Madeireiros fazem ações pontuais em reservas que não são detectadas pelo satélite
Giovana
Girardi*
SUDOESTE
DO PARÁ - Imagens quadriculadas e recortadas dos satélites mostram todo mês
como está o desmatamento na Amazônia. Já há algum tempo alertam que, apesar de
em geral a taxa estar caindo, é nos lugares onde o desmate realmente não
deveria existir - as unidades de conservação criadas para contê-lo - que o
problema avança perigosamente. Mas somente voando sob as nuvens é possível
observar o tamanho do desafio de resolvê-lo.
Partindo
de Itaituba, no oeste do Pará, sobrevoamos um mosaico de áreas protegidas
criadas no entorno da BR-163 a fim de conter desmatamentos que a obra poderia
causar. Ao entrarmos na Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, a primeira
sensação é de alívio. Altamente preservada, faz pensar que teremos de voar
muito até achar o problema. Não demora nem cinco minutos. Veios de terra
vermelha cortam o verde escuro da floresta. São estradas em operação para todo
lado, limpas, abertas para a retirada ilegal de madeira.
Na
sequência voamos sobre a Flona Altamira, onde o cenário muda um pouco. Pelos
locais onde passamos, a degradação surge em maiores proporções. Grandes áreas
onde, depois do corte seletivo de madeira, foi ateado fogo para o início do
processo de limpeza que, em mais algum tempo, pode preparar o terreno para a
instalação de um pasto.
Estamos
a bordo do monomotor de Prefixo PAZ do Greenpeace, onde analistas da ONG tentam
identificar visualmente e mapear desmates antes mesmo dos satélites - que não
raramente são prejudicados pela presença de nuvens sobre a floresta tropical. O
que eles observam é imediatamente georreferenciado e depois cruzado com
informações prévias para checar se é algo novo ou não. No dia do nosso voo, no
fim de outubro, vimos algo que parecia recente. Um mosaico de áreas desmatadas
que, somadas, chegariam a cerca de 1 mil hectares, segundo a análise da ONG.
Mais à frente vemos outro mosaico com corte raso e degradação ainda maior, de
cerca de 3 mil hectares, já detectado pelo Deter, o sistema de monitoramento
contínuo via satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
"Coincidentemente,
ele fica perto de três fazendas", ironiza Márcio Astrini, coordenador da
Campanha Amazônia do Greenpeace. "Esse desmatamento está na borda de
dentro da unidade de conservação. Se o governo quiser diminui-la, já seria um
bom lugar para passar o novo risco." A denúncia desses novos desmates deve
ser entregue nesta semana pela ONG ao Ministério Público Federal.
Pressão. Quando as duas Flonas foram criadas
(Altamira em 1998 e Jamanxim, em 2006), já havia várias propriedades rurais na
região. Em Altamira vemos fazendas consolidadas, com gado e tudo, que vai
pressionando trechos de floresta em pé, enquanto o governo federal não resolve
o que fazer com esses proprietários. Se eles têm posse legítima, têm de ser
desapropriados e indenizados. Mesmo se não tiverem, o governo têm ao menos de
pagar pelas benfeitorias. Independentemente disso, porém, novos desmates após a
delimitação da área protegida são ilegais.
"Talvez
até fossem ocupações legítimas antes, mas depois a coisa avançou como não
devia. E muitos outros simplesmente foram ocupando essas regiões à espera de
regularização", afirma Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio
Ambiente da Amazônia (Imazon). Essa falta de regularização fundiária é
considerada um dos motivos para o avanço do desmatamento nas unidades de
conservação. Tanto o Inpe quanto o monitoramento paralelo feito pelo Imazon
mostram Jamanxim e Altamira liderando as listas de desmate em áreas protegidas
neste ano.
De
acordo com o Imazon, de janeiro a outubro deste ano Jamanxim perdeu 5.069
hectares, ante 972 ha no mesmo período do ano passado. Em Altamira o problema
diminuiu um pouco, mas continua alto: 2.222 ha neste ano, ante 2.465 ha em
2011.
Além
da falta de regularização, um outro acontecimento neste ano foi interpretado
por muitos como o gatilho dessa onda de desmatamento. No início do ano, o
governo federal diminuiu a área de oito unidades de conservação para a construção
de hidrelétricas. "Passou a impressão de quando o governo quer reduzir uma
floresta é fácil. Deu força para quem faz pressão para diminuir a área de
Jamanxim para manter essas fazendas", complementa Barreto.
Procurado pelo Estado para comentar as denúncias, Roberto
Vizentin, presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), órgão que cuida das unidades de conservação, disse não acreditar
nessa relação de causa e efeito. "A área em que está sendo discutida a
desafetação (redução) não é onde estão ocorrendo os desmates", diz.
Segundo ele, desafetar não é uma prioridade do órgão.
Para
os ambientalistas, no entanto, os desmates vão criando o que é interpretado
como "fato consumado". Depois do estrago, os grileiros acham que vai
ser mais fácil conseguir o título. "É preciso organizar o ordenamento
territorial do oeste paraense e das atividades produtivas. Mas reconhecemos que
a velocidade é lenta", diz Vizentin.
*Fonte: O Estado de São Paulo