
operacionalizar a proteção territorial nas terras indígenas. Além disso, é
preciso garantir a regularização fundiária viabilizando terras para
reassentamento de ocupantes não indígenas de boa-fé dessas áreas. Tudo isso só
pode ocorrer por meio de espaços de articulação permanentes entre os entes de
governo e sociedade civil, aponta a FGV.
Fone: ISA