Por Renato Santana*
Pistoleiros atiraram na
tarde desta terça-feira, 28, contra o tekoha Arroio Korá, do povo Guarani
Kaiowá, localizado no município de Paranhos, fronteira do estado do Mato Grosso
do Sul com o Paraguai. Por enquanto, não há notícias de feridos, mas a
violência imposta pelos jagunços dessa vez não respeitou ao menos órgãos
federais.
Durante o ataque dos
atiradores, a comunidade indígena estava reunida com o antropólogo do
Ministério Público Federal (MPF) do estado, Marcos Homero. Com ele estavam
representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e agentes da Força
Nacional. Em Arroio Korá vivem cerca de 400 Guarani Kaiowá.
Os tiros foram desferidos
contra o grupo reunido, que se dispersou. “Ficamos assustados. Acontece sempre
de atirarem contra nós, por cima do acampamento. Hoje estava o Ministério
Público, a Funai. Eles viram como acontece”, declarou a liderança de Arroio
Korá, Dionísio Guarani Kaiowá.
Ameaçado de morte, o
indígena não pode se locomover livremente pela Terra Indígena de sete mil
hectares homologada em 21 de dezembro de 2009, mas que nunca teve os não-índios
retirados pela Funai. Conforme decisão do Aty Guasu, grande reunião Guarani
Kaiowá, a situação não poderia mais se manter.
No último dia 10 de agosto a
comunidade decidiu iniciar a retomada da área e desde então Dionísio está
marcado para morrer, além de seguir exigindo das autoridades providências
quanto ao desaparecimento de Eduardo Pires Guarani Kaiowá, levado pelos
pistoleiros durante ataque no dia do movimento de retomada.
“Aqui estamos vivendo assim
porque os invasores de nossas terras estão todos aqui dentro e não aceitam que
estamos retomando o que é nosso. Estamos aqui e não vamos sair”, decretou
Dionísio. Na última semana, o indígena entrou para o Programa de Proteção aos
Defensores de Direitos Humanos da Presidência da República.
Violência
é recorrente
O Ministério Público Federal
(MPF) em Mato Grosso do Sul solicitou a instauração, pela Polícia
Federal de Ponta Porã, de inquérito policial para averiguar a violência sofrida
pelos Guarani Kaiowá e Ñhandeva durante reocupação da Terra Indígena Arroio
Korá.
Uma criança morreu durante o
ataque dos pistoleiros, ocorrido logo após o movimento de retomada. Um indígena
chamado Eduardo Pires ainda está desaparecido e conforme testemunhas ele teria
sido levado pelos pistoleiros. Segundo o MPF, o objetivo da investigação, além
de apurar a ocorrência de crimes, é também o de preservar o local dos fatos
para futuros exames periciais.
Relatório de Identificação
da Terra Indígena, realizado pelo antropólogo Levi Marques Pereira e publicado
pela Funai, atesta, em fontes documentais e bibliográficas, a presença dos guarani
na região desde o século XVIII.
Em 1767, com a instalação do
Forte de Iguatemi, os índios começaram a ter contato com os “brancos”, que aos
poucos passaram a habitar a região com o objetivo de mantê-la sob a guarda da
corte portuguesa. A partir de 1940, fazendeiros ocuparam a área e passaram a
pressionar os indígenas para que deixassem suas terras tradicionais.
Os primeiros proprietários
adquiriram as terras junto ao Governo do, então, Estado de Mato Grosso e, aos
poucos, expulsaram os índios, prática comum naquela época. Contudo, os
indígenas de Arroio Korá permaneceram no solo de seus ancestrais, trabalhando
como peões em fazendas.
Homologação
contestada
No dia 21 de dezembro de
2009, o presidente Luís Inácio Lula da Silva homologou os sete mil hectares da
Terra Indígena Arroio Korá. Desrespeitando o recesso do STF, o ministro Gilmar
Mendes, oito dias depois do ato de homologação, embargou 184 hectares da
área a pedido dos fazendeiros.
“O que perguntamos é: por
que o processo ainda está parado e qual a razão da Funai não retirar os
invasores de todo o resto da terra que não foi embargada? A guerra que nos
declaramos é contra essa morosidade. Não vamos aceitar mais tanta demora em
devolver nossas terras”, disse Eliseu Guarani Kaiowá.