Por Instituto Humanitas Unisinos*
O primeiro ano do mandato de Dilma Rousseff inscreveu em sua biografia uma
marca: o pior desempenho desde a Era FHC na
execução da Reforma Agrária. Dados oficiais do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – Incra, revelam que a
presidenta em 2011 registrou a pior marca dos últimos dezessete anos no
assentamento de famílias sem terra. Os números de 2011 são vergonhosos. Apenas 21,9 mil
famílias de sem-terra foram assentadas no 1º ano do governo Dilma.
Comparando os números relativos ao
primeiro ano dos mandatos desde 2003, têm-se o seguinte quadro: FHC – 43 mil famílias em 1995; Lula – 36 mil famílias em 2003 e Dilma – 22 mil famílias em 2011. Os dados são do Incra em levantamento organizado por Paulo Kliass.
Caso sejam analisados os dados de
todo o período, percebe-se que o primeiro mandato de Lula foi mais efetivo em termos de reforma
agrária. A média de assentamentos de famílias por ano obedeceu ao seguinte
quadro: FHC 1(1995-1998) – 72 mil/ano; FHC 2 (1999-2002) – 63 mil/ano; Lula 1 (2003-2006) – 95mil/ano; Lula 2 (2007-2010) – 58 mil/ano.
Isso significa que, caso Dilma pretenda manter a média do primeiro mandato
de Lula, ela terá de assentar uma média de 120 mil
famílias nos próximos 2,5 anos que lhe restam. Mas a maioria dos analistas do
setor considera muito difícil atingir tal meta, uma vez que o próprio MDA trabalha com a hipótese de assentar apenas 35
mil famílias até o final desse ano de 2012. Destaque-se que segundo o Incra existem cerca de 180 mil famílias esperando
um lote.
Para agravar ainda mais o quadro, o orçamento para a execução da Reforma Agrária foi
reduzido. Para se ter uma ideia, até agosto de 2011 Dilma tinha gasto R$ 60,3 milhões para
desapropriar novas áreas e transformá-las em assentamentos de trabalhadores
rurais sem-terra. No auge do investimento em reforma agrária, em 2005, o
governo Lula gastou mais R$ de 800 milhões no mesmo
período. Para 2012, o quadro pouco mudou, o orçamento continuou em baixa.
O travamento da Reforma Agrária
deve-se ainda ao estilo Dilma. Segundo o
ex-presidente do Incra, Celso Lacerda, a presidente Dilma Rousseff rejeitou cerca de 90 processos de
desapropriação de áreas em 2011.
Segundo Lacerda “Dilma é uma administradora muito
minuciosa", para em seguida e com polidez afirmar: "Ela não deu
decreto não foi porque ela não dá importância à reforma agrária, é porque ela
quer de fato um processo qualificado”. Dentre as exigências de Dilma para as áreas, diz o ex-presidente do Incra, a presidente orientou que sejam "de
qualidade, bem localizadas, e que sirvam ao combate da pobreza rural”.
Incra travou. Disputas e burocratização
Parte da paralisia da Reforma Agrária
pode ser tributada ao Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA e ao seu braço executivo da Reforma Agrária, o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra. O Incra está
travado. Disputas internas, greves, cortes no orçamento e burocratização
tornaram o órgão inoperante. Desde o começo do governo Dilma, as coisas começaram mal. A nomeação do
superintendente se deu tardiamente, três meses após o início da gestão de Dilma Rousseff e num contexto de disputa, assim
como a nomeação dos superintendentes regionais.
Após sete meses de governo, muitos
diretores regionais não haviam ainda sido nomeados. João Paulo Rodrigues, membro da coordenação nacional do MST, mandou um recado à presidente em seu Twitter: "Dilma, estamos em junho e até agora os
diretores do Incra não foram nomeados, ou seja: a reforma está parada. Poderia
nos informar o que se passa?". Perguntava ele: "Tem algum cargo
importante no Banco Central que continua vago após seis meses da posse do novo
governo? Algum cargo-chave na Petrobrás? Na Itaipu?".
A nomeação do superintendente
nacional também não foi bem assimilada por setores do governo. O
escolhido foi Celso Lisboa de Lacerda que recebeu o apoio do MST. O cargo, entretanto, era reivindicado pelo
agrupamento Democracia Socialista (DS), corrente
interna do PT. A DS, desde a época do governo Lula, indica o ministro do Desenvolvimento Agrário e
esperava também indicar o presidente do Incra – órgão
que reúne um número maior de cargos comissionados.
Na oportunidade, a DS indicou Afonso Florence,
deputado federal pelo PT baiano para
o ministério que foi substituído posteriormente por outro nome indicado pela DS, o deputado federal Pepe
Vargas do PT gaúcho. A
substituição de ministro ao que tudo indica se deu pelo desgaste enfrentado por Florence em função dos resultados pífios da
Reforma Agrária no primeiro ano do mandato de Dilma.
Celso Lacerda nomeado à revelia da DS e contra a
vontade do antigo ministro, desde o início enfrentou dificuldades internas no Incra. Por um lado viu-se diante dos corporativismos e,
por outro, não conseguiu tornar o órgão mais ágil e “adaptado” às exigências de Dilma que cobrava por um Incra mais técnico. A ausência de resultados e as disputas internas derrubaram o superintendente [presidente] e para
o seu lugar foi nomeado Carlos Guedes de Guedes, alinhado à DS.
O MST não gostou
da mudança. "Essa mudança não tem explicação. Não ajuda, não fortalece o
Incra, não acelera o processo de reforma agrária. Pela primeira vez, o Incra
vai ter um presidente da DS. A substituição pegou todos de surpresa",
disse o deputado Valmir Assunção (PT/BA), ligado ao MST.
A Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura – Contag também
não gostou da mudança. O secretário de Política Agrária da entidade, Willian Clementino, disse que o governo não consultou
os movimentos sociais sobre a mudança e que a troca de nomes não deve acelerar
o processo de assentamento. "A política de reforma agrária está
praticamente parada. O governo não dá a importância que a área merece",
disse.
Por outro lado, a DS elogiou a escolha e aproveitou para dar uma
estocada no MST. Guilherme Cassel, do MDA,
que integra a DS e do mesmo grupo político
de Pepe Vargas e do novo nomeado para o Incra afirmou: "É um quadro raro, muito
inteligente e inventivo. O problema é que a reforma agrária se desconectou da
agenda do desenvolvimento pois avançou muito na última década. Os movimentos
sociais não conseguiram reciclar seu discurso, insistem em uma agenda de conflito.
Quando eu era ministro o presidente do Incra era de outro grupo e isso não
influiu em nada no trabalho", disse.
Envolto em disputas, pouco
prestigiado por Dilma, com redução de orçamento e
enfrentando greve interna, o Incra travou e junto
com ele a Reforma Agrária.
O “silêncio” do MST
No contexto da paralisia da Reforma
Agrária e dos resultados vergonhosos na quantidade de famílias assentadas até o
momento pelo governo Dilma, chama atenção
o “silêncio” do MST. Silêncio que ganha amplitude
quando se vê a generosidade do governo para com o “outro lado” - o agronegócio.
O MST tem
protestado, porém, a indignação não tem se manifestado em ações mais
contundentes. Em recente artigo, João Pedro Stédile afirma:
“entra governo, sai governo, e a luta pela reforma agrária continua sempre
igual. Durante os governos Lula e Dilma, os movimentos sociais achavam que a
reforma agrária, enquanto programa de governo poderia avançar. Mas infelizmente
seguiu a mesma lógica. Só anda, nas regiões e locais aonde houver maior pressão
social”.
No seu diagnóstico acerca da
inoperância da Reforma Agrária destaca entre outras razões a “pequenês” do
governo Dilma. Diz ele: “O Governo Dilma continua refém, de
suas alianças conservadoras. Continuam refém da falta de debate sobre projeto
para o país. Continua refém de desvios tecnocráticos, como se assentamento de
sem-terra fosse apenas problema de orçamento publico. Continua refém de sua
pequenês”.
O fato, entretanto, é que o MST de longe tem sido duro com o governo Dilma no que diz respeito a ações coletivas. O Abril Vermelho não realizou ações de grande
contundência em Brasília, apenas uma breve ocupação do Incra. Em outras épocas, principalmente nos
anos de governo FHC, o MST já estaria na “jugular” do governo. Entre a
indignação verbal e publica do Movimento e a
pressão real vê-se uma razoável distância.
Conjunturalmente os setores que mais
botam pressão no governo Dilma nesses
últimos tempos têm sido o dos servidores públicos. Registre-se que a reação do governo no caso tem sido considerada por
muitos como similar apenas à época da ditadura. Até a moderada CUT em nota protestou contra aquilo que chamou de “inflexão
governamental” no tratamento com os servidores.
Dilma não aposta na Reforma Agrária
A paralisia, entretanto, na Reforma
Agrária não deve ser tributada apenas ao Ministério de Desenvolvimento Agrário
(MDA), ao seu braço executivo, o Incra, e a falta de uma pressão maior do MST. Deve-se também e, sobretudo, a concepção de
Reforma Agrária de Dilma Rousseff.
O foco de Dilma é economia, emprego e desenvolvimento e o
campo nessa equação entra como uma base exportadora. Guilherme Costa Delgado, do Ipea diz que o governo fez a "opção
estratégica" pelo modelo de agronegócio, que envolve grandes propriedades
e monocultura: "O agronegócio seria um jeito de inserir a economia
brasileira na economia mundial, por meio da provisão de commodities, como a salvação das contas externas."
Nesse contexto, a presidente não acredita na Reforma Agrária como um mecanismo
efetivo de desenvolvimento nacional, o quanto muito vincula a Reforma Agrária
ao programa de erradicação da miséria.
O pouco apetite demonstrado pelo
governo com a Reforma Agrária contrasta com o entusiasmo e a generosidade do
Estado brasileiro para com o agronegócio. Dilma vê o
campo como uma plataforma exportadora. Análise da Comissão Pastoral da Terra – CPT mostra que o governo não mediu esforços para
atender os interesses do agronegócio. A CPT cita um
exemplo: Em maio de 2011, a presidenta Dilma assinou
de uma única vez, decreto de desapropriação de quase 14 mil hectares na Chapada do Apodí/RN, para implantação do Projeto de
irrigação que beneficiará meia dúzia de empresas do agronegócio. Ao mesmo
tempo, também no RN, foram desapropriados cerca de 8 mil hectares na região de Assú, para a Zona de Processamento de
Exportação (ZPEs). Enquanto isso
no Estado há cerca de 4 mil famílias acampadas.
A CPT lembra
ainda que a dureza do governo não é apenas com os sem-terra, mas estende-se aos
povos indígenas e quilombolas. Como destacado anteriormente nessa análise, o
governo não se sensibiliza com a situação dos povos indígenas de Mato Grosso do
Sul, em especial os Kaiowá e Guarani, que vivem em conflito com fazendeiros e
usineiros da região. Nenhuma ação contundente foi feita para homologação das
terras no estado até agora. No caso das populações quilombolas, diz a CPT, fora a desapropriação do território da comunidade
de Brejo dos Crioulos, em Minas Gerais, poucos foram os
resultados conseguidos frente às reivindicações das 3,5 mil comunidades
quilombolas existentes no Brasil. De todas, apenas 6% tem a titulação de suas
terras.
Em contrapartida à política de
migalhas aos sem-terra, indígenas e quilombolas, o agronegócio é constantemente
agraciado com generosos subsídios como se vê, entre outros, no financiamento
para produção de etanol. Por outro lado, o mesmo agronegócio comanda o desmonte
do Código Florestal para atender aos seus interesses agroexportadores.
A CPT destaca
ainda o andamento dos grandes projetos – obras impactantes como a Transposição do Rio São
Francisco, Transnordestina,
projetos de mineração, construções de BR's, obras da Copa, Porto de Suape, a
construção da Hidrelétrica de Belo Monte e
das usinas no Rio Madeira, barragens, além de
outros mega-projetos – que avançam sobre áreas de biodiversidade, agrícolas,
ribeirinhas e, além de atingirem em grande parte as comunidades tradicionais,
promovem conflitos e violência.
*Trecho da Análise de Conjuntura
Semanal a partir de uma (re)leitura
das Notícias
do Dia publicadas diariamente no sítio
do IHU. A análise é elaborada, em fina
sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do
Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro
estratégico do IHU, com sede em
Curitiba-PR, e por Cesar
Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande
do Norte - UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias
do Dia.