A Associação das Mulheres
Domésticas de Santarém (AMDS); a Comissão Pastoral da Terra (CPT); a Federação
das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS); a Frente em Defesa da Amazônia
(FDA); o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR);
Comissão Diocesana de Justiça e Paz – Santarém e a União dos Estudantes de
Ensino Superior de Santarém (UES), organizações sociais situadas no município
de Santarém/PA, vêm, repudiar os últimos acontecimentos relativos ao
licenciamento da empresa multinacional Cargill Agrícola S.A, detentora de uma
história de ilegalidades, fraudes e violações de direitos, além dos efeitos
danosos, com a expansão do agronegócio nessa nova fronteira agrícola do oeste
paraense.
A Cargill Agrícola S.A.,
multinacional com sede nos Estados Unidos, tem como principal área de atuação o
comércio internacional de grãos e, no Brasil, é a principal exportadora de
soja. Com a valorização excepcional do preço e o crescimento por demanda no
mercado internacional no fim da década de 90 e durante a década seguinte, a
soja tornou mais atrativa para o cultivo.
Ocorre que, por conta do
esgotamento de terras nas regiões centro e sul, buscaram-se novas áreas de
plantio. A Amazônia e todo seu território apareceram, assim, como fronteira agrícola
a ser conquistada. Eis o script da inserção da soja e da Cargill no oeste
paraense.
Com a alta do preço da soja
no mercado internacional e a procura pela diminuição dos custos, a instalação
da Cargill no porto da Companhia das Docas do Pará em Santarém, em 1999, caiu
como uma luva aos interesses dos sojicultores. Com o porto graneleiro, haveria
como escoar a produção do Mato Grosso (maior estado produtor de soja), assim
como viabilizaria a expansão da fronteira agrícola do agronegócio no interior da
Amazônia, uma vez que a Cargill apoia financeiramente os produtores.
Quando a população tomou
conta da instalação do empreendimento (o leilão da concessão da área da CDP e
os bastidores políticos sobre a sua instalação aconteceram no “escuro”) também
surgiram as reações sociais, ambientais e jurídicas.
Foi-se a praia da Vera-Paz,
a única praia de acesso à maioria da população, patrimônio sociocultural da
cidade, agora só viva nas canções, poesias e fotos. Privatizou-se parte do rio
Tapajós em frente à cidade. Edificou-se o empreendimento em cima de sítios
arqueológicos com registro de 12 mil anos. Os conflitos sociais, ameaças à
lideranças e aos contrários a presença da soja, aumento dos bairros
periféricos, envenenamento de igarapés com agrotóxicos, comunidades inteiras
sumiram do mapa para dar lugar ao progresso, entre outros, foram acontecendo.
As leis também foram
abandonadas em favor do progresso. A Constituição Federal foi simplesmente
esquecida durante a implantação do empreendimento. O Estudo de Impacto
Ambiental e o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA), necessário para
empreendimentos dessa magnitude, não foi sequer realizado.
No entanto, o Ministério
Público Federal, apoiado por nós e por outras organizações e movimentos
sociais, ingressou com duas Ações Civis Públicas: a primeira, em 1999, para
obstruir o procedimento licitatório, então em andamento, por não prever o
EIA/RIMA às áreas arrendadas no Porto de Santarém; e a segunda, em 2000,
requerendo que fosse impedida qualquer obra na área arrendada, antes de
aprovado o EIA/RIMA.
Como se sabe, o mundo dos
fatos não tomou conhecimento do mundo jurídico. Com uma série de recursos,
liminares e mandados de segurança, a força política, jurídica e econômica do
agronegócio, figurada na Cargill, tornou-se fato consumado. Com o
empreendimento já construído e em pleno funcionamento, e quase 8 anos após o
ingresso das ações, a Justiça resolve, finalmente, obrigar a Cargill Agrícola
S.A. a realizar o EIA/RIMA. Enquanto não se cumpria as leis ambientais, o
empreendimento deveria ser paralisado, o que foi derrubado por outro mandado de
segurança.
Após anos de mobilizações
sociais, atos, documentos e protestos contra a presença da multinacional em
Santarém, enfim se garantiria, pelo menos, o respeito às leis brasileiras.
Quando finalmente os estudos
ficaram prontos e puderam ser apresentados e discutidos com a sociedade em sede
de audiência pública todos foram surpreendidos com as denúncias e provas de
fraude no EIA/RIMA feitas por técnicos desse digno órgão ministerial e outros
atores participantes, consistentes ora no falseamento de dados bibliográficos,
ora em sua manipulação, ora em sua omissão. Ato contínuo, o MPE/PA, ali
presente por meio de sua representante, anunciou a todos que ao término do ato
se dirigiria à Delegacia de Polícia Civil para providenciar a instauração de
inquérito policial para apuração do fato. Assim teve início o IPL no
273/2010.000082-4, em 29/07/2010, requisitado pelo MPE/PA e MPF por meio do
Ofício no 304/2010-MP/CMP.
O inquérito concluiu pela
existência de autoria e materialidade dos crimes tipificados no art. 69-A,
caput, da Lei no 9.605/98 e art. 299, caput, do Código Penal imputados à CPEA
(empresa que elaborou o EIA/RIMA) e à Cargill.
No mesmo sentido da opinião
manifestada pela Polícia Civil, também na visão das entidades subscreventes,
não poderia ser outra a conclusão, diante da demonstração cabal, pelos técnicos
do Ministério Público, na presença de centenas de pessoas, dos erros, omissões,
contradições e, principalmente, manipulações de dados bibliográficos pela
empresa Consultoria Paulista de Estudos Ambientais Ltda. (CPEA) em favor da
Cargill Agrícola S/A. Enfim, não é difícil perceber que o real objetivo do
estudo sempre foi o de “construir” um cenário favorável às pretensões da
empresa Cargill.
No entanto, tempos depois,
todos fomos surpreendidos ao saber que a denúncia havia sido proposta, porém,
imputando crime culposo, a título de mera negligência, à empresa CPEA e a seu
Diretor, responsáveis pela elaboração do EIA/RIMA fraudulento, sem qualquer
explicação desse entendimento à coletividade vítima do crime praticado e sem
qualquer indicação de crime por parte da Cargill. E mais: havia sido marcada
uma audiência extraordinária para propor a suspensão condicional do processo ao
réu. Um simples “acordo” para arquivar mais uma ilegalidade da empresa.
Nós, propomos então ao
MPE/PA, entre outras coisas, a inclusão da empresa Cargill como ré no
processo-crime, a alteração da tipificação penal, ou, caso o contrário, que a
suspensão do processo fosse condicionada à elaboração de outro EIA/RIMA, dessa
vez com dados verdadeiros e conclusões sérias, para que fossem respeitados os
direitos de informação e participação da sociedade civil no processo de
licenciamento ambiental.
Tentamos por diversas vezes
marcar uma reunião com os representantes do Ministério Público do Estado do
Pará, para rediscutir os termos da denúncia oferecida, inclusive com o
oferecimento de novas provas, mas sem sucesso. O que há de concreto e objetivo
nisso tudo é uma série ofícios com pedidos de designação da aludida reunião,
todos eles infrutíferos.
Nesse ponto, somos obrigados
a citar a própria Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Pará (Lei
Complementar estadual n. 057, de 06 de julho de 2006), que prevê, nos seus
artigos 60, II e 154, XI, o seguinte, in verbis:
Art. 60, II. Atender a
qualquer do povo, tomando as providências cabíveis;
Art. 154. São deveres do
membro do Ministério Público, dentre outros previstos em lei ou em ato
normativo da instituição:
XI – atender ao público na
sede da respectiva Procuradoria de Justiça ou Promotoria de Justiça, no horário
normal de expediente, e atender aos interessados, nos casos urgentes, a
qualquer momento.
Pondere-se, afinal, que as
organizações que assinam essa nota não tencionam macular a garantia
institucional de independência funcional do Ministério Público do Estado do
Pará no exercício das suas funções. Tampouco, objetivam duvidar da
imparcialidade e competência deste ou daquele membro do Parquet, até porque
neste caso já atuaram pelo menos cinco Promotores, ao sabor dos vaivens do
serviço público. A sociedade civil, por seu turno, permanece nesta terra, e
permanecerá.
Ao contrário do que possa
alguém imaginar, as entidades signatárias veem o Ministério Público um aliado
político e um defensor das causas públicas e coletivas. Todo esse esforço é
animado única e exclusivamente pela vontade de respaldar o MPE/PA para que
desenvolva sua função constitucional com maior coragem e galhardia, fazendo
valer sua independência, fortemente ancorado na realidade fática dos conflitos
socioambientais existentes em nossa região.
Além disso, lutamos por
nossos direitos com insistência por termos a convicção de que seremos nós,
mulheres, estudantes, agricultores familiares, quilombolas, comunidades
pastorais e cidadãos comuns, os principais prejudicados pelos danos advindos de
uma atuação ministerial inadequada nesse caso de extrema relevância e risco. A
questão da Cargill é urgente e de interesse público dos povos da Amazônia e não
somente desse órgão ministerial.
Não podemos mais esperar!
ASSOCIAÇÃO DAS MULHERES
DOMÉSTICAS DE SANTARÉM (AMDS) Judith Ribeiro Gama Secretária Geral
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA
Gilson Rêgo
COMISSÃO DIOCESANA DE
JUSTIÇA E PAZ – SANTARÉM Pe. Edilberto Sena
FEDERAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES
QUILOMBOLAS DE SANTARÉM (FOQS)
FRENTE EM DEFESA DA AMAZÔNIA
(FDA)
UNIÃO DOS ESTUDANTES DE
ENSINO SUPERIOR DE SANTARÉM (UES)
SINDICATO DOS TRABALHADORES
E TRABALHADORAS RURAIS DE SANTARÉM
BLOG LINGUA FERINA - Cândido Neto da Cunha
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