Por: André Borges
A publicação de uma portaria
da Advocacia-Geral da União (AGU) conseguiu jogar ainda mais gasolina nos
crescentes conflitos que projetos de infraestrutura têm provocado sobre as
terras indígenas, conforme avançam para a região amazônica.
A grita é geral desde o dia
24 de julho, quando foi publicada a Portaria 303, que trata da exploração de
recursos hídricos e minerais em terras indígenas, além da instalação de bases
militares sem consulta prévia. A contrariedade não partiu apenas dos índios,
que têm realizado constantes protestos pelo país. A Fundação Nacional do Índio
(Funai), órgão do governo vinculado ao Ministério da Justiça, se viu
enfraquecida pela proposta feita pela AGU e decidiu ir a público demonstrar sua
insatisfação por meio de nota. No governo, apurou o Valor, a avaliação também
não foi positiva.
Segundo uma fonte ligada diretamente
à Presidência, o Palácio do Planalto foi “surpreendido” com a portaria, sem ter
sido procurado para nenhum tipo de consulta antecipada. Há meses, revela essa
fonte, o governo tem realizado uma série de encontros com o propósito de
discutir o texto de uma lei para regulamentar o Artigo 231 da Constituição
Federal, o qual estabelece que o aproveitamento dos recursos hídricos,
incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais
em terras indígenas “só podem ser efetivados com autorização do Congresso
Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação
nos resultados da lavra, na forma da lei.”
As discussões têm envolvido
a participação do Ministério de Minas e Energia, do Ministério do Meio Ambiente,
da Casa Civil e do Ibama. Na avaliação dessa fonte do governo, a portaria da
AGU “jogou água” nessa discussão. “O assunto é delicado. Nosso propósito é
estabelecer, claramente, em que situações os índios devem ser ouvidos. Então,
veio essa portaria dizendo que não precisa ouvir ninguém.”
Apesar da lentidão no
Congresso por conta das eleições municipais, o governo trabalhava com a
expectativa de que esse projeto de lei fosse encaminhado para votação ainda
neste ano. Agora, essa perspectiva estaria praticamente descartada.
Devido à repercussão, a AGU
suspendeu por dois meses os efeitos da Portaria 303. A ideia é que, até 24 de
setembro, chegue-se a uma definição sobre o que fazer com o texto: modificá-lo
ou revogá-lo completamente.
O advogado-geral da União,
ministro Luís Inácio Adams, foi procurado pelo Valor para comentar o assunto,
mas a AGU informou que não iria se pronunciar sobre o caso. A Funai também
declarou que não faria comentários. Está prevista a realização de uma
reunião em Brasília entre Adams, representantes da Funai e lideranças indígenas
de Goiás e Tocantins que, desde terça-feira, acampam na capital federal.
Os índios, que chegaram a
bloquear a saída de funcionários na sede da AGU na segunda-feira, não querem a
possível revisão do texto da portaria, como propôs o advogado-geral da União
substituto, Fernando Luiz Albuquerque Faria, durante conversa com as
lideranças. Os líderes cobram a revogação total da portaria. “Queremos que isso
acabe de uma vez por todas, que rasguem essa portaria. Estamos aqui porque a
Funai não olha por nós, porque ela se esconde de nós”, disse Isabel Xerente,
liderança da etnia xerente.
Os índios afirmaram que o
movimento vai se espalhar e que novos grupos estão a caminho de Brasília. “Mais
povos virão. Viajamos até aqui com o nosso próprio dinheiro, sem nenhum apoio
da Funai. Vamos lutar até o fim”, protestou Antônia Krahô.
Ontem, um grupo de índios
bloqueou as rodovias BR-364 e BR-174 no Mato Grosso.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal, os índios fecharam a BR-364 na altura do km 360, na região da Serra de São Vicente, em Cuiabá. Na BR-174, o tráfego foi interrompido nas proximidades do município de Comodoro, a cerca de 680 quilômetros da capital.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal, os índios fecharam a BR-364 na altura do km 360, na região da Serra de São Vicente, em Cuiabá. Na BR-174, o tráfego foi interrompido nas proximidades do município de Comodoro, a cerca de 680 quilômetros da capital.
Fonte: Valor Econômico