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A direção nacional da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa) demitiu na semana passada o gerente-geral de
Toxicologia do órgão, o engenheiro agrônomo Luiz Cláudio Meirelles, que havia
denunciado casos de suspeita de corrupção e irregularidades na liberação de
agrotóxicos.
O ex-gerente afirmou que sua
assinatura foi falsificada em documentos da Anvisa, e ainda sustentou que
desapareceram os processos com suspeita de irregularidade. Ele relatou o caso à
direção da agência em setembro.
No início de agosto, após descobrir as
fraudes, o próprio Meirelles suspendeu a tramitação dos processos de alguns
produtos na Anvisa e proibiu a comercialização de dois deles, largamente usados
como agrotóxicos em grandes plantações. Meirelles estava na Anvisa desde a sua
fundação, em 1999, e organizou a gerência de Toxicologia. É funcionário de
carreira da Fiocruz, para onde retornará, no Rio.
A exoneração de Ricardo Velloso só
ocorreu este mês, depois que o Ministério Público Federal entrou no caso e
pediu explicações à Anvisa. No dia 14, a Anvisa demitiu também Meirelles. A
demissão foi aprovada por dois diretores. Outro se absteve.
Em carta postada numa rede social,
após sua demissão, Meirelles detalhou o episódio e contou que seis produtos
foram aprovados mesmo sem avaliação toxicológica.
*Com informações de O Globo.
Confira abaixo a íntegra do documento:
"Comunico que, no dia
14 de novembro de 2012, deixei o cargo de Gerente Geral de Toxicologia da
ANVISA, após ter trabalhado por 12 anos e 9 meses na agência, cedido pela
Fundação Oswaldo Cruz-FIOCRUZ, para onde retorno.
Durante estes anos, tive a
oportunidade de interagir com muitos colegas e amigos, que muito me ensinaram.
Levo da ANVISA riquíssima bagagem sobre a importância da prevenção e controle
que a Vigilância Sanitária desenvolve para produzir saúde e bem-estar para a
população.
Agradeço sinceramente a
todos que colaboraram com a minha gestão e, ao final deste texto, segue meu
novo endereço profissional na FIOCRUZ, Rio de Janeiro, onde estarei à
disposição para o desenvolvimento de trabalhos de interesse público na área da
saúde.
Em seguida apresento
informações sobre a minha saída da ANVISA e destaco algumas questões
preocupantes sobre o contexto atual, que poderão afetar a atuação do setor
Saúde no controle de agrotóxicos do Brasil.
Sobre os fatos
No início do mês de agosto,
identificamos irregularidades na concessão dos Informes de Avaliação
Toxicológica de produtos formulados, que autorizam o Ministério da Agricultura
a registrar os agrotóxicos no país. Frente aos primeiros fatos, solicitei aos
gerentes que levantassem as informações para a imediata adoção de providências.
Os levantamentos foram realizados e contaram com a colaboração dos responsáveis
pela Gerência de Análise Toxicológica – GEATO e da Gerência de Normatização e
Avaliação – GENAV. A Gerência de Avaliação do Risco – GAVRI não colaborou com
qualquer informação.
As graves irregularidades
envolveram o deferimento de produtos sem a necessária avaliação toxicológica,
falsificação de minha assinatura e desaparecimento de processos em situação irregular.
Primeiramente identificamos
irregularidade em um produto, posteriormente em mais cinco, e recentemente em
mais um, com problemas de mesma natureza. Para cada um deles foi instruído um
dossiê com a identificação da irregularidade e a anexação de todas as provas
que mostram que o Informe de Avaliação Toxicológica foi submetido para
liberação sem a devida análise toxicológica.
Por ocasião da primeira
irregularidade observada, comuniquei de imediato os fatos ao Chefe da
Coordenação de Segurança Institucional – CSEGI, que também é Diretor-adjunto do
Diretor-Presidente, e ao Diretor da Diretoria de Monitoramento – DIMON.
Informei a ambos que estava enviando os processos à CSEGI para adoção de
providências e cancelando os documentos de deferimento. Não recebi qualquer
orientação adicional ao que propus.
Em seguida, solicitei ao
Diretor-presidente o afastamento do Gerente da GAVRI, pois os problemas estavam
relacionados às atividades de sua Gerência, assinalando que houve rompimento da
relação de confiança exigida para o cargo.
Todos os procedimentos e
medidas foram previamente apresentados às instâncias superiores da ANVISA, na
busca de auxílio e orientação. As medidas que me cabiam, enquanto gestor da
área, foram adotadas para garantir a segurança dos servidores, dos documentos e
dos sistemas acessados pelos técnicos da GGTOX, bem como a imprescindível
visibilidade institucional.
Sobre as medidas adotadas
Para todos os produtos que
apresentaram suspeita de irregularidade na avaliação toxicológica, emiti
ofícios às empresas, suspendendo o Informe de Avaliação Toxicológica concedido
pela GGTOX/ANVISA, bem como determinando, em alguns casos, que se abstivessem
de comercializar o produto até que as irregularidades fossem apuradas e
sanadas. Também encaminhei os ofícios ao Ministério da Agricultura, com cópia
para o IBAMA, notificando as decisões e solicitando as medidas adequadas.
Solicitei à Gerência Geral
de Tecnologia da Informação-GGTIN, cópia do backup de todos os documentos da
pasta da GGTOX que ficam no servidor da ANVISA. A cópia está disponível na
GGTIN e para o Gerente Geral de Toxicologia, no modo leitura.
Encaminhei à CSEGI o relato
de todas as medidas adotadas, a descrição detalhada dos fatos e os documentos
juntados, para a adoção das providências cabíveis. Informei ainda, em todos os
memorandos, que seguíamos na busca de outras possíveis irregularidades, o que
poderia resultar no envio de novos processos àquela Coordenação.
Por último, comuniquei os
fatos e providências ao conjunto dos servidores, e discutimos a natureza grave
do problema. Enfatizei, ainda, a importância de garantir o prestígio da
GGTOX-ANVISA e de quem nela trabalha, afastando as estratégias destrutivas que buscam
desqualificar a ação reguladora das instituições públicas em episódios com
este.
Sobre a exoneração
As razões para a exoneração
me foram transmitidas pelo Diretor-Presidente da ANVISA. Após elogiar o
trabalho, a lisura e o reconhecimento externo que conferi à GGTOX, ele me
informou que, na sua visão, o encaminhamento das irregularidades foi confuso e
inadequado, e que faltou diálogo prévio, o que gerou dificuldades na relação de
confiança entre minha pessoa e a Diretoria. Afirmou, ainda, que o processo de
afastamento do gerente da GAVRI não fora apropriado, e que a indagação do
Ministério Público sobre esse fato, que antecedeu às investigações internas,
não deveria ter ocorrido.
Em resposta, discordei dos
argumentos apresentados, pois, como dito por ele, não havia críticas à minha
gestão, e a solicitação de investigação das irregularidades era de minha
obrigação enquanto gestor e servidor público. Também destaquei que respeitei a
hierarquia e os encaminhamentos formais.
Disse ainda que sempre estive
à disposição da Diretoria para informá-la dos fatos, e busquei diálogo e
orientação junto à CSEGI e à DIMON. Lembrei que, durante o episódio, as
gerentes da GEATO e da GENAV não foram chamadas sequer uma vez para informar ou
confrontar alguma afirmação que por ventura não tivesse sido clara o suficiente
para suscitar uma rápida tomada de providências.
Também esclareci ao
Diretor-Presidente que as manifestações externas sobre a minha exoneração não
deveriam ser interpretadas como pressão para me manter nesse cargo, pois eu
tampouco desejava continuar a trabalhar sob sua direção. No entanto, zelaria
para que a apuração das irregularidades fosse levada até a última instância.
Sobre o futuro
Frente ao exposto, considero
importante compreender que o episódio das irregularidades deve ser tratado com
a firmeza necessária, sem que isto venha denegrir a qualidade do trabalho
realizado pela Gerência de Toxicologia ou ocultar a tentativa de
desregulamentação do controle dos agrotóxicos no Brasil.
Nesse contexto, destaco
alguns fatos que vêm ocorrendo e cujo objetivo é o de retirar competências da
Saúde ou “flexibilizar” sua atuação. Eles têm sido debatidos e repudiados pela
Gerência, pelo retrocesso que representam para a sociedade:
- O Projeto de Lei - PL n˚
6299/2002, ao qual foram apensados outros PLs (PL 3125/2000, PL 5852/2001, PL
5884/2005, PL 6189/2005, PL 2495/2000, PL 1567/2011; PL 4166/2012; PL
1779/2011, PL 3063/2011 e PL 1567/2011), que estão tramitando na Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara Federal, e que retiram competências da ANVISA
e do IBAMA nas avaliações de agrotóxicos.
- A criação de uma “Agência
nacional de Agroquímicos”, veiculada pela mídia, e cujo conteúdo informa que um
dos fatores impeditivos da implementação da nova Agência seria a “resistência
dos técnicos da ANVISA”(sic).
- As tentativas de
desqualificação da Consulta Pública 02, de 2011, oriunda da revisão da Portaria
03, de 1992, e que estabelece critérios cientificamente atualizados para a
avaliação e classificação toxicológica de agrotóxicos. Durante o período da
consulta pública, o setor regulado chegou a propor que esta revisão fosse
suspensa.
- As tentativas permanentes
de impedimento da reavaliação de agrotóxicos ou de reversão das decisões já
adotadas, através das constantes pressões políticas e demandas judiciais. Tais
procedimentos tem sufocado o trabalho da Gerência. Oito produtos ainda estão
pendentes de conclusão; a proibição do metamidofós foi emblemática, pelo tanto
que onerou as atividades da equipe.
- As tentativas de
flexibilização da legislação, com o intuito de permitir a criação de normas que
autorizem as alterações de composição e o reprocessamento de produtos, sem
critérios técnicos fundamentados.
Abraços.
Luiz Cláudio Meirelles
Pesquisador em Saúde Pública
meirelles@ensp.fiocruz.br
(21) 2598-2681/2682
Centro de Estudos da Saúde
do Trabalhador e Ecologia Humana – CESTEH
Escola Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca – ENSP
Fundação Oswaldo Cruz –
FIOCRUZ
Rua Leopoldo Bulhões, 1480,
Manguinhos.
CEP 21041-210 Rio de
Janeiro, RJ.