Por Lúcio Flávio Pinto*
O Ministério Público Federal já
ajuizou 15 ações civis públicas contra a hidrelétrica de Belo Monte, em
construção no rio Xingu, no Pará. Seus argumentos sobre a inviabilidade
econômica e socioambiental do empreendimento não parecem ter impressionado a
principal instituição de fomento do país.
Durante os próximos 30 dias, o Banco Nacional do Desenvolvimento
Econômico Social pretende liberar 19,6 bilhões para o projeto, que já recebeu
do BNDES, em duas parcelas, neste ano, R$ 2,9 bilhões. O total do
comprometimento, assim, é de R$ 22,5 bilhões. O montante representa 80% dos R$
28,9 bilhões previstos para serem usados até tornar Belo Monte a terceira maior
hidrelétrica do mundo.
Os títulos desta transação impressionam. Trata-se do maior
empréstimo de toda história de 60 anos do banco. É três vezes maior do que a
operação que ocupava até então o primeiro lugar no ranking do BNDES, os R$ 9,7
bilhões destinados à refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. A usina do Xingu
engolirá quase todos os recursos previstos — R$ 23,5 bilhões — para a área de
infraestrutura nesse segmento, excluindo o metrô.
Os elementos de grandiosidade não param aí. Belo Monte é a maior
obra em andamento no Brasil e a joia da coroa do PAC, o Programa de Aceleração
do Crescimento, transmitido por Lula a Dilma.
Com a aprovação do empréstimo, o governo dá o recado: contra todos
os seus adversários e enfrentando atropelos pelo caminho, a enorme hidrelétrica
continuará em andamento acelerado. Quer que a primeira das 24 gigantescas
turbinas comece a gerar energia em fevereiro de 2015 e a última, em janeiro de
2019. Não por acaso, Belo Monte ganhou do governo Lula o título de hidrelétrica
estratégica, a primeira com esse tratamento no Brasil.
Principal item do Plano Decenal de Energia (2013/2022), Belo
Monte, com seus 11,2 mil megawatts nominais, contribuirá — nos cálculos
oficiais — com 33% da energia que será acrescida à capacidade brasileira de
produção durante o período da motorização das suas máquinas, entre 2015 e 2019.
Teria condições de atender à demanda de 18 milhões de residência e 60 milhões
de pessoas, ou ao consumo de toda população das regiões Sul e Nordeste somadas.
Não surpreende que o BNDES, com uma carteira de negócios desse
porte, tenha se tornado maior do que o Banco Mundial, sediado em Washington,
algo "nunca antes" inimaginável, como diria o ex-presidente Lula. Além
dos milionários recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), que estão à
sua disposição, apesar da paradoxal relação, e da sua receita própria, o banco
tem recebido crescentes aportes do tesouro nacional, uma preocupante novidade
nos últimos tempos. A opinião pública parece não atentar para a gravidade desse
fato.
Tanto dinheiro público chegou ao caixa do BNDES a pretexto de
fortalecer o capitalismo brasileiro, que agora se multinacionaliza. Um dos
focos das aplicações intensivas do banco é o controverso setor dos
frigoríficos, alçado ao topo do ranking internacional pela pesada grua
financeira estatal.
Com paquidérmicos compromissos de desencaixe de dinheiro, o BNDES
tem sido cada vez mais socorrido pelo governo federal. É o que acontece no caso
de Belo Monte. Dos R$ 22,5 bilhões aprovados para a hidrelétrica, apenas R$ 9
bilhões são recursos próprios do banco, que não os aplicará diretamente: R$ 7
bilhões serão repassados através da Caixa Econômica Federal e R$ 2 bilhões por
meio de um banco privado, o BTG Pactual. Os outros R$ 13,5 bilhões sairão do
caixa do tesouro nacional, o que quer dizer dinheiro arrecadado através dos
impostos federais — do distinto público, portanto.
É interessante a composição dessa transação. O BNDES recorreu às
duas outras instituições financeiras, ao invés de fazer ele próprio o negócio,
sob a alegação de risco de inadimplência. Se o tomador do dinheiro, que é a
Norte Energia, controlada por fundos e empresas estatais federais, não pagar o
empréstimo, os intermediários responderão pelo calote. Naturalmente, cobrando o
suficiente (e algo mais) para se resguardarem desse risco.
Já o dinheiro do cidadão, gerido pela União, terá aplicação direta
pelo BNDES. Da nota divulgada ontem pelo banco deduz-se que esta parte do
negócio é imune à inadimplência. Provavelmente não pela inexistência de risco,
o que é impossível nesse tipo de operação. Talvez porque, se o dinheiro não
retornar, quem sofrerá será o erário, e o contribuinte, no fundo do seu bolso.
O orçamento da hidrelétrica de Belo Monte começou com a previsão
de R$ 9 bilhões. Hoje está três vezes maior. Nem o "fator amazônico",
geralmente considerado complicador imprevisível em virtude das condições das
regiões pioneiras, de fronteira, nem a inflação ou os dados disponíveis sobre
as obras em andamento, que já absorveram quase R$ 3 bilhões em menos de dois
anos, explicam esse reajuste.
Foi assim com a hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, no
Pará, a quarta do mundo. Ela começou a ser construída em 1975 e a primeira das
23 turbinas entrou em atividade em 1984. O orçamento era inicialmente de 2,1
bilhões de dólares. Chegou a US$ 7,5 bilhões por cálculos extraoficiais, numa
época em que a moeda nacional estava desvalorizada. Mas talvez tenha ido além
da marca de US$ 10 bilhões.
O precedente devia estimular a opinião pública a se acautelar, ao
invés de se omitir, como se a parte mais sensível do corpo humano já não fosse
mais o bolso.
*Publicado originalmente
no Yahoo