Por Guilherme Zocchio*
De 150 casos de escravidão contemporânea flagrados pela fiscalização de janeiro a outubro de 2012, 54 foram em fazendas de gado dentro dos limites da Amazônia Legal
Mais de um terço das libertações de escravos
realizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego de 1º de janeiro até 18 de
outubro de 2012 aconteceram em fazendas de gado dentro dos limites da Amazônia
Legal, de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Dos 150
flagrantes registrados até agora em 2012, 54 envolveram pecuária na região.
Estatísticas gerais sobre o assunto foram divulgadas na semana passada (clique aqui para acessar tabela completa) e reforçam a associação entre
desmatamento para abertura de pastos e trabalho escravo. “As atividades
de trabalho ligadas à pecuária, como a preparação do roço de juquira [limpeza
no pasto] e a manutenção de cercas, têm sido historicamente as mais recorrentes
de utilização de trabalho escravo”, aponta o frei Xavier Plassat, da CPT.
Gado no Pará, onde a Amazônia está sendo substituída por pastos (foto: Verena Glass) |
Segundo Xavier, o número de ocorrências é alto
porque a pecuária reúne tarefas que não exigem especialização e que empregam
mão de obra de maneira apenas esporádica — fatores normalmente relacionados a
baixos salários, ausência de carteira assinada e condições degradantes.
Além da pecuária outras atividades relacionadas ao
desmatamento também têm utilizado escravos na Amazônia. Ao todo, foram 91 casos
na região em 2012, incluindo os 54 da pecuária, o que representa 60,7% de todos
os casos do país. Em junho, a Repórter Brasil apresentou o estudo "Combate à devastação ambiental e ao trabalho escravo na produção do ferro e do aço" com
informações sobre a produção ilegal de carvão na Amazônia com a exploração de
escravos.
Xavier ressalta que os dados são baseados nas
fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e que o número de
flagrantes depende das áreas em que as ações acontecem, de modo que os dados
são um indicativo de onde ocorrem os principais casos de escravidão no Brasil e
não um retrato exato. Além disso, a proporção de libertações pode variar
dependendo das regiões que o MTE priorizar para as inspeções trabalhistas.
Pará e Mato Grosso
No Brasil, entre os principais estados que lideram
esta atividade econômica estão o Pará e o Mato Grosso, com respectivamente 18
milhões e 29 milhões de cabeças de gado bovino, conforme dados da Pesquisa
Pecuária Municipal (PPM) de 2011 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística.
A expansão da pecuária está ligada ao avanço do
desmatamento sobre a Amazônia, no chamado “Arco de Fogo do Desmatamento”, que
se concentra nos dois estados. No mapa abaixo, em vermelho estão as áreas
embargadas pelo órgão por problemas ambientais. É possível visualizar as derrubadas
que, como um arco, cercam a floresta ainda preservada. A imagem foi retirada do sistema de mapas do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama). A relação completa de áreas embargadas pode ser consultada neste link.
Em vermelho, áreas embargadas pelo Ibama por problemas ambientais. Fonte: Siscom |
Na última atualização da “Lista Suja”, cadastro do
MTE de proprietários e empresas flagradas com escravos, um em cada quatro
incluídos eram do Mato Grosso.
Desconforto no Sul e Sudeste
Para Xavier, outra informação significativa no
último levantamento feito pela CPT é o aumento do número de ocorrências de
escravidão contemporânea nas regiões sul e sudeste do país. “O surgimento de
casos nessas duas regiões provocou certo desconforto nos responsáveis pela
fiscalização”, afirma. Em boa parte dos flagrantes encontrados nessas duas
áreas brasileiras estão os casos de trabalho análogo ao de escravo em
atividades tipicamente urbanas.
Ocorrências na construção civil e em confecções
têxteis representam 11,3% do total de flagrantes levantados pela CPT. Durante o
período de um mês, neste ano, o MTE chegou a libertar, em três fiscalizações
diferentes, 167 vítimas do trabalho análogo ao de escravo em empreendimentos da
construção civil — inclusive, em um deles, em obras do programa “Minha casa,
minha vida” do governo federal. No ramo têxtil, este ano em São Paulo, 23
migrantes foram resgatados de condições de trabalho degradante, enquanto
costuravam para a grife de roupas Gregory.
*Fonte: Repórter Brasil