Por: Elaíze Farias*
Napë não tem dado trégua aos yanomami. Nem quando
tira ouro de forma ilegal nem agora, quando apresenta um documento para
legitimar a atividade garimpeira. Napë é “homem branco” na língua yanomami. Se
for inimigo, ganha uma sílaba a mais: napëpë.
Para os yanomami, napëpë são os garimpeiros que
desde os anos 80 vêm invadindo suas terras, contaminando seus rios, destruindo
suas florestas e matando sua população por massacre e por doença. Os
garimpeiros saem, são retirados, mas retornam. Mas a partir de agora, nepëpë
podem também ser os políticos e as autoridades que querem permitir a entrada de
grandes empresas mineradoras em suas terras.
A nova face da corrida do ouro que tanto assombra
os índios yanomami deixou de ser um fantasma, uma ameaça que, embora próxima,
não se concretizava. Em tramitação desde 1996, o Projeto de Lei que regulamenta
a exploração de minérios em terra indígena recebeu uma nova versão, desta vez
do deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR). O substitutivo foi anunciado neste
mês e colocado para consulta na Internet.
“Os problemas com o garimpo aconteceram, foram
reduzidos, mas agora estão se repetindo. O Congresso Nacional quer aprovar o
projeto de mineração. As empresas já estão de olho nas terras dos índios. Eles
estão discutindo e pensam que, por estarmos longe, não estamos escutando.
Estamos na floresta, mas sabemos de tudo”, diz Davi Kopenawa, principal
liderança indígena do povo yanomami e que há 25 anos vem denunciando a presença
de garimpo ilegal na área.
Assembleia
Entre os dias 15 e 20 do mês passado, o garimpo
ilegal e a regulamentação da mineração em terra indígena foram dois dos
principais assuntos discutidos na 7ª Assembleia da Hutukara Associação Yanomami
e Ye´kuana, realizada na aldeia Watoriki, casa de Davi, região do Município de
Barcelos, no Amazonas, divisa com o Estado de Roraima.
Para Davi, a entrada da mineração na terra yanomami
vai levar calamidade a seu povo. “Vai sujar a fonte do rio, a água que a gente
bebe, vai abrir estrada, derrubar milhares de árvores grandes e pequenas,
entrar máquina pesada, que para nós é como monstro grande. Muita gente vai
querer vir para cá, até de outros países, para pegar ouro, diamante e pedras
preciosas. Não queremos mineração na nossa terra”, afirmou.
Realmente, há muitas empresas “de olho” na riqueza
minerária da terra indígena yanomami. A pedido da reportagem de A CRÍTICA, o
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), enviou a lista mais
atualizada de requerimentos de pesquisa minerária. São mais de 650 processos
pedidos desde a década de 70 até o ano de 2012 apenas na TI Yanomami, em áreas
dos Estados de Amazonas e Roraima, para explorar diferentes substâncias, não
apenas ouro.
Um mapa do DNPM o qual a reportagem teve acesso
torna mais nítida – e chocante – a dimensão territorial cobiçada pelas empresas
de mineração na terra yanomami.
A pesquisadora independente Telma Monteiro, que
identificou e editou a cobertura requerida pelas empresas exclusivamente para A
CRÍTICA, estima que 80% da terra dos índios yanomami estão destinadas às
empresas mineradoras que apenas aguardam a regulamentação.
Freios
O deputado federal Édio Lopes, autor do
substitutivo, defende o projeto lembrando que a regulamentação está prevista na
Constituição de 1988. Ele ressalta que as comunidades indígenas serão
consultadas e que “alguns freios” serão estabelecidos. Lopes inclui, nesta
condição, as terras ainda não homologadas e os índios considerados por eles de
“arredios e de pouca compreensão da sociedade do branco”.
O PL prevê um pagamento mensal de 2% do faturamento
bruto à população indígena afetada pela atividade de mineração. Indagado se os
yanomami estão na segunda categoria, já que suas terras são homologadas, ele
deu a seguinte afirmação:
“Sim, eles são arredios e não conhecem muito do
nosso sistema. Mas existem yanomami que são a favor. Estive numa audiência em
São Gabriel da Cachoeira (no Amazonas) e havia índio yanomami que queria
mineração. Apenas os yanomami influenciados pelo Davi é que não querem”, disse
Lopes.
Constituição
O deputado federal Edio Lopes, autor do
substitutivo, defende o projeto lembrando que a regulamentação está prevista na
Constituição de 1988. Ele ressalta que as comunidades indígenas serão
consultadas e que “alguns freios” serão estabelecidos. Lopes inclui nesta
condição as terras ainda não homologadas e os índios considerados por eles de
“arredios e de pouca compreensão da sociedade do branco”.
O PL prevê um pagamento mensal de 2% à população
indígena afetada pela atividade de mineração.
Indagado se os yanomami estão na segunda categoria,
já que suas terras homologadas, ele afirmou deu a seguinte afirmação: “Sim,
eles são arredios e não conhecem muito do nosso sistema. Mas há yanomami que
são a favor. Estive numa audiência em São Gabriel da Cachoeira (Amazonas) e
havia índio yanomami que queria mineração. Apenas os yanomami influenciados
pelo Davi é que não querem”, disse Lopes.
Recurso do MPF
O Ministério Público Federal de Roraima entrou no
último dia 15 de outubro com um recurso no Tribunal Regional Federal 1 (TRF1)
pedindo a anulação de todos os requerimentos pendentes no DNPM de lavra
garimpeira e de pesquisa de mineração em terra indígena no Brasil – e não
apenas em Roraima.
O MPF/RR já havia entrado com uma antecipação de
tutela contra o DNMP com o mesmo pedido, mas a liminar foi negada. De acordo
com a procuradoria federal de Roraima, apenas naquele Estado há 1.200 pedidos
de lavra em terra indígena.
Para o procurador Fernando Pacheco, este pedido não
tem regulamentação legal e nem deveria estar sobrestado. Pacheco acredita que,
com a repercussão atual em função da divulgação do substitutivo do deputado
Edio Lopes, a peça seja enfim acatada.
Na ação, o procurador Fernando Pacheco diz que o
que há em vigor atualmente no DNPM é “a prática ilegal de suspensão do
procedimento administrativo de autorização de pesquisa mineral em terra
indígena, sem um prazo definido, prática essa que tem a nítida função de
garantir o direito de preferência ao requerente da área, quando sobrevier
legislação regulamentadora dos dispositivos constitucionais acima citados”,
“Para cada pedido de lavra é preciso uma consulta
prévia e livre. A comunidade indígena pode negar, uma vez que o Brasil
signatário de tratados internacionais que prevê a consulta aos povos
indígenas”, afirmou Pacheco.
Fernando Pacheco, que participou da assembléia da
Hutukara, na aldeia Watoriki, demonstrou preocupação com o avanço do interesse
minerário na terra yanomami, especialmente neste momento em que se caminha para
sua regulamentação.
“O garimpo já tem um efeito devastador para as
comunidades yanomami, com poluição do meio ambiente e eclosão da violência. Se
a exploração minerária for regulamentada com a expedição das lavras haverá o
risco de uma alteração total de uma cultura absolutamente única no Brasil e que
tem um grau de preservação quase incomparável com as outras que é a dos
yanomami”, destacou.
O antropólogo Ricardo Verdum, assessor do Instituto
de Estudos Socioeconômicos (Inesc), disse ao jornal A CRÍTICA que se preocupa
com o modo como o assunto vem sendo tratado pelo legislativo federal,
desconsiderando a legislação nacional e internacional no que se refere ao
direito dos povos indígenas à consulta livre, prévia e informada.
“A Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho entrou em vigor internacionalmente em 5 de setembro de 1991. Ela tem
três artigos que são extremamente relevantes para essa temática da consulta
prévia, que são o artigo. 6º, o artigo 7º e o artigo 15º. Resumindo o que é
estabelecido nesses três artigos, eu digo o seguinte: que é garantido aos povos
indígenas definir suas próprias prioridades de desenvolvimento; é garantido a
eles controlar, na maior medida do possível, seu próprio desenvolvimento
econômico, social e cultural; é garantido a esses povos participar da
formulação, da implementação e da avaliação de planos e programas de é
garantido a esses povos participar da formulação, da implementação e da
avaliação de planos e programas de desenvolvimento nacional e regional que
possam afetá-los diretamente”, destacou.
Entrevista com o geólogo Paulo Ribeiro de Santana,
ouvidor do DNMP
Pergunta: As empresas que entraram com estes pedidos de
pesquisa já tiveram suas demandas concedidas.
Não.
Pergunta: O DNPM vai aguardar a regulamentação da mineração
em terra indígena?
Resposta: Não, os processos estão todos
sobrestados.
Pergunta: Caso os pedidos ainda não tenham sido atendidos,
as empresas terão preferência na concessão, quando o Congresso Nacional aprovar
o projeto de lei?
Resposta: Quem vai responder a esta pergunta é o
novo texto que for aprovado pelo Congresso Nacional, que ninguém sabe se é o
que o Deputado está propondo como Substitutivo. Não significa que o
Substitutivo será aprovado, ele certamente será submetido à apreciação dos
parlamentares para deliberação se sim ou não.
*Fonte: A Crítica