Greenpeace denuncia registro de crimes ambientais e trabalho escravo
entre proprietários beneficiados pelo programa Terra Legal
Giovana Girardi*
No
final de agosto deste ano, o Ibama flagrou um desmatamento de 300 hectares em
curso em terra pública, em plena zona de amortecimento da Floresta Nacional de
Altamira (PA).
O que poderia ser só mais
um caso de uma situação ainda recorrente na Amazônia logo mostrou ter contornos
mais complicados. Foram encontradas 12 pessoas trabalhando em condições
análogas à escravidão. E elas disseram estar agindo por ordens de um fazendeiro
vizinho à área, um proprietário beneficiado pelo programa Terra Legal.
A denúncia levantou a bandeira
vermelha sobre como está funcionando o programa do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, criado em 2009 com o objetivo de fazer a regularização
fundiária principalmente de pequenos produtores - posseiros que tenham ocupado
de modo legítimo terras públicas federais no passado e façam uso dessa terra
para seu sustento. O benefício, porém, está condicionado à lisura do
proprietário. A ocorrência de desmatamento irregular pode levar à perda do
título.
A comunicação do flagrante
e a suspeita de o crime estar ligado a um titulado do programa levaram
analistas da ONG Greenpeace a investigar o histórico do fazendeiro. Descobriram
que, antes de receber o título, o que ocorreu em 2009, ele já havia sido
autuado pelo Ibama por exploração ilegal de floresta (em outubro de 2008). Em
setembro do ano passado, foi novamente autuado por desmatar área de proteção
permanente. E em setembro passado, após o flagrante, teve a fazenda embargada
por desmatamento ilegal.
Uma varredura posterior do
Greenpeace entre as maiores propriedades regularizadas pelo Terra Legal na
região de Altamira e Novo Progresso (município onde está a fazenda do
flagrante) encontrou pelos menos outros oito casos de beneficiados que também
têm pendências com os órgãos ambientais.
Grilagem.
A escolha por
avaliar fazendas com mais de 10 módulos fiscais (o que na região significa mais
de 1 mil hectares) se deu por conta de um temor antigo - de quando o programa
foi elaborado - de que ele beneficiaria mais grileiros que realmente grandes
proprietários. O levantamento do Greenpeace mostrou que, para aquela região,
dos 230 títulos concedidos, 30 foram para propriedades de mais de 10 MF. O
programa contempla propriedades de até 15 módulos.
"Em números absolutos,
só 3% das propriedades daquela região têm mais de 10 MF. A maioria é de
pequenas propriedades", afirma Márcio Astrini, coordenador da campanha
Amazônia da ONG. "Tem uma contradição na lei. A justificativa para sua
existência é que ela serve para regularizar as pequenas propriedades da agricultura
e posses familiares na Amazônia."
Raimundo de Lima Mesquita,
coordenador da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará
(Fetagri/Baixo Amazonas), conta que, das famílias que conhece, não viu nenhuma
resolver seu problema de terra com o programa. "O Terra Legal não veio
para legalizar a agricultura familiar, mas os grandes latifúndios", diz.
Para Astrini, o relato de
Mesquita ilustra o problema. "Um programa como esse deveria ser ativo
dentro de um sindicato de trabalhadores rurais. Ele traz um pacote de soluções
para a luta dessas pessoas. Mas se o presidente do sindicato desconhece o que
está acontecendo, é porque o governo não tem parceria com essas
instituições", comenta.
Denúncia.
Anteontem, o
ambientalista enviou ao Ministério Público Federal de Altamira um documento
relatando o caso flagrado pelo Ibama no final de agosto, em que pede
investigação urgente sobre o proprietário e também sobre outros beneficiários
do Terra Legal no entorno da Flona de Altamira que receberam mais de 10 MF. Até
ontem à noite, as procuradoras ainda não tinham conseguido avaliar a denúncia.
Antes disso, o próprio
relato do Ibama tinha levado o MPF de Santarém a pedir um mandado de prisão
contra Eleandro Perin, citado como responsável pela área - ele é o proprietário
da fazenda Vitória, contígua ao trecho desmatado, e titulada pelo Terra Legal.
A Justiça do Pará indeferiu o pedido e o MP recorreu. "Ele tem um plano de
manejo aprovado para a sua propriedade e poderia estar tirando madeira da outra
área para vender com a documentação do plano de manejo", diz Astrini.
Fonte: O Estado de São Paulo