Mais de 300 índios acampados
no sítio Pimental, no Rio Xingu, desde 21/6, prometem só sair depois que sejam
cumpridas as condicionantes. A Funai informou nesta quinta (5/7) que recomendou
o início da execução do Plano Ambiental (PAB) indígena e que continuará a
reapresentá-lo nas aldeias da região. Os manifestantes têm nova reunião marcada
com a Norte Energia na próxima segunda-feira, 9 de julho.
Há mais de duas semanas um
dos canteiros de obra de Belo Monte vive uma rotina diferente. Pinturas
corporais, cocares e bordunas tomaram o lugar das máquinas e dos macacões dos
funcionários do Consórcio Construtor de Belo Monte (CCBM) no sítio Pimental, a
50 km do local da construção da hidrelétrica. A ação, independentemente de qualquer
vinculação com movimentos sociais da região, marca uma das maiores mobilizações
contra a barragem e já conta com 350 indígenas, de 21 aldeias e nove diferentes
etnias.
Em coletiva realizada nesta
quinta-feira, 5 de julho, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o
líder indígena, Sandro Bebere Xikrin, o Mukuka, afirmou que o sítio Pimental
está paralisado e que hoje mais uma balsa foi apreendida pelo grupo. Contraria
assim a informação da Norte Energia, empresa que está construindo Belo Monte,
de que depois da reunião realizada em 2 de julho, os índios concordaram que os
funcionários do canteiro voltassem ao trabalho.
Mukuka ladeado pela antropóloga Clarice Cohn e pelo antropólogo João Pacheco, na PUC-SP |
Mukuka, que é uma das
lideranças à frente do grupo, leu uma carta intitulada Direitos e Compromissos
em que os povos indígenas que estão sendo afetados pela construção da usina
relacionam o que foi prometido e não foi cumprido.“Viemos mostrar que o
processo de licenciamento de Belo Monte tem atropelado o cumprimento das
condicionantes”, disse. A falta de cumprimento das condicionantes indígenas previstas
para a liberação da obra foi o motivo da ocupação da ensecadeira – espécie de
barragem provisória –, no Pimental.
Demarcação de terra,
retirada de não índios dos territórios, navegabilidade do rio, adequação do atendimento
à saúde e melhorias na educação são algumas das reivindicações que até agora
não foram atendidas pela empresa e pelo poder público.
Mukuka deixou bem claro
que só sairão do Pimental quando as condicionantes forem cumpridas.
Quase nada saiu do papel
São 38 as condicionantes
indígenas apresentadas há quase três anos pela Funai para a concessão da
Licença Prévia, mas quase nada saiu do papel e o pouco que saiu não foi
totalmente cumprido. Sobre isso, Mukuka informou que a parte indígena do Plano
Básico Ambiental (PBA) ainda aguarda aprovação dos índios e da própria Funai.
Em nota divulgada na tarde
desta quinta-feira (5), a Funai informa que diante da situação emergencial em
que se encontram as populações indígenas impactadas pelo início das obras de Belo
Monte, o órgão encaminhou na última segunda (2) ao Ibama um ofício e um parecer
técnico “dando anuência e recomendando o início da execução do PBA indígena”.
Apesar disso, o órgão ressalta que continuará fazendo as reapresentações dos
planos nas aldeias, conforme vem fazendo desde fevereiro deste ano. (Leia
a nota da Funai).
Desde o final do ano passado, os
índios vêm criticando duramente os trâmites do PBA, alegando que o que foi
acordado – como a apresentação nas aldeias dos estudos de impacto antes de sua
finalização e aprovação –, não ocorreu. Em nota, o diretor-presidente da Norte
Energia S.A, Carlos Nascimento, alegou que ainda esperava uma resposta da Funai
sobre o PBA indígena. O prazo era 2 de julho, mas só hoje, três dias depois, o
órgão indigenista divulgou suas ações em relação ao plano. Enquanto nada
acontece, as aldeias afetadas pelo empreendimento devem receber uma verba de R$
30 mil mensais, prevista num plano emergencial para mitigação dos impactos de
Belo Monte (Veja a última lista de pedidos ). Isso só acontece pela forma com
que o licenciamento ambiental vem sendo atropelado, gerando distorções que
dificilmente poderão ser revertidas, como no caso desse recurso.
Indígenas no oitavo dia de ocupação do sítio Pimental |
A Funai
local tem prestado assistência aos índios que estão acampados. Mas os
funcionários só conseguem chegar lá de barco, porque a Norte Energia está
barrando a entrada das pessoas por terra, em sua guarita.
Índios ilhados
A bola da
vez é a autorização para barrar definitivamente o Rio Xingu com a construção da
última ensecadeira. Para tanto, a empresa precisa da autorização do Ibama, que
por sua vez, depende de um parecer favorável da Funai, indicando se a empresa
cumpriu ou não com a obrigação da garantir um sistema de transposição de
embarcações que permita aos índios e ribeirinhos da Volta Grande do Xingu
continuarem chegando em Altamira (PA) por via fluvial. O mecanismo de
transposição de embarcações já deve funcionar durante a fase de construção da
usina para garantir o direito de ir e vir de indígenas e ribeirinhos que moram
na região e dependem do rio para sobreviver e se locomover.
Ibama,
Funai e Agência Nacional de Águas (ANA) deixaram claro nas suas condicionantes
que as comunidades indígenas e ribeirinhas que moram na Volta Grande do Xingu e
os índios Xikrin do Bacajá devem ter garantia plena do acesso fluvial à cidade
de Altamira apesar da barragem.
De acordo
com o texto da Licença de Instalação, a Norte Energia não pode “interromper o
fluxo de embarcações até que o sistema provisório de transposição de
embarcações esteja em pleno funcionamento. Tal restrição aplica-se inclusive
para as obras de engenharia previstas para o sítio Pimental”.
“O uso do rio como meio de transporte das comunidades ribeirinhas e comunidades indígenas que residem nas margens do rio é o principal impacto que deve ser considerado quando se propõe vazões menores do que as atuais no TVR [Trecho de Vazão Reduzida]”, ressalta trecho da nota técnica da ANA sobre a disponibilidade hídrica para o empreendimento.
“O uso do rio como meio de transporte das comunidades ribeirinhas e comunidades indígenas que residem nas margens do rio é o principal impacto que deve ser considerado quando se propõe vazões menores do que as atuais no TVR [Trecho de Vazão Reduzida]”, ressalta trecho da nota técnica da ANA sobre a disponibilidade hídrica para o empreendimento.
O texto da
ANA reforça ainda que é em Altamira que a população busca apoio para se tratar
em casos mais sérios de doença, além de ser o polo comercial para essas
populações. “A diminuição das vazões provocará uma alteração dos percursos de
navegação, sendo necessárias escolhas de locais mais profundos e a existência
de um mecanismo de transposição de barcos para se chegar à Altamira”, descreve
o texto
Apesar do
que está no papel, esta ainda é uma questão em aberto. A Norte Energia promete
uma espécie de elevador para deslocar as embarcações de um lado para outro, mas
não existe registro sobre a viabilidade da alternativa. E um mecanismo
provisório ainda não foi apresentado pela Norte Energia para que a Funai leve a
proposta às aldeias impactadas, que deverão aprovar, ou não, a implantação da
solução encontrada pela empresa.
Os Xikrin
do Bacajá, por exemplo, teriam o escoamento de sua produção de castanha
totalmente afetado, caso a próxima ensecadeira seja liberada sem que uma
alternativa eficaz de transporte esteja em pleno funcionamento.
Em caso de
urgências médicas, também não haverá garantia de transporte até a cidade. Se o
rio estará seco e barrado, a alternativa seria o deslocamento aéreo ou
terrestre. A Norte Energia, por sua vez, não prevê pistas de pouso ou orçamento
para fretes de voos para atendimentos emergenciais, nem a construção de estradas
– que abriria um novo capítulo nesta discussão, pois esta opção, além de
aumentar o desmatamento na região, aumentaria a pressão nas terras indígenas, a
vulnerabilidade desses grupos e ainda prejudicaria os processos de
regularização dessas áreas, que há tantos anos é aguardada por esses indígenas.
“É no
mínimo irresponsável por parte da empresa solicitar a construção da última
ensecadeira para barrar o rio sem ter aprovado um mecanismo de transposição de
embarcações consistente, ou em sua ausência, uma proposta concreta de como
funcionaria um plano viário para garantir o acesso à Altamira, antes que ele
seja feito por madeireiros, por exemplo”, alerta a advogada do ISA Biviany
Rojas. Para ela, a responsabilidade de evitar esta situação é principalmente do
poder público.
Enquanto
os descasos continuam, os índios lançam mão de suas armas e continuam as
negociações com os empreendedores. No próximo encontro com a Norte Energia,
marcado para o dia 9, em Altamira, espera-se que a Funai não brilhe por sua
ausência e que o Ministério Público Federal acompanhe as negociações. Agora é
esperar para ver quais serão as novas promessas e se elas desta vez serão
cumpridas.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental