João Pimentel (de óculos), diretor de relações institucionais da Norte Energia em conversa com seus "comandados" no interior do canteiro ocupado pelos indígenas em Belo Monte. |
A oposição e integrantes de
movimentos sociais começaram a articular uma reação à decisão do governo
federal de liberar o envio da Força Nacional aos Estados sem necessariamente
haver a concordância dos governadores. O Ministério da Justiça afirma que o pacto
federativo não será ferido pela iniciativa, a qual em segmentos do meio
jurídico e de movimentos sociais já começa a ser classificada como a criação da
"guarda pretoriana" da presidente Dilma Rousseff ou de uma
"intervenção disfarçada" para assegurar a execução de grandes obras
de infraestrutura.
A medida consta de um decreto presidencial editado em março, que tem como objeto direto a gestão integrada das forças de segurança para a proteção do meio ambiente. No meio de um dos seus 13 artigos, porém, um pequeno trecho liberou o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em qualquer parte do território nacional a pedido de um ministro de Estado. Antes, de acordo com um decreto publicado em 2004, o envio das tropas só poderia ocorrer com a solicitação expressa do respectivo governador do Estado afetado ou do Distrito Federal.
Representantes dos movimentos sociais ligados aos direitos humanos e aos povos indígenas começaram a criticar a medida, que inicialmente passou despercebida. Como resultado, o Senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) apresentou um projeto de decreto legislativo que visa sustar o decreto da presidente Dilma Rousseff de número 7.957/2013. A proposta aguarda um relator na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, e o parlamentar quer vê-la tramitando também na Comissão de Direitos Humanos. Para ele, esse último colegiado deve ser mais sensível ao tema. O mesmo foi feito pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP) na Câmara.
"A chave para compreender a mudança é que, até o mês passado, era preciso "solicitação expressa do respectivo governador de Estado ou do Distrito Federal" para motivar o envio da Força Nacional de Segurança Pública a qualquer parte do país, por tratar-se essencialmente de um programa de cooperação federativa entre Estados e União", destacou o Senador do PSOL na justificativa do projeto de decreto legislativo, lembrando que a Constituição só abre exceções para a União quando há intervenção num Estado ou decreto de estado de defesa nacional. "Esta alteração é uma afronta à Constituição, pois permite ao governo federal enviar a Força Nacional de Segurança Pública para qualquer parte do território nacional sem a aquiescência do ente federado responsável pelo policiamento ostensivo e manutenção da ordem pública."
O governo nega qualquer irregularidade. Segundo a secretária nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Regina Miki, a medida só será colocada em prática quando for necessário proteger um bem, servidores ou uma área da União, como o meio ambiente ou defensores da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
"O decreto prevê, dentro da alçada de cada ministro, que a gente possa enviar [a Força Nacional]", explicou Regina Miki. "Não mexe com o convênio Força-Estado, não fere a competência dos Estados."
A secretaria assegurou que o Ministério da Justiça ainda não recebeu reclamações ou queixas dos governos estaduais. "É sempre muito pactuado. A gente nunca teve problemas com isso", disse ela, referindo-se ao envio das tropas aos Estados. "A gente preserva e tem o pacto federativo em mente."
Em relação à atuação da Força Nacional no setor de infraestrutura, a secretária ponderou que as tropas não atuam para proteger as obras em si ou trabalham diretamente para os empreendedores, mas têm a missão de garantir a segurança de índios ou pesquisadores que estiverem nessas regiões. "É para atuar dentro da competência da esfera federal", argumentou.
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, já se aproveitou da nova regra e pediu o envio da Força Nacional para assegurar o trabalho de técnicos que realizam estudos para a execução de obras no rio Tapajós. Como grupos indígenas resistem a esses projetos, o Senador Randolfe Rodrigues acredita que tal fato demonstra que a real intenção do Executivo é "impedir as manifestações dos povos da floresta contra a construção de hidrelétricas em suas regiões" e de "trabalhadores vítimas de superexploração por parte dos consórcios construtores das obras".
Segundo a secretária de Segurança Pública do Ministério da Justiça, porém, outros ministros podem fazer o mesmo. Ela citou como exemplo a possibilidade de o governo assegurar o bom andamento da aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a qual já enfrentou problemas em anos anteriores. "O ministro [Aloizio] Mercadante poderia ter pedido o envio da Força Nacional", exemplificou.
Para o advogado João Rafael Diniz, que é ligado ao grupo Tortura Nunca Mais, a medida até agora não provocou uma crise entre o governo federal e os Estados porque a Força Nacional só tem atuado nos termos do decreto para garantir a realização de grandes projetos de infraestrutura. A execução das obras também é de interesse dos governos estaduais, argumentou o advogado. "É um equilíbrio muito tênue e arriscado, porque você acaba relativizando o pacto federativo no que se refere à segurança pública", disse Diniz, para quem na prática foi criado um estado de exceção permanente no país.
Fonte: Valor (fotografia não incluída na matéria original)
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