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terça-feira, 15 de março de 2016

MPF quer anulação da declaração de disponibilidade hídrica da usina São Luiz do Tapajós

Agência Nacional de Águas é ré no processo por ter concedido ilegalmente a declaração, documento necessário ao leilão da usina.

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública na Justiça Federal de Itaituba pedindo a anulação da Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH), concedida pela Agência Nacional de Águas (ANA) à usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. O documento é necessário para o leilão da usina, mas de acordo com as leis brasileiras, só pode ser concedido se existir um Comitê de Bacia Hidrográfica e o Plano de Recursos Hídricos aprovados. O MPF também pede que a DRDH só seja emitida após o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) conceder licença prévia ao projeto.

A DRDH tem como objetivo reservar a quantidade de água necessária à operação do empreendimento e é emitida durante o processo de licenciamento ambiental de cada empreendimento. No caso de uma usina hidrelétrica o pedido é feito pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ou pela Empresa Brasileira de Pesquisa Energética (EPE). A base para essa concessão deve ser, obrigatoriamente, o Plano de Recurso Hídrico, aprovado pelo Comitê de Bacia. Não existe nenhum comitê de bacia funcionando em nenhum dos afluentes da margem direita do Amazonas e nenhum plano de recurso aprovado no Tapajós.

“Trata-se de uma situação tão grave que a própria Aneel, no seu Atlas de Energia Elétrica do Brasil, assentou que não se pode determinar a localização e o porte de uma barragem de hidrelétrica sem anuência do comitê de bacia”, afirma a ação do MPF, assinada pelo procurador da República Camões Boaventura.

Além de deixar de exigir o cumprimento do Código de Águas, a ANA, que deveria justamente zelar pelos recursos hídricos brasileiros, também concedeu a DRDH à usina antes mesmo que o Ibama atestasse a viabilidade socioambiental de São Luiz do Tapajós. Pelo contrário, após receber os estudos de impacto ambiental, o Ibama detectou diversas incongruências e omissões, emitindo um total de cinco pareceres técnicos que ordenam novos estudos. Os pareceres do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), além de apontar falhas nos estudos identificaram inconstitucionalidade material no projeto da usina, por inundar terras indígenas e sítios arqueológicos sagrados.

Essa é a 24ª ação judicial que o MPF move tratando das usinas hidrelétricas na bacia formada pelos rios Tapajós, Teles Pires, Juruena e Jamanxim. No total, o governo planejou 43 grandes barragens para essa bacia.

Processo nº 0000356-81.2016.4.01.3908 Íntegra da ação

Fonte: Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação

Leia ainda:

Brasil e Bolívia firmam agenda de trabalho no setor energético (Ministério de Minas e Energia, 02 de fevereiro de 2016)

MPF/RO denuncia Santo Antônio Energia por morte de peixes (MPF via Amigos da Terra, 03 de março de 2016)

MPF pede paralisação de Belo Monte por risco de colapso sanitário


6 anos depois do início das obras, Altamira permanece sem saneamento básico e o enchimento do reservatório pode causar contaminação das águas e uma crise na saúde pública
Sem saneamento, Altamira pode sofrer colapso sanitário com Belo Monte. Foto: Helena Palmquist/Ascom/MPF/PA
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública pedindo paralisação emergencial do barramento do rio Xingu por agravar a poluição do rio e lençol freático da cidade de Altamira com esgoto doméstico, hospitalar e comercial, já que a condicionante de implantação de saneamento básico, que evitaria esse impacto, até hoje não foi cumprida. Nas licenças ambientais, assim como nas propagandas da Norte Energia S.A e do governo federal, a promessa era de que a cidade teria 100% de saneamento antes da usina ficar pronta. Até hoje, Altamira continua sem sistemas de esgoto e água potável.
A condicionante do saneamento básico, considerada uma das mais importantes de Belo Monte, estava prevista desde a Licença Prévia do empreendimento, concedida em 2010. Pelos prazos do licenciamento, a usina deveria ter entregado sistemas de fornecimento de água potável e esgotamento sanitário no dia 25 de julho de 2014. Ainda não entregou. Mesmo sabendo disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) liberou a operação da usina e o barramento do rio Xingu no final do ano passado. Na Licença de Operação, emitida em novembro de 2015, o Ibama deu prazo até setembro de 2016 para que o saneamento de Altamira esteja concluído.
Para o MPF, o novo prazo do Ibama é fictício. “Para concluir as obras do saneamento, a Norte Energia deverá implementar o fornecimento de água encanada e rede de esgotamento sanitário em mais de 24.250 domicílios altamirenses, até setembro de 2016, fazendo no curto prazo de 6 meses o que não fez, em 1 domicílio, no prazo de 6 anos”, diz a ação judicial assinada pelo procurador da República Higor Rezende Pessoa.
Segundo o Ministério Público Federal, a recusa da Norte Energia em realizar parte essencial das obras do saneamento básico (ligações dos domicílios aos sistemas de água e esgoto) é ilegal. Para o MPF, “a NESA tem o dever de, segundo o PBA (Plano Básico Ambiental) fornecer água potável com maior garantia de qualidade e quantidade para todos os moradores da sede municipal”, não havendo dúvidas de que “é obrigação do empreendedor eliminar os sistemas atuais de disposição final de esgoto na cidade de Altamira, por intermédio da implantação de rede de esgotamento sanitário e estação de tratamento de esgoto, rede esta que deve ser construída por completo, o que, obviamente, envolve as ligações intradomiciliares”.
A situação em Altamira sem as ligações dos domicílios aos sistemas de água encanada e esgoto é, portanto, a mesma de 104 anos atrás, quando a cidade foi fundada. Esgoto - doméstico, comercial e hospitalar - despejado nas ruas, no solo, no rio Xingu e nos igarapés que cortam a área urbana. Consumo humano de água do lençol freático contaminada pelo esgoto lançado no solo. A ação do MPF mostra que até mesmo em frente ao escritório do Ibama na cidade corre esgoto a céu aberto.
O risco de prosseguir com o barramento do rio Xingu nessas condições é de contaminação das águas subterrâneas pela parte sólida do esgoto acumulado por décadas nas fossas rudimentares, já que o lençol freático vai subir e as fossas serão “afogadas”, causando doenças sérias que podem levar a morte, já que é do lençol freático de Altamira que a maior parte da população retira a provisão de água para consumo.
Desde o início das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, tanto o governo quanto a empresa responsável sabiam do riscos apontados na ação civil pública ajuizada pelo MPF. Parecer do Ibama de 2009 e estudo do Painel de Especialistas de 2010, em que 40 cientistas analisaram os impactos de Belo Monte, já apontavam a necessidade de estudos mais detalhados sobre os poços artesianos na cidade de Altamira e o possível impacto do barramento do rio Xingu sobre o lençol freático, já fortemente contaminado por esgoto doméstico.
Para o MPF, “a resolução do problema está na identificação, limpeza e desativação de todas as fossas rudimentares e outros meios inadequados de disposição e destino final de esgoto, combinado com a efetiva ligação das residências altamirenses à rede coletora de esgotamento sanitário. Conjuntamente, deve haver a conclusão do sistema de abastecimento de água potável da cidade de Altamira, fornecendo a população água tratada com a respectiva limpeza e desativação dos poços artesanais, que funcionam sem nenhum controle sanitário e de outorga da União.”
Multa à Norte Energia 
Durante as investigações sobre a situação do saneamento básico em Altamira, o MPF constatou que a Norte Energia, após construir o reassentamento urbano coletivo Jatobá, lançava esgoto diretamente em um dos igarapés da cidade. O Ibama sabe do problema e multou a empresa em R$ 2,5 milhões por lançar resíduos em desacordo com a legislação ambiental.

Argumento de terror 
O MPF pede na ação que a Justiça não aceite como argumento válido a ameaça de “apagão”, levantada pelo governo federal em todos os processos que tratam das condicionantes de Belo Monte, até porque as linhas de transmissão de Belo Monte apenas estarão concluídas em abril de 2017, conforme detectado pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Segundo o MPF, o uso desse argumento pelo governo, que deveria cobrar o cumprimento das condicionantes por ele mesmo impostas, “faz nascer no empreendedor uma segurança quase inabalável quanto à continuidade da obra, mesmo diante do descumprimento reiterado do PBA [Plano Básico Ambiental] e constatação de irregularidades gravíssimas, que põem em risco a vida e a saúde das pessoas”.
A ação civil pública lembra ainda que a Organização das Nações Unidas “reconhece o direito à água potável e limpa e ao saneamento como um direito humano que é essencial para o pleno gozo da vida e de todos os direitos humanos” e que a situação da cidade paraense gera grave violação a esse direito, além de desrespeitar o direito ao meio ambiente, à saúde e educação das pessoas.Altamira pode engrossar uma triste estimativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), de que 1,5 milhão de crianças entre zero e cinco anos morrem todos os anos em decorrência da diarreia, uma doença evitável com saneamento básico e acesso a água potável.
 Paralisação do barramento do Rio Xingu 
O MPF faz 15 pedidos liminares (urgentes) à Justiça. Quer a suspensão da licença de operação e a paralisação imediata do barramento do rio Xingu, além de suspensão dos incentivos e benefícios fiscais da Norte Energia por descumprimento das condicionantes referentes ao saneamento básico até que sejam cumpridas as obrigações de limpar e desativar as fossas rudimentares existentes, limpar e desativar os poços de água, fornecer água potável encanada e fazer funcionar o sistema de esgotamento sanitário em todo o perímetro urbano de Altamira.
O MPF quer também a integral recuperação ambiental do lençol freático, igarapés e rios contaminados por esgoto e completa análise de poços tubulares e cisternas existentes hoje em Altamira, assim como a publicação do plano de saneamento da cidade pela prefeitura.
A ação pede ainda a implementação de Campanha de Educação Ambiental no Município e que a Norte Energia faça um “Pedido Formal de Desculpas” aos cidadãos altamirenses, por todos os transtornos causados pelo não cumprimento, até o momento, da condicionante do saneamento básico. São réus na ação, além do Ibama e da Norte Energia, a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), o município de Altamira e a União.
Essa é a 25ª ação judicial do MPF apontando irregularidades em Belo Monte.

Processo nº 269-43.2016.4.01.3903:  Íntegra da ação

Fonte: Ministério Público Federal no Pará- Assessoria de Comunicação

Leia mais notícias sobre Belo Monte:
Belo Monte é multada em R$ 8 milhões por morte de peixes (O Estado de São Paulo, 20 de fevereiro de 2016)


Grandes obras como Belo Monte incentivam e fomentam o mercado do sexo no Brasil. (Entrevista especial com Assis Oliveira para o IUH, 03 de março de 2016)

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Agência de Águas muda resolução para beneficiar enchimento do lago de Belo Monte

Fotografia: Sabrina Nascimento

Agência permitiu que a Norte Energia, dona da hidrelétrica de Belo Monte, faça o enchimento do lago da usina em qualquer dia ou mês do ano, derrubando a exigência de sua resolução original

A Agência Nacional de Águas (ANA), órgão federal responsável pela gestão de recursos hídricos, alterou uma resolução referente à vazão de águas do Rio Xingu, mudança que beneficiou diretamente a concessionária Norte Energia, dona da hidrelétrica de Belo Monte.

Ao fazer a mudança na resolução publicada pela própria agência, a ANA permitiu que a Norte Energia faça o enchimento do lago da usina em qualquer dia ou mês do ano, derrubando a exigência de sua resolução original, que permitia que essa operação ocorresse somente entre os meses de janeiro a junho. Essa alteração foi feita quando já se sabia que as obras estavam atrasadas e que o início das operações de Belo Monte não ocorreria conforme inicialmente garantido pela empresa. Interessava à Norte Energia, portanto, flexibilizar essa regra.

No dia 28 de fevereiro de 2011, a ANA publicou a resolução número 48. Assinada pelo presidente da agência Vicente Andreu, essa resolução tratava especificamente de Belo Monte e estabelecia que “o início do enchimento do reservatório deverá ocorrer entre os meses de janeiro e junho”. A regra estabelecia ainda que, neste período, a empresa teria que respeitar as vazões mínimas de água do Rio Xingu, ou seja, manter um volume mínimo para que a população não ficasse sem água.

No dia 19 de dezembro de 2014, porém, o prazo foi vetado. Uma nova resolução, de número 2046, dessa vez assinada pelo diretor da agência Paulo Lopes Varella Neto, estabeleceu apenas que a empresa teria de respeitar as vazões mínimas do Rio Xingu, mas que poderia encher o lago em qualquer data do ano, desde que garantisse a “preservação dos usos múltiplos dos recursos hídricos, inclusive a manutenção de condições adequadas ao transporte aquaviário”. Essa mudança na regra só foi publicada no Diário Oficial da União na véspera do Natal do ano passado, em edição do dia 23 de dezembro.

Hoje, no auge da seca e da baixa vazão do Xingu, a Norte Energia espera a licença de operação do Ibama o mais rápido possível para começar a encher seu reservatório. Segundo a empresa, todas as condicionantes socioambientais do empreendimento foram cumpridas e agora só falta a licença do órgão para que o bloqueio do rio seja feito. Internamente, a empresa esperava que essa licença saísse no dia 15 de setembro, apesar de o Ibama não ter obrigação de fixar data para emitir sua licença.

Os dados históricos de vazão do Xingu coletados pela ANA apontam que o rio está com um dos menores índices de vazão do ano, com cerca de 1.100 metros cúbicos de água por segundo. Para se ter uma ideia, no período chuvoso, entre março e abril, esse volume sobe para a média de 20 mil m3 por segundo, chegando até picos de 25 mil m3/s.

A Norte Energia tem todo o interesse em iniciar o enchimento de seu lago imediatamente, já que a usina está atrasada. Por contrato, Belo Monte deveria ter começado a entregar energia em fevereiro deste ano. Uma série de eventos, no entanto, retardaram as obras da hidrelétrica. A empresa alegou que não tinha culpa pelo atrasos e solicitou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a prorrogação de até 455 dias em seu cronograma. A Aneel rejeitou integralmente os argumentos da empresa e negou o pleito. Em maio deste ano, a Norte Energia conseguiu uma liminar na Justiça que a isenta da responsabilidade pelo adiamento.

Apesar de solicitar formalmente a prorrogação do prazo para começar a entregar energia apenas em fevereiro do ano que vem, a Norte Energia trabalha com a expectativa de iniciar sua geração ainda em novembro deste ano. Para isso, precisaria da autorização do Ibama para barrar o rio imediatamente.

Procurada pela reportagem, a concessionária não se manifestou sobre o assunto. A ANA também não se pronunciou sobre o caso.

Fonte: O Estado de São Paulo (fotografia não faz parte da matéria original)

Leia também:
Belo Monte na Idade da Pedra Opinião Ricardo Abromoway (Folha)

Belo Monte espera por licença para encher represa (O Estado de São Paulo,15 de setembro)

Aneel vai a Justiça contra decisão favorável à Jirau (O Estado de São Paulo,15 de setembro)

Defensoria entra com ação de R$ 3,5 bi contra Belo Monte (O Estado de São Paulo via Amazonia.org,18 de setembro)

terça-feira, 16 de junho de 2015

Sentença confirma: usina no Tapajós só pode ser licenciada após consulta aos povos afetados

A consulta já foi considerada obrigatória em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sentença exarada ontem (15) confirma consulta nos moldes da Convenção 169

A Justiça Federal de Itaituba confirmou em sentença que o governo federal está proibido de licenciar a usina São Luiz do Tapajós sem antes realizar a consulta prévia, livre e informada conforme prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que tem força de lei no Brasil. A sentença, do juiz Ilan Presser, confirma decisões anteriores no mesmo processo, inclusive uma suspensão de segurança do Superior Tribunal de Justiça. Todas determinam que a consulta seja realizada, tanto com povos indígenas quanto com ribeirinhos, antes da emissão de qualquer licença ao empreendimento.

“Não se pode ignorar a assertiva de que a vontade da Convenção 169 da OIT, e do artigo 231 da Constituição é de, a partir do exercício do direito de consulta, seja permitida a preservação e fomento do multiculturalismo; e não a produção de um assimilacionismo e integracionismo, de matriz colonialista, impostos pela vontade da cultura dominante em detrimento dos modos de criar, fazer e viver dos povos indígenas, que corre o grave risco de culminar em um etnocídio”, diz a sentença judicial.

Para a Justiça, já está havendo violação do direito de consulta por parte do estado brasileiro. “Em todo o procedimento de licenciamento ainda não foi observado materialmente o direito de consulta prévia. Ou seja, da leitura dos autos verifica-se que os réus estão suprimindo direitos de minorias, materializados na consulta. Ou, na melhor das hipóteses, estão invertendo, indevidamente, as fases do licenciamento.”

A decisão cita jurisprudência nacional e internacional sobre o direito à consulta e alerta para o risco do Brasil ser condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, como já ocorreu com Suriname, Paraguai e Equador, por permitirem a instalação de empreendimentos para extração de recursos em terras de populações tradicionais sem a devida consulta prévia.

Durante o processo judicial foram feitas manifestações pelos réus – Eletrobrás, Eletronorte, Aneel e Ibama – que indicam, de acordo com a sentença judicial, falta de conhecimento sobre as comunidades indígenas e tradicionais que habitam a região e serão afetadas pelos empreendimentos. Em suas manifestações, os entes do governo brasileiro tentam sustentar a tese de que não há impacto sobre populações indígenas e tradicionais porque não há terras indígenas demarcadas na área de impacto direto do empreendimento.

“Não se verifica adequada e razoável a alegação de que não existe influência do empreendimento em áreas demarcadas, até porque, como visto acima, existe indicativo de que as terras indígenas Andirá-Marau, Praia do Mangue, Praia do Índio e Pimental, KM 43 e São Luiz do Tapajós serão afetadas, algumas das quais já demarcadas, como a Praia do Índio e Praia do Mangue”, refuta o juiz federal na sentença.

A sentença menciona a situação da terra indígena Sawré Muybu, dos índios Munduruku, que teria parte significativa de seu território alagada pela usina e é objeto de outro processo judicial, em que o governo tenta protelar a demarcação – já em fase avançada – com o objetivo não declarado de facilitar o licenciamento da usina. Os argumentos do governo nos dois processos são complementares e auto-explicativos. No processo sobre a terra indígena, a Fundação Nacional do Índio alega que não há prioridade na demarcação. No processo sobre a usina que vai afetar a terra indígena, é a vez da Eletrobrás e da Aneel alegarem que sem demarcação, não cabe consulta prévia.

“Não resta outra conclusão possível senão a de que é irresponsável e inconstitucional se fazer vistas grossas a um possível e grave fato consumado de destruição sociocultural. Assim como em Vidas Secas, de Graciliano Ramos, a cachorra Baleia sonhava, de forma inatingível, com seus preás, não se pode permitir que os povos indígenas, futuramente, ao recordar de seu passado, sonhem com um presente que já lhes seja impossível desfrutar. Não se podem relegar aos livros de História os elementos socioculturais de grupos só porque possuem modos de criar, fazer e viver diversos da cultura prevalente”, conclui a sentença.

Avaliações ambientais
O Ministério Público Federal, autor da ação sobre a consulta dos povos afetados pela usina São Luiz do Tapajós, também solicitou à Justiça que obrigasse estudos mais amplos sobre os impactos, levando-se em consideração que, apesar do licenciamento ser feito para cada empreendimento, o projeto do governo é para pelo menos cinco barragens no rio Tapajós e os impactos conjuntos ou sinérgicos sobre a bacia hidrográfica deveriam ser melhor avaliados.

Para isso, o MPF pediu a obrigação de fazer dois estudos – Avaliação Ambiental Integrada e Avaliação Ambiental Estratégica, ambos previstos na legislação ambiental brasileira. A sentença obriga o país a realizar um deles e não reconhece a necessidade do segundo. No processo, o governo tentou se esquivar da necessidade das avaliações apresentando o conceito de usina-plataforma, que supostamente seria aplicado no Tapajós.

Na sentença, o juiz considera que falta comprovação suficiente da eficácia desse modelo e que a Avaliação Ambiental Integrada é tanto mais necessária pelo fato das usinas do Tapajós afetarem um mosaico de áreas especialmente protegidas onde se localizam terras indígenas, de comunidades tradicionais e unidades de conservação, seja de uso integral, seja de uso sustentável.

Processo nº 0003883-98.2012.4.01.3902 – Vara Única de Itaituba



Fonte:  Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação

domingo, 14 de junho de 2015

As hidrelétricas são viáveis?


Durante vários anos a Eletronorte, criada em 1973, operou com prejuízo. Seu patrimônio líquido chegou a ser o mais negativo do Brasil. Ela era dona da quarta maior hidrelétrica do mundo, a de Tucuruí, no rio Tocantins, no Pará. Mas seus dois maiores clientes, que eram também os maiores consumidores de energia do país – e as duas maiores fábricas de alumínio brasileiras (embora de composição multinacional), a Albrás, em Belém, e a Alumar, em São Luís do Maranhão – tinham subsídio tarifário concedido pelo governo federal. Recebiam a energia abaixo do custo de produção.
A Eletronorte fechava as suas contas no vermelho, até que a Eletrobrás absorveu as suas dívidas e, em seguida, a própria subsidiária. A um preço estrondoso. A hidrelétrica de Tucuruí começou a ser construída com orçamento de 2,1 bilhões de dólares. A própria Eletronorte chegou a admitir que o preço subiu para US$ 7,5 bilhões (valor histórico). Pode ter ido além de US$ 10 bilhões, mas o cálculo ficou difícil com a incorporação do remanescente da dívida pela Eletrobrás. O que se sabe é que, no fim, a conta foi bancada pelo tesouro nacional – quer dizer, pelo contribuinte.
Foi assim na era completamente estatal dos grandes projetos hidrelétricos na Amazônia. E agora, em que o comando supostamente está com a iniciativa privada? Devia ser assim, mas a responsabilidade ficou difusa. As estatais do setor energético participam dos três maiores empreendimentos em curso – Santo Antonio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, já em operação parcial, e Belo Monte, no Xingu, no Pará, com previsão de entrar em linha no início do próximo ano. Também os fundos federais de pensão partilham as despesas. E o BNDES é o grande agente financeiro, fornecendo crédito abaixo do custo de mercado.
A cobrança não será tão ostensiva e pesada quanto durante o regime militar, que agia combinando (ou tentando conciliar) a aliança com as multinacionais e suas diretrizes geopolíticas, mas sobrará novamente para o contribuinte, que já está recebendo uma das energias mais caras do mundo, num país em que mais de dois terços da geração vem dos rios, a fonte mais barata de todas. Só que na Amazônia, mesmo com a ajuda do Estado, as coisas não só se tornam mais difíceis como estão sujeitas a surpresas.
Dificuldades e imprevistos têm sido tais que uma questão que já devia estar perfeitamente definida ainda inquieta: essas usinas serão mesmo rentáveis? Depois da travessia de problemas de várias origens e características, elas ainda se manterão viáveis economicamente?
Para que sua construção não fosse interrompida (e o fluxo de muito dinheiro necessário para executar obras tão pesadas pelas empreiteiras, fonte permanente de caixa dois), mudanças foram improvisadas nos projetos originais. O resultado dessa trajetória ainda não parece bem apurado. A margem de incerteza vai se revelando perigosamente alta.
É o que se pode deduzir da entrevista dada pelo presidente da Engie Brasil, Maurício Bahr, à revista eletrônica especializada Canal Energia. Ele reivindicou da Aneel um tratamento diferenciado para as hidrelétricas do Madeira. Sustenta a necessidade de uma solução equilibrada para resolver os atrasos das duas usinas. Para ele, o rigor na cobrança pode levar ao risco “de se cobrar uma conta incapaz de ser paga pelo projeto”.
Diz que a implantação dos projetos “talvez não tenha acontecido nem para o governo nem para os empreendedores da forma como se esperava”, Os imprevistos exigiriam uma forma de tratamento que não iniba os futuros investimentos em hidrelétricas. “Esperamos que haja um entendimento de que esses projetos precisam ter um tratamento diferenciado para que continue havendo empreendedores com coragem de fazê-los no futuro”, declarou.
A empresa por ele presidida, a Engie, ex-GDF Suez, é uma das sócias da Energia Sustentável do Brasil, controladora da usina de Jirau. Dos seus 3.750 megawatts de capacidade nominal (é a sétima maior do Brasil), ela já está gerando 2.100 MW em 33 das suas 44 turbinas bulbo. Mas seu cronograma está atrasado em relação ao que a empresa se comprometeu a cumprir quando venceu a licitação. Em abril, a Aneel negou aos construtores das hidrelétricas Belo Monte, Santo Antônio e Jirau o reconhecimento de excludentes de responsabilidade pelo atraso das obras.
O executivo defendeu uma abordagem de longo prazo para o acompanhamento dos projetos, que, sendo de mais demorada maturação, atravessam governos, precisando de continuidade e coerência para que se estabeleça um ambiente de confiança para o empreendedor.
“Hoje a gente está vivendo, além de uma seca, um conjunto de coisas que levaram a atrasos de obras de linhas de transmissão, causando esse desequilíbrio. Esse desequilíbrio precisa ser bem tratado pelos agentes, pela agência reguladora, pelo ministério. A partir do tratamento desses desequilíbrios e de aprimoramento das regras do setor, a gente vai conseguir sair dessa situação e reabrir uma janela de investimentos”, concluiu.
Para alguns observadores, essas afirmativas não passam de uma tentativa de se livrar de responsabilidades, reduzir custos e aumentar o faturamento e o lucro. Se essa é a regra do procedimento das empresas, é impossível, porém, ignorar a realidade. As grandes hidrelétricas em andamento na Amazônia se desviaram do seu traçado projetado.
O ponto de chegada se tornou impreciso. Sem deixar de apurar e cobrar as responsabilidades e evitar os abusos, é preciso encarar um fato: as hidrelétricas existem, não podem ser implodidas e vão exigir um tratamento adequado para serem úteis e proveitosas para os brasileiros (se possível e de preferência para quem mora na área onde elas se localizam).
Por fim: uma vez resolvidos os problemas, que se aja preventivamente para que eles não se repitam. A Amazônia exige uma atenção e uma sensibilidade especiais para não se tornar vítima dos seus desbravadores.
*Publicado originalmente no  blog de Lúcio Flávio Pinto.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Punição da Aneel contra Belo Monte ‘não é definitiva’, diz ministro

Por: Fábio Amato*

AGU prepara parecer que pode isentar hidrelétricas de culpa por atrasos. Braga diz que prejuízo a investidores pode inviabilizar novas hidrelétricas.

Foto: Turbina da unidade geradora I de Belo Monte. (Foto: Betto Silva/ Norte Energia).
O governo federal pretende encontrar uma “solução” para evitar uma batalha judicial com os consórcios responsáveis pela construção das hidrelétricas de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau, punidas nesta semana pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) por atraso nas obras e na entrega de energia a clientes.
A informação foi dada pelo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, em entrevista exclusiva ao G1. De acordo com ele, a Advocacia-Geral da União (AGU) prepara um parecer, que deve ser divulgado nos próximos dias, e que pode atender pelo menos parte do pleito daquelas empresas negado pela Aneel.
Para o ministro, a decisão da agência, com potencial para causar prejuízo bilionário a esses três consórcios, pode, além de provocar uma batalha na Justiça, inviabilizar novos projetos de hidrelétricas no país.
“O que quero dizer é que a decisão da Aneel não é definitiva. A AGU está se posicionando por escrito sobre essa questão e nós temos que ter a compreensão de que esta situação não pode ficar como está. Se ficar, vai desequilibrar o modelo, e o modelo hidrelétrico brasileiro não será mais atraente para o investidor. Isso é fato”, disse.
Responsabilidade pelo atraso
Os consórcios que constroem e operam as usinas de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, e de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia, pediram à Aneel perdão pelo descumprimento do cronograma das obras.
Eles alegam não ter responsabilidade pelos atrasos, provocados, afirmam, por greves de trabalhadores, invasões dos canteiros de obras, decisões judiciais e demora na emissão de licenças por órgãos públicos.
O consórcio Norte Energia, de Belo Monte, uma das maiores obras em andamento hoje no país, orçada em quase R$ 30 bilhões, pediu isenção de culpa por 455 dias de atraso. O Energia Sustentável do Brasil, que administra Jirau, por 535 dias. Já a Santo Antônio Energia, que opera a hidrelétrica de mesmo nome, por 107 dias.
Como as obras atrasaram, essas usinas deixaram de entregar parte da energia aos clientes. Por contrato, devem comprar essa eletricidade no mercado, de outras geradoras, para compensá-los. Ao pedir o perdão, os consórcios visavam justamente evitar esse desembolso que, somado, pode provocar prejuízo bilionário a seus acionistas.
De acordo com a Aneel, porém, os problemas apontados não justificam o perdão pelo atraso, por isso os pedidos foram rejeitados. Uma das alegações da agência é que o cronograma das obras foi proposto pelos próprios consórcios, que assumiram risco de paralisações provocadas, por exemplo, pelas greves.
Além disso, a isenção de culpa implicaria em jogar o prejuízo para distribuidoras, que contrataram a energia dessas usinas. E essa fatura, no final, acabaria repassada às contas de luz.
Parecer da AGU
De acordo com Braga, “a Aneel não errou” ao não atender ao pleito dos consórcios. A agência, apontou, julgou os pedidos sem ter em mãos o parecer da AGU que reconhece o direito de empreendedores à isenção de culpa por atrasos desse tipo.
“O parecer da AGU sobre geração [...] é que, aquilo que o Estado ou questões não administradas pelo empreendedor retardarem de forma comprovada o empreendimento, isto é efetivamente um desequilíbrio econômico no contrato e precisa ser reequilibrado”, disse Braga.
“Esse parecer da AGU está sendo formalizado nos próximos dias e em cima dele obviamente que terão ainda muitos desdobramentos”, afirmou o ministro. “Esse julgamento [da Aneel] ainda não é terminativo, ainda tem vários passos a serem dados e eu acho que vamos equacionar essa solução.”
Questionado se o governo pretendia negociar a compensação das perdas daquelas hidrelétricas ou rever a decisão da Aneel, Braga negou. Segundo ele, porém, é preciso “saber se há comprovação de perda enquadrada dentro do parecer da AGU”, ou seja, se as justificativas para os atrasos apresentadas pelos consórcios se enquadram no parecer que está sendo concluído.
“Nós, como poder concedente, queremos encontrar uma solução”, disse o ministro.
*Fonte: G1 via Notícias da Amazônia

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Aneel diz que Belo Monte é responsável por atraso

A Aneel responsabiliza Belo Monte pelo atraso na entrega das obras e na geração de energia. A hidrelétrica deveria ter começado a produzir em fevereiro deste ano. A previsão, no entanto, é que apenas em 2016 seja possível entregar a eletricidade.
A empresa havia pedido a agência reguladora que revisasse o cronograma para entrada em operação, uma vez que diversos episódios – como greves e invasão do canteiro de obras – prejudicaram o cumprimento dos prazos estabelecidos.
Caso tivesse atendido o pedido de Belo Monte, a Aneel repassaria aos consumidores os custos dos atrasos. O que, no futuro, se traduziria em aumentos na conta de luz.Como a energia da usina já havia sido comprada, a companhia terá de arcar.

Fonte: Folhapres

domingo, 19 de abril de 2015

MPF requisita documentos sobre alteração contratual do BNDES com Belo Monte

Segundo informações do jornal O Estado de São Paulo, houve alteração contratual que beneficiou os donos da usina com perdão de multa milionária

O Ministério Público Federal (MPF) requisitou ao presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, que envie cópias do Termo Aditivo ao contrato de financiamento da obra de Belo Monte, assim como os documentos que serviram de suporte ao aditivo. O ofício, assinado pelo procurador Felício Pontes Jr, foi enviado hoje, após reportagem do jornal O Estado de São Paulo que informa uma alteração contratual feita pelo BNDES no final de 2014 que beneficiaria a Norte Energia S.A com o perdão de multas devidas por atraso.

O MPF tem um procedimento investigando o financiamento concedido pelo BNDES à usina de Belo Monte. No ano passado enviou informações à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre o pedido da Norte Energia para que não fosse punida pelo atraso nos cronogramas físicos da obra. Para o MPF, não cabe perdão de multas e dívidas porque a própria empresa é a única responsável pelo atraso na emissão de licenças e autorizações, por omissão ou inação em cumprir suas obrigações.

De acordo com a reportagem do jornal, assinada pelo jornalista André Borges, a alteração contratual feita pelo BNDES livrou a Norte Energia de uma multa do banco por descumprimento de cláusulas do financiamento, que poderia chegar a R$ 75 milhões. “A punição deixou de existir porque o banco concordou em alterar as datas de execução de obras da usina, que está em construção no Rio Xingu, no Pará. Ao mudar o cronograma original que exigia do consórcio, as multas por atrasos simplesmente desapareceram”, diz a reportagem.

Dentro da Aneel, os atrasos de Belo Monte já tem pareceres das áreas técnicas e jurídicas que recomendam a aplicação de sanções, descartando os argumentos da empresa que tentam jogar a responsabilidade para o poder público. Mas até agora, não foi tomada uma decisão oficial da Agência sobre o tema. Uma reunião no dia 3 de fevereiro passado deveria ter decidido sobre o assunto, mas a pauta foi modificada a pedido da concessionária de energia.

Íntegra do ofício do MPF ao BNDES

Veja documento do MPF sobre o atraso de Belo Monte enviado à Aneel


Fonte: Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação


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Ministério Público quer explicações do BNDES sobre empréstimo para Belo Monte (Estadão)

Norte Energia procurou BNDES antes de atrasos em obras de Belo Monte, diz banco  (Estadão)

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Belo Monte vai engolir muito mais que palafitas em Altamira

Moradores e comerciantes de região central da cidade ainda não têm ideia quanto receberão por suas casas e estabelecimentos, muito distantes das palafitas que simbolizam os atingidos nas propagandas da Norte Energia

Por Verena Glass*

“Até final de fevereiro todas as casas dessa rua serão demolidas”, sentencia o engenheiro Marcelo Silva, ostentando no peito o crachá do Consórcio Norte Energia. Cercado de moradores indignados, Silva, acuado, aponta nervoso rua acima e abaixo a Sete de Setembro, localizada na Área Açaizal, bairro Centro, Altamira, PA.

O ocorrido se deu na última segunda feira, 9, e reforça as noticias que deram conta, no inicio de fevereiro, de que a Norte Energia pretende desalojar 2 mil famílias de Altamira até final de março na base do “custe o que custar”. A pressa da empresa se deve à urgência de extrair do Ibama a Licença de Operação (LO, solicitada nesta quarta-feira, 11) de Belo Monte, que permitirá o enchimento do reservatório da usina e o início da produção de energia, previsto inicialmente para 28 de fevereiro. Atrasos deverão custar aos empreendedores da hidrelétrica milhões em multa, caso a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decida cobrar o acordado.

Para obter a LO, no entanto, e se o Ibama optar pela exigência do cumprimento da lei, a Norte Energia deverá finalizar a execução das condicionantes pendentes das Licenças Previa e de Instalação de Belo Monte. Entre elas, a remoção e realocação de todas as famílias atingidas pela usina.

Diferente das imagens de frágeis palafitas que se equilibram sobre estacas fincadas em alagadiços imundos – as moradias dos “sortudos” a serem transferidos para as casinhas de concreto dos reassentamentos urbanos da Norte Energia -, amplamente divulgadas pelo Consórcio e pela imprensa, o que se vê na Sete de Setembro e seus arredores são casas sólidas, supermercado, comércio, igreja.


A casa mais bonita da rua tem um muro laranja e um portão de ferro que protegem uma bem cuidada entrada de azulejos e arranjos de plantas. Sua moradora é conhecida, não apenas em Altamira como em todo o país e até no exterior: Antonia Melo, 65, coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre, está entre as milhares de famílias cadastradas pela Norte Energia como fadadas ao desalojo e que ainda não foram procuradas pela empresa com informações sobre indenizações ou reassentamento.

O terreno onde mora a família de Antonia tem 743,36 m². A casa, grande, arejada e aconchegante, ocupa pouco menos da metade deste espaço, e nos fundos cresce livremente um jardim com inúmeras árvores frutíferas, flores e plantas ornamentais da Amazônia, que anualmente produz enormes quantidades de açaí, manga, bananas. “Em julho de 2014 os agentes da Norte Energia vieram aqui para cadastrar minha casa e nos comunicar que seremos removidos. Desde então nunca mais apareceram. Não sabemos quanto pretendem nos oferecer de indenização, não sabemos quando pretendem nos desalojar, não sabemos de nada”, comenta a mais ativa opositora de Belo Monte. E atenta para um detalhe importante: “Apesar de esta área pertencer ao centro de Altamira, a Norte Energia nos enquadrou como zona periférica para baixar o valor da indenização. Também não quer considerar a área construída dos nossos terrenos, argumentando que não temos saneamento e, portanto não seríamos proprietários de ‘área edificada’. E por cima de tudo isso ainda pretende utilizar o caderno de preços estabelecidos em 2012 para calcular os valores, o que é um completo disparate frente a hipervalorização dos imóveis e terrenos em Altamira nos últimos anos”, explica Antonia.

Situação idêntica vivem a dona do mercado Souza e Pena, Aparecida Souza, que ocupa toda uma esquina da Sete de Setembro, e Helio Melo da Cruz, cuja pensão de dois andares e 228 m² ocupa outra esquina logo adiante, na Travessa Coronel Gaioso. Aparecida e Melo, como é conhecido, também foram procurados em julho pelo Consórcio Norte Energia, também nunca mais viram alma viva da empresa, também não sabem quanto receberão pelos estabelecimentos, e também não sabem para onde vão.


Enquanto deixa na incerteza grande parte dos moradores da Área Açaizal, a Norte Energia tem removido algumas famílias e demolido suas casas de forma aparentemente aleatória. De acordo com os moradores que discutiam com o engenheiro Marcelo Silva na última segunda, estas ações têm afetado severamente as casas vizinhas. “Vocês vem e destroem uma casa enquanto tem gente morando na casa vizinha. Abala tudo na nossa casa, tem perigo te cair nas nossas cabeças. O que vocês pensam que estão fazendo??”, questiona exaltado um morador, enquanto outro saca o celular para gravar o bate boca. Visivelmente nervoso, Silva não tem respostas. “Eu morava fora do país, voltei para o Brasil para ajudar vocês. Se essa gravação me prejudicar, eu vou embora!”, argumenta, desajeitado, o engenheiro.

Os reassentamentos
De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental de Belo Monte (EIA, volume 33, item 12.9.4.3), o objetivo central do projeto de reassentamento das famílias desalojadas pela usina é “garantir condições de moradia superiores àquelas de que dispunha a população afetada antes da implantação do empreendimento”, como enfatiza o Ministério Público Federal em ação contra as estruturas do reassentamento.

Uma das vizinhas de Antônia já foi notificada do despejo iminente e enfrentou uma árdua batalha na Justiça para garantir um mínimo de compensação. Levou uma casinha no reassentamento Jatobá e conseguiu outra para sua filha. Deixou para trás uma casa grande com jardim, os amigos e as facilidades de morar no centro, e foi alojada em uma casa de concreto fino e quente, igual a centenas, em um terreno árido, distante mais de 8 km do comercio e do trabalho e completamente desprovido de transporte público. Distancia, falta de transporte também inviabilizaram o ganha-pão do pescador Cecílio Kayapó. “Depois da mudança, quase nunca mais trabalhei”, conta o indígena de olhar distante.

Também moradora de Jatobá, Vanessa Felix, que divide a casa com mais sete pessoas, além de todas as dificuldades enfrentadas por Gracinda e Cecílio, computa mais duas, graves: ela mora às margens da estação de tratamento de esgoto do reassentamento, uma grande fossa onde dia e noite, sem parar, caminhões pipa despejam dejetos recolhidos nas casas do bairro, deixando praticamente irrespirável o ar fétido na rua. De nada adiantaram as reclamações, e há um agravante: apesar de terem sido compulsoriamente despejados de suas casas pela Norte Energia, os reassentados não receberam nenhum título o outro documento comprovativo da posse da nova casa, o que porventura possibilitaria a venda da casa.

De acordo com o defensor publico federal Francisco Nobrega, que prestou atendimento legal à população afetada por Belo Monte desde meados de janeiro, esta situação é completamente irregular. Segundo o defensor, é feito um contrato entre as partes quando ocorre o deslocamento das famílias de suas casas para o reassentamento, mas isto não configura garantia de propriedade do novo imóvel. “A Norte Energia afirma que irá regularizar a situação dos assentados assim que terminar o processo de realocação das pessoas, mas no momento a situação é irregular”, explica. Questionado se há condições para que o Ibama conceda a Licença de Operação de Belo Monte, Francisco Nobrega é enfático: “Não. Nós da defensoria temos uma demanda enorme de moradores injustiçados,  e com a precaríssima infraestrutura que temos para trabalhar só conseguimos atender os casos mais graves. 

Moradores que não receberam nada, casas novas que estão se desfazendo, e por aí vai. Ainda ha muito que resolver em termos de cumprimento das condicionantes”, afirma o advogado.

*Fonte: Xingu Vivo – Fotos:Verena Glass

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Belo Monte tem risco de novo atraso


Energia Consequências da Lava Jato para construtoras podem afetar obra de hidrelétrica

Por Rodrigo Polito*

As consequências financeiras da operação Lava Jato, da Polícia Federal, para algumas construtoras aumentam o risco de não cumprimento do cronograma da hidrelétrica de Belo Monte, principal projeto de geração de energia em implantação no país, orçado em cerca de R$ 30 bilhões. Previsto para ser a segunda maior usina brasileira e que devia entrar em operação em fevereiro deste ano, o projeto já está atrasado em um ano, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e pode provocar perda de valor para os acionistas do consórcio Norte Energia, responsável pela usina, com a compra de energia para honrar seus compromissos contratuais.

O caso mais preocupante é o da OAS, que, devido à dificuldade financeira decorrente da Lava Jato, avalia pedir recuperação judicial ou vender ativos. A empresa possui 11,50% do Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), contratado para realizar as obras da usina. Outras duas empresas que compõem o consórcio e são investigadas pela Lava Jato, a Queiroz Galvão e a Galvão Engenharia, tiveram os ratings rebaixados esta semana pela Fitch. Juntas, as três empresas possuem cerca de um terço do CCBM.

A classificadora de risco também colocou em observação negativa os ratings de Andrade Gutierrez, Odebrecht e Camargo Corrêa. As três empresas, que estão suspensas, de forma cautelar, de futuras licitações da Petrobras, com base em depoimentos prestados no âmbito de delação premiada por investigados na Lava Jato, respondem por metade da composição do CCBM, liderado pela Andrade Gutierrez.

Sobre os serviços de montagem da usina, a preocupação é com relação à Engevix. Envolvida na Lava Jato, a empresa possui 60% do consórcio responsável pela montagem eletromecânica das 18 turbinas da casa de força principal da hidrelétrica. A outra integrante do consórcio, com 40% de participação, é a Toyo Setal, cujo um dos sócios, Augusto Mendonça, é um dos delatores nas investigações da Lava Jato.

Segundo uma fonte a par do assunto, a Eletrobras, principal acionista do Norte Energia, teria interesse em rever contratos de empresas que eventualmente entrarem em recuperação judicial. "Gente de dentro da Norte Energia quer cancelar os contratos. O Norte Energia pode fazer o que quiser", disse ela.

Questionados, a Eletrobras e o Norte Energia disseram não ter conhecimento da informação.

O CCBM informou ao Valor que utiliza os pagamentos recebidos da Norte Energia para realizar os aportes necessários nas obras. "A operação do Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM) é lastreada financeiramente por sua própria produção, não havendo dependência de aportes de quaisquer das empresas consorciadas", afirmou o consórcio, em nota.

A Odebrecht informou, em nota, que "os negócios da Organização Odebrecht, incluída sua participação no Consórcio Construtor de Belo Monte, seguem normalmente". Com relação à Galvão Engenharia, uma fonte afirmou que o grupo não passa por dificuldades financeiras e que as pendências existentes com a Petrobras não afetam o fôlego financeiro da companhia. O grupo Galvão não comentou o assunto.

A Camargo Corrêa informou que não há nenhum problema com relação a sua participação na obra de Belo Monte. A Queiroz Galvão informou que não comentaria o assunto. A Andrade Gutierrez disse que seu posicionamento foi feito pelo CCBM. OAS, Engevix e Toyo Setal não responderam as perguntas feitas pelo Valor.

Em nota, o Norte Energia reforçou o posicionamento do CCBM e disse que "também o Consórcio Montador Belo Monte (CMBM) gera suas receitas no próprio empreendimento e não depende financeiramente das empresas consorciadas".

Segundo o Norte Energia, as obras de Belo Monte chegaram a 70% de conclusão no final de 2014. "Todas as providências para o fornecimento de equipamentos foram tomadas e estão inseridas na programação de montagem da hidrelétrica. A casa de força complementar, responsável por apenas 3% da geração de energia de Belo Monte, começa a operar em novembro deste ano. A casa de força principal do sítio Belo Monte, que responderá por 97% de toda a energia, inicia a comercialização em março de 2016, data prevista no contrato de concessão. Todas as turbinas da hidrelétrica Belo Monte estarão em operação em janeiro de 2019", afirmou o consórcio.

Até o momento já foram investidos R$ 19,7 bilhões em Belo Monte, de acordo com o último balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A previsão é que ainda sejam desembolsados outros R$ 9,1 bilhões no projeto.

Uma das principais obras do PAC, Belo Monte tem capacidade prevista de 11,233 mil megawatts (MW) e, no Brasil, será inferior apenas à Itaipu Binacional (14 mil MW). Leiloada em 2010, a usina estava prevista para entrar em operação em fevereiro de 2015. Segundo a Aneel, porém, a usina já está com o cronograma atrasado em um ano. A previsão atual é que inicie a operação em fevereiro de 2016. O atraso foi identificado na casa de força complementar, do sítio Pimental, de 233 MW de potência.

A última versão do Plano Decenal de Energia (PDE), da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), também atualizou a previsão de início de operação de Belo Monte para 2016. A versão anterior ainda continha a estimativa de que a usina iniciaria a produção em 2015.

Segundo um analista financeiro do setor que pediu anonimato, com o atraso no cronograma, o consórcio dono da concessão da usina precisará comprar energia no mercado à vista para honrar seus compromissos contratuais, gerando perda de valor. "A taxa de retorno de Belo Monte, que já não era das melhores, ficará muito ruim", disse.

No fim de 2014, a procuradoria da Aneel emitiu parecer responsabilizando o Norte Energia pelo atraso no cronograma. O consórcio tem tentado convencer a agência de que não é culpado pelo adiamento do início de operação da hidrelétrica, porém sem sucesso.

Segundo o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, em tese, os problemas financeiros de construtores de Belo Monte podem agravar o atraso da obra, mas não se sabe em que medida.

"Soma-se a isso os desafios de grandes projetos hidrelétricos no Brasil, como a intervenção de terceiros", afirmou Sales, em referência a ações do Ministério Público e de organizações não governamentais (ONGs), além de atos de vandalismo, como os ocorridos nas obras da hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira.


*Fonte: Valor (Colaboraram Fábio Pupo, de São Paulo, e Rafael Bitencourt, de Brasília) - Fotografia não incluída na matéria original.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

De 2003 a 2014: as hidrelétricas de Lula e Dilma

Por Telma Monteiro*

Um ano conturbado esse 2014. Vai ficar como mais um capítulo da história dos governos Lula e Dilma Rousseff, pautados pela corrupção. Corrupção, também, que pode estar entranhada no setor elétrico. A sanha de construir hidrelétricas nos rios amazônicos com a coparticipação das mesmas empreiteiras envolvidas no esquema de propinas da Petrobras, como mostra a Operação Lava Jato, é sinal inequívoco de metástase.

Busquei escrever uma retrospectiva resumida dos processos das grandes hidrelétricas em construção nos rios amazônicos, nos últimos doze anos. É preciso expurgar a Eletrobras também.

Mensalão, julgamento, condenação e prisão de autoridades do governo, campanhas eleitorais que envergonharam os eleitores, presidentes e vice-presidentes de grandes empreiteiras e diretores da Petrobras indiciados marcaram o Brasil nos últimos doze meses. Nada mais que um resumo do que temos assistido nos últimos doze anos.

As obras das grandes hidrelétricas nos principais rios amazônicos, iniciadas no governo do PT, a partir de 2003, caminharam silenciosamente, na sombra dos escândalos midiáticos.

Mesmo temas como o aumento do desmatamento na Amazônia, a imposição de projetos hidrelétricos na bacia do rio Tapajós, a discussão da PEC 215, que quer dar ao Congresso a atribuição de decidir as demarcações de terras indígenas, a luta do povo Munduruku para auto-demarcar a terra Sawré Muybu, a queda de braço entre o Ministério Público Federal e o judiciário nas ações que apontam as irregularidades nos licenciamentos das hidrelétricas, o uso da Suspensão de Segurança (instituto da ditadura), não ganharam a sociedade. Não ganharam as ruas e nem os corações dos brasileiros.

O Novo Modelo Institucional de Energia (Lei nº 10847/10848 de 2004) foi concebido por Dilma Rousseff a partir de 2003, como ministra de Minas e Energia (MME). Lula e Dilma não perderam tempo. A galinha dos ovos de ouro do PT passou a ser o setor energético, que ficou nas mãos do seu principal aliado, o PMDB, sob a batuta de José Sarney. O Ministério das Minas e Energia (MME), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Empresa de Pesquisa Energética (EPE) ficaram com Edison Lobão, Márcio Zimmermann e Maurício Tolmasquim, respectivamente. Elas formam, há doze anos, uma espécie troika institucional indevassável e inacessível.

A construção das usinas incluídas no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) tem como objetivo satisfazer a volúpia por grandes obras do cartel de empreiteiras, maiores doadoras das campanhas de Lula e Dilma. Paralelamente, o aumento do consumo de energia na região Norte, devido à instalação de novas plantas eletro-intensivas ligadas à mineração, deu ao governo federal mais uma desculpa para aprovar mais hidrelétricas. Esse consumo, segundo dados que constam no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da usina hidrelétrica (UHE) Teles Pires, cresceu de 6,3% para 8,6%.

Para completar esta introdução, relembro que o Plano Nacional de Energia (PNE) 2030 prevê o incremento de mais 88 mil MW (megawatts) de geração com hidrelétricas e de apenas quatro mil MW em geração eólica para os próximos 25 anos. Esses 88 mil MW equivalem a 20 usinas como a UHE Belo Monte ou 93 como a UHE Teles Pires.

Um ofício de 21 fevereiro de 2011, assinado por Amílcar Guerreiro, diretor da EPE, para a Funai, ressalta que, de 48 projetos hidrelétricos, 18 atingem áreas de Terras Indígenas (TI). Afirma que 16 projetos, embora não estejam diretamente em TIs, estão a menos de 50 quilômetros delas, como a UHE São Manoel e a UHE Foz do Apiacás. Ainda confirma que os projetos hidrelétricos no PAC 2 somam 80% com algum grau de interferência com TI.

Parece uma promessa de que vai piorar.

Hidrelétricas Santo Antônio e Jirau – rio Madeira

Com Lula já eleito, no final de 2002, a Odebrecht conseguiu aprovar os estudos de viabilidade das usinas do Madeira em velocidade de trem-bala. No início de 2003, a construção do então chamado Complexo do Madeira já era comemorada na Aneel.

Dilma Rousseff era a ministra de Minas e Energia de Lula. Os dois juntos meteram os pés nas portas da Amazônia, escancarando-as, ao defender a imprescindibilidade das usinas do Madeira. Começava aí a era do estupro dos rios amazônicos.

De 2003 até 2014, as hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, não saíram da pauta da mídia. Quando obtiveram a Licença Prévia (LP), em julho de 2007, contaram com a ajuda da diretoria do Ibama e, talvez, da ingenuidade e arrogância (imperdoáveis) da então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Contrariando a decisão da equipe técnica do próprio Ibama, que concluiu pela inviabilidade dos empreendimentos, a LP foi concedida.

O processo das usinas do Madeira chegou a surpreender. Uma só licença prévia para duas hidrelétricas foi um fato inédito. O primeiro leilão, da UHE Santo Antônio, em dezembro de 2007, foi arrematado pela dobradinha Furnas e Odebrecht. Cartas marcadas. Afinal, a concepção e os estudos preliminares foram elaborados pela Odebrecht, lá nos idos de 2002.

O segundo leilão, da UHE Jirau, trouxe a grande surpresa. Com um deságio maior, a concorrência tirou a UHE Jirau das mãos da dupla Furnas e Odebrecht. A Camargo Corrêa e a GDF Suez entraram para vencer o lobby de Furnas e Odebrecht, que até então dava como favas contadas o arremate dos dois empreendimentos. Economia de escala.

Dois leilões, dois ganhadores, duas das maiores empreiteiras do Brasil e o Ibama concedeu duas Licenças de Instalação (LI) para uma só LP. A partir daí começou uma verdadeira avalanche de irregularidades: violações dos direitos humanos, alijamento dos povos indígenas do processo de licenciamento, descumprimento da Convenção 169 da OIT e falta de consulta prévia. O consórcio vencedor de Jirau decidiu, então, alterar a localização da usina no rio Madeira. Outro fato inédito.


Os dois consórcios vencedores passaram a se digladiar. Vieram as greves nos canteiros das duas obras, denúncias de trabalho semiescravo, ações na justiça ajuizadas pelos ministérios públicos, a destruição da margem direita a jusante da barragem da UHE Santo Antônio, que levou consigo o bairro Triângulo, a alteração da cota do reservatório de Santo Antônio, que resultou no aumento da área alagada. Para coroar tanta insensatez, aconteceu a maior cheia da história do rio Madeira, agravada pelas hidrelétricas, que quase fez desaparecer Porto Velho, no início de 2014.

Custo atualizado da UHE Santo Antônio: R$ 19,5 bilhões – Construtora: Odebrecht; custo atualizado da UHE Jirau: R$ 18 bilhões – Construtora: Camargo Corrêa

Hidrelétrica Belo Monte – rio Xingu
Não precisou muito tempo para o retorno do espectro do monstro chamado Belo Monte, no rio Xingu. Esse sim, o pesadelo em forma de hidrelétrica. Quem pensou que as usinas do Madeira eram o pior se enganou. Começou uma sensação de déjà vu.

A Eletrobras desengavetou o projeto no rio Xingu. Enfiar Belo Monte goela abaixo da sociedade foi num átimo. Afinal, a desculpa do governo tem sido a de que estamos na iminência de outro apagão igual ao de 2001. Ou se construiria Belo Monte ou o Brasil pararia! Mensagem subliminar que funcionou.

Lula em plena campanha, em 2002, num documento chamado O Lugar da Amazônia no Desenvolvimento do Brasil, condenou a construção de mega-obras de hidrelétricas na Amazônia. Citou Belo Monte. Enquanto se dava o processo de licenciamento das usinas do Madeira, em 2006, Belo Monte emergia das cinzas dos anos 1980, numa nova versão.

A sociedade civil assistia atônita a mais uma surpresinha do governo petista. O projeto defendido pela Eletrobras, com total apoio de Lula e Dilma, está desviando as águas do rio Xingu. Uma das regiões mais ricas em biodiversidade do planeta, a Volta Grande do Xingu vai secar. E Belo Monte, em construção, só vai gerar um terço da energia que sua estrutura de R$ 30 bilhões comportaria.

Em 2007, as empreiteiras Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez surgem para elaborar os estudos de Belo Monte. Odebrecht e Camargo Corrêa, mais uma vez, no centro do plano de construir mais hidrelétricas na Amazônia.

Entre avanços e recuos do processo de licenciamento, ações do MP, novas audiências públicas e adiamentos do leilão, em fevereiro de 2010, o Ibama concedeu a LP e em abril o leilão foi consumado. Restou selada a destruição do Volta Grande do Xingu.

 O leilão de Belo Monte foi um equívoco. Estava inicialmente prevista a participação de três grandes empreiteiras: Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. As mesmas que estão envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras. As três foram as responsáveis, junto com a Eletrobras, pela elaboração de todos os estudos de Belo Monte.

As empreiteiras Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez formaram um consórcio que constrói Belo Monte. Afinal, fazer a obra sem a responsabilidade dos custos ambientais e sociais, e sem o ônus das batalhas na justiça, é muito mais rentável. Mamata.

Em 2010, Lula e o PT se preparavam para eleger Dilma Rousseff presidente da República.

A construção da UHE Belo Monte tem consolidado os mesmos problemas do caos que se instalou em Porto Velho com as usinas do Madeira. A história se repetiu e recrudesceu o movimento indígena contra as usinas nos rios amazônicos. Atores e diretores de Hollywood, denúncias na OEA e ONU, protestos nas capitais da Europa, protestos indígenas em Brasília, greves nos canteiros de obras, destruição ambiental, prejuízos. Nada disso demoveu o governo do PT. Belo Monte está lá, fantasmagórica com seus esqueletos de concreto, com umas poucas castanheiras gigantes poupadas no desmatamento do sítio Pimental.

A construção de Belo Monte está destruindo a vida e a natureza. Pescadores, povos indígenas, populações ribeirinhas, pequenos agricultores, floresta e rio sagrado. As engrenagens da justiça estão lentas para salvar o Xingu. Uma ferrugem sórdida as emperra.

Custo atualizado da UHE Belo Monte: R$ 25,9 bilhões – Consórcio Construtor: Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez

Hidrelétrica Teles Pires – rio Teles Pires
 O aproveitamento hidrelétrico do rio Teles Pires está nos planos governamentais desde os anos 1980, quando foi feito o inventário da bacia hidrográfica. Do projeto inicial, que permaneceu esquecido até 2001, já constavam outros seis aproveitamentos hidrelétricos. Mas foi sob o governo do PT que o projeto emplacou.

Em 2005, um consórcio formado pelas empresas estatais Eletrobras, Furnas e Eletronorte resolveu desengavetá-lo e manter os planos para as seis hidrelétricas. O rio Teles Pires tão ameaçado não teve sequer estudos dos impactos sinérgicos e cumulativos da região. O Ibama iniciou o processo de licenciamento em 2010.

A hidrelétrica Teles Pires já está afetando duramente a região situada no trecho onde começa uma sequência de cachoeiras chamadas Sete Quedas, no baixo curso do rio Teles Pires. A hidrelétrica, em construção, está na divisa entre dois grandes municípios em dois estados: Jacareacanga, no Pará, e Paranaíta, no Mato Grosso.

As empresas Neoenergia (50,1%), Eletrosul (24,5%), Furnas (24,5%) e Odebrecht (0,9%) formam o consórcio vencedor do leilão.

A UHE Teles Pires não ultrapassará 50 anos de vida útil, se for levado em conta o agravamento das características hidrológicas da região. As mudanças climáticas, os períodos cada vez mais intensos de regimes de cheias e vazantes, o aumento do aporte de sedimentos devido à ocupação a montante (rio acima em direção às nascentes),poderiam reduzir ainda mais o tempo de geração comercial. Esse projeto anacrônico se transformará, em menos de cinquenta anos, num fóssil jovem em meio a um deserto induzido no coração da Amazônia.

Sob o governo do PT se deu a Rio+20.
 Os impactos da hidrelétrica afetarão as terras indígenas Kayabi e duas Unidades de Conservação - a Reserva Estadual de pesca Esportiva, no Pará, e o Parque Estadual do Cristalino, em Mato Grosso. 

No município de Jacareacanga (PA), 59% são terras indígenas. A área rural afetada pela usina Teles Pires tem 66 mil quilômetros quadrados, 20 mil habitantes, é de difícil acesso, de vegetação nativa e é ocupada por terras indígenas. O sistema de transmissão da energia desse complexo hidrelétrico está previsto para ter cerca de mil quilômetros e um corredor de 20 quilômetros de largura.

Custo atualizado da UHE Teles Pires: R$ 4 bilhões – Construtora: Odebrecht

Hidrelétrica São Manoel – rio Teles Pires
As TI Kayabi e TI Munduruku, mais a jusante, já sofrem os impactos da construção das usinas no rio Teles Pires. A UHE Teles Pires e a UHE São Manoel, também em construção, estão afetando 16 importantes sítios arqueológicos. Vinte quilômetros separam a UHE Teles Pires da UHE São Manoel.

O processo de licenciamento da UHE São Manoel começou em 2007. Já datam dessa época as falhas gritantes nos estudos ambientais e no Estudo do Componente Indígena (ECI). No parecer técnico do Ibama, de 2010, foram apontadas 33 pendências. O EIA/RIMA foi rejeitado pela equipe técnica do Ibama, uma vez que ele não atendia ao Termo de Referência.

O processo de licenciamento da UHE São Manoel ficou praticamente parado até abril de 2013. O Ibama marcou as audiências públicas para setembro de 2013. O leilão de compra de energia elétrica foi realizado em dezembro de 2013 e o vencedor foi o Consórcio formado pelas empresas EDP Energias do Brasil (66,67%) e Furnas Centrais Elétricas (33,33%), que constituíram a sociedade de propósito específico denominada Empresa de Energia São Manoel S.A.

Em 2014, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, assinou o Contrato de Concessão para exploração do potencial hidrelétrico da UHE São Manoel, localizada no rio Teles Pires, município de Jacareacanga, estado do Pará. Até outubro deste ano, o Ministério Público Federal havia ajuizado sete ações contra a construção da UHE São Manoel. Todas apontam irregularidades no processo de licenciamento. A LP foi concedida pelo Ibama em novembro de 2013 e a LI em agosto de 2014.

As obras já começaram. A destruição do rio faz chorar.

Custo atualizado da UHE São Manoel: R$ 3 bilhões – Construtora: Consórcio Constran-UTC.

Hidrelétrica São Luiz do Tapajós – rio Tapajós
Em processo de elaboração dos estudos ambientais. Ficou para o próximo mandato de Dilma Rousseff. O leilão está marcado para o segundo semestre de 2015. O rio já está condenado?

*Telma Monteiro é ativista socioambiental, pesquisadora, editora do blog , especializado em projetos infraestruturais na Amazônia. É também pedagoga e publica há anos artigos críticos ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil