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segunda-feira, 11 de julho de 2016

Docente de universidade do Pará pode ser preso após ato em solidariedade às vítimas de Mariana

O professor Evandro Medeiros, na estrada de ferro. 

Docente de universidade do Pará pode ser preso após ato em solidariedade às vítimas de Mariana


Em 20 de novembro, 15 dias depois do rompimento de uma barragem de mineração em Minas Gerais causar o maior desastre ambiental do país, um grupo de cerca de 30 pessoas realizou um protesto em Marabá, município do Pará onde moradores costumam se mobilizar contra ações de mineração executadas na região. Levaram para o trilho da Estrada de Ferro Carajás cartazes pintados à mão em solidariedade às vítimas do desastre e, segundo os organizadores, depois de cerca de 30 minutos foram embora. Por conta deste ato, Evandro Medeiros, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, poderá ser preso por até cinco anos.


Medeiros, professor da Faculdade de Educação do Campo, foi acusado de incitar o protesto e a ocupação dos trilhos pela Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, alvo da manifestação, que além de ser controladora da Samarco -empresa que geria a barragem que rompeu em Minas Gerais- opera a Estrada de Ferro Carajás, por onde escoa sua produção da região. A empresa apresentou uma queixa crime na delegacia contra ele e, na semana passada, o professor foi indiciado sob suspeita dos crimes de "incitar, publicamente, a prática de crime", com pena prevista de até seis meses, e de "impedir ou perturbar serviço de estrada de ferro", com pena de até cinco anos.

Para o delegado Washington Santos de Oliveira, de Marabá, os indícios do crime do professor apareceram em fotos e vídeos do dia da manifestação enviados pela Vale. Nas imagens, o professor aparece falando ao microfone, o que caracterizaria sua liderança do ato, e os manifestantes estão sob a linha férrea, cometendo um ato que poderia "resultar em desastre", crime previsto pelo artigo 260 do Código Penal, que versa sobre o perigo de desastre ferroviário. "A Constituição assegura o direito de reunião e de livre manifestação, mas eles se encontravam em linha férrea, que tem essa proteção legal. O mero fato de eles estarem no trilho resulta em crime de perigo de desastre ferroviário", explica.

A Vale acusa o protesto de ter impedido o transporte de cargas e de passageiros. Em um acordo com o Governo federal, a empresa disponibiliza um trem uma vez ao dia para levar pessoas em um trajeto que liga Parauapebas (Pará) e São Luís (Maranhão), o mesmo feito por sua produção de minério. "Em casos de obstrução da linha férrea, a empresa precisa adotar os procedimentos judiciais para preservar o direito de propriedade e a manutenção do transporte de cargas e passageiros", disse a mineradora, em nota. A empresa também entrou com um processo civil contra o professor, a quem acusa de organizar o protesto.

Sem trens
Medeiros, entretanto, afirma que o protesto durou cerca de 30 minutos e ocorreu em uma intersecção entre a linha férrea e uma avenida do bairro de Araguaia, onde há uma passagem destinada a pedestres. "A cancela que desce quando os trens estão vindo não fechou em nenhum momento. Os trens não passaram naquele momento em que estávamos lá", afirma ele. Por isso, diz, não houve obstrução da linha. O trem de passageiros já havia passado no momento em que o ato aconteceu. Ele circula ali apenas uma vez ao dia e, às sextas, dia da semana em que houve o ato, o trem chega a Marabá, vindo de Paraupebas, entre 8h19 e 9h04, e sai de Marabá para São Luís entre 8h29 e 9h14. O protesto, segundo o próprio documento da Vale anexado ao inquérito, ocorreu por volta de 9h55. A empresa não informou quantos trens de minério deixaram de circular por conta da manifestação.

Um vídeo ao qual o EL PAÍS teve acesso mostra que a manifestação estava, de fato, no local de intersecção, por onde cruzam motos, carros e até um caminhão no momento do ato. Enquanto isso, um morador do bairro faz uma fala em um microfone contra a Vale. Apesar de o vídeo mostrar a participação de mais pessoas no ato, Medeiros foi o único acusado pela empresa e o único indiciado. O delegado afirma que abrirá uma investigação contra os outros participantes do ato posteriormente.

"O pessoal diz que eu fui o único responsabilizado porque sou o único negro. Mas acho que é porque eu sou atuante. Organizo um festival de cinema, produzo filmes sobre a situação na região. Eles queriam pegar alguém que pudesse servir de exemplo em uma clara tentativa de intimidação", ressalta ele, que no momento produz um documentário sobre os danos que as obras de duplicação dos trilhos da estrada de ferro causaram em bairros da região. "Eu estou sendo processado e citado como bandido por participar de um ato em solidariedade a vítimas de uma barragem", ressalta.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Em terra de índio, a mineração bate à porta

Por: Caco Bressane, Ciro Barros, Iuri Barcelos*
Mesmo com a proibição constitucional, órgãos federais têm posição oposta sobre a validade de registrar processos minerários em território indígena.  Atualmente, um terço dessas áreas na Amazônia Legal é cobiçado; o Pará é o campeão nacional
Atualmente, mesmo antes de qualquer regulamentação que trate especificamente da mineração em terras indígenas, um quarto delas registra processos minerários no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), autarquia ligada ao Ministério de Minas e Energia (MME), responsável pelas atividades mineradoras do país.
Levantamento da Pública com base em dados do Instituto Socioambiental (ISA) e do DNPM mostra que a mineração, uma atividade que sobrevive do proveito da terra, sobretudo a inexplorada, está cada vez mais atraída pelos territórios indígenas do Brasil. Na Amazônia Legal, por exemplo, região que engloba nove estados, um terço das áreas indígenas tem processos desse tipo, que vão do desejo de explorar ouro, diamante e chumbo a minérios como cassiterita, cobre e estanho. Nessa região, a proporção é de uma terra indígena para cada dez processos minerários. Campeão nacional, o Pará concentra 50% desses processos em Tis já identificadas oficialmente pela Funai.
Em algumas situações, áreas indígenas paraenses estão completamente cobertas pela cobiça da mineração, que, a despeito da recente queda dos preços das commodities, teve uma produção que praticamente dobrou na última década e fora fomentada, principalmente, por empresas como a Vale S.A., uma das maiores do mundo no setor e segunda colocada no ranking das empresas com mais processos minerários em Tis.

O garimpo suja o Tapajós
Lideranças indígenas falaram sobre a questão durante o último Acampamento Terra Livre, mobilização indígena realizada em Brasília no mês passado. Os depoimentos evidenciam não só a preocupação com a mineração, mas com a invasão de garimpeiros, atividade também proibida a não índios. A invasão de terras indígenas em busca das riquezas naturais do território vem aumentando. Segundo os dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), as ocorrências de violência contra o patrimônio dos indígenas subiram de 11 casos registrados em 2003 para 84 casos em 2014: aumento de mais de 600%. Segundo o Cimi, violência contra o patrimônio são invasões de terras indígenas para exploração ilegal de recursos naturais, posse da terra e danos diversos.
Maria Leuza Munduruku, da terra Sawré Muybu, conta que o garimpo vem sujando o rio Tapajós. “Tem muita gente estranha vindo de outras cidades pra garimpar lá dentro. A gente perde o nosso peixe, e não dá pra comer porque fica muito sujo. A gente acaba não podendo viver como a gente sempre viveu”, denuncia. Na internet, numa rápida pesquisa, é possível achar sites que promovem o garimpo na região Norte. No blog Jornal do Ouro, o anúncio é didático: “Negociação de áreas e garimpos com ouro e diamantes no Tapajós. Quer comprar? Quer vender? Quer parceria?”. O responsável pelo blog, o geólogo Alain Lestra, uma espécie de despachante minerário, é um dos que mantêm interesse minerário na Sawré Muybu com autorização federal. Procurado, ele não retornou o contato.
O caso da Sawré Muybu é mesmo emblemático. Terra delimitada no ocaso da gestão Dilma Rousseff, em abril passado, os 178 mil hectares têm um histórico de longa espera pela demarcação. O relatório de identificação da área estava pronto desde setembro de 2013 e ficou engavetado por questões políticas, como revelou a ex-presidente da Funai Maria Augusta Assirati em entrevista exclusiva à Pública. Segundo o documento, 94 processos minerários incidiam sobre o território, 20 deles requeridos em 2013.
Localizada no município de Itaituba, a 1.300 km da capital Belém, a região sofre com o garimpo ilegal desde a década de 1980. As lideranças Munduruku denunciaram à reportagem em Brasília que a atividade garimpeira seguiria normalmente mesmo com a identificação da terra. Na ocasião, Maria Leuza afirmou esperar uma atitude da Funai. “Tem que mandar umas equipes para tirar essas pessoas que vêm fazendo garimpo ilegal.” Até o fechamento, a Funai não retornou o pedido de esclarecimento.
Atualmente, os processos minerários incidem em mais de 90% do território da Sawré Muybu. Pelo menos 20 desses processos são títulos de atividade minerária, como pesquisa e lavra garimpeira, caso do garimpo de ouro e diamante do geólogo Alain Lestra.
Por se tratar de um assunto espinhoso, é preciso esclarecer que um processo minerário se divide em interesses e títulos minerários. “Interesses” são requerimentos de pesquisa, bem como os de lavra garimpeira, e marcam prioridade do requerente, o que pressupõe uma expectativa de direito. Já os “títulos” abrangem as autorizações ou alvarás de pesquisa, requerimentos de lavra, concessões de lavra e licenciamento, ou seja, constituem direitos individuais concedidos pelo Poder Público.
Confusão sem fim
A mineração em terras indígenas está prevista no artigo 231 da Constituição Federal, mas só pode ser exercida se regulamentada por legislação específica, ainda inexistente. Por isso, qualquer atividade minerária em Tis é ilegal. Durante a apuração da reportagem, no entanto, uma questão gerou confusão entre órgãos federais: o que vai acontecer com os títulos de atividade minerária na recém-identificada Sawré Muybu?
Em uma dúzia de entrevistas com especialistas na questão, o consenso passou longe. Segundo o ex-servidor da Funai Nuno Nunes, que atuou até o ano passado como coordenador de Transporte e Mineração na Coordenação Geral de Licenciamento Ambiental, é preciso que os índios procurem o Ministério Público Federal para denunciar. “O DNPM tem que ser movido judicialmente para suspender essas concessões de lavra”, afirma. Ele esclarece que o sistema de alerta só é automático quando ocorre a homologação da terra, ou seja, quando há a chancela presidencial. “Quando homologa, todos os cartórios da região, todo o sistema burocrático reconhece”, diz. Para ele, a Funai já poderia ter enviado um ofício ao DNPM pedindo a suspensão desses títulos minerários.
Por outro lado, a superintendente substituta do DNPM no Pará, Adriana Pantoja, alega que a terra indígena ainda consta nos mapas da superintendência como delimitada e não identificada, tarefa de atualização que, segundo ela, cabe à sede do órgão, em Brasília.
Em 2014, procuradores do MPF-Pará recomendaram ao DNPM que indeferisse todos os requerimentos de pesquisa e lavra mineral que incidissem em terras indígenas, pela ausência da regulamentação do tema pelo Congresso. A Funai defende a mesma posição ao alegar em nota que a “atividade de mineração em terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, independente da fase do procedimento administrativo, é ilegal”.
Nesse ponto, novamente, os órgãos não se entendem com o DNPM. Falta consenso sobre a legalidade ou não de os títulos minerários incidirem em áreas indígenas, por exemplo, quando é emitida uma autorização de pesquisa.
L. D., servidor do DNPM no Pará, explicou, sob a condição de não ter seu nome revelado, que existem duas correntes de pensamento a respeito da mineração em áreas indígenas. “Uma que diz que é possível”, a qual ele pertence. “E outra que diz que não é possível”, argumenta. Para ele, se alguém requerer dentro de uma área indígena, o pedido deve ser indeferido, justamente por causa da falta de regulamentação. Mas o servidor pondera: “Entendo que o direito de pedir enquanto não se homologou a terra é facultado a qualquer pessoa. Agora, se ele será atendido ou não é outra coisa”, diz.
Um pedido de processo mineral, seja um título ou interesse, garante ao requerente a prioridade sobre a mineração na TI, o que poderá se transformar em lucro caso a regulamentação seja aprovada no Congresso. Além disso, nessa circunstância, o título pode ser especulado em bolsas de valores. “Isso é mercado futuro, de commodities. Com um título desses, o cara consegue especular na Bolsa de Chicago, que negocia o futuro”, diz Nuno Nunes.
“Olho grande” do PL 1.610/96
“Vai sobrar o que agora?”, pergunta Mário Nicácio, índio do povo Wapichana, e coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), que se diz preocupado com o PL 1.610/1996, que pretende regulamentar a mineração em terras indígenas.
Yanomami chegam a ter 92% das pessoas contaminadas por mercúrio (Foto: Marcos Wesley/ISA)
Um estudo publicado no início do ano pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) revelou que algumas aldeias Yanomami de Roraima chegam a ter 92% das pessoas examinadas contaminadas por mercúrio, usado na mineração do ouro, o que pode acarretar, entre outras enfermidades, doenças cardíacas e neuromotoras. Segundo o ISA, estima-se que 5 mil garimpeiros atuem nessa TI, que sofre há décadas com a invasão de suas terras.
“Todo ano a polícia vai, retira e destrói o garimpo. Mas chega no outro ano está tudo lá de novo. O garimpo está atrapalhando muito o desenvolvimento da comunidade. Há um sério risco de vida daquela população”, afirmou Mário Nicácio, índio do povo Wapichana. “É preciso agora descobrir quem está financiando esse garimpo para acabar com essa onda de invasões”, sugere.
O problema não é novo. Entre 1986 e 1990, ao menos 20% da população morreu em função de doenças e violências causadas por 45 mil garimpeiros. Nos anos 1990, no episódio chamado de Massacre de Haximu, o primeiro caso julgado pela Justiça brasileira no qual os réus foram condenados por genocídio, garimpeiros invadiram uma aldeia Yanomami e assassinaram a tiros e golpes de facão 16 indígenas, entre eles idosos, mulheres e crianças. Atualmente, Roraima tem interesses minerários em terras indígenas que cobrem toda a extensão das terras Araçá, Barata/Livramento e Boqueirão.
*Fonte: A Pública

sábado, 7 de maio de 2016

A gigante Vale contra o professor no Pará

Mineradora processa professor universitário, que recebe apoio da comunidade acadêmica internacional

Por Felipe Milanez*

Um trilho, um trem, muito minério nas costas e muita gente na frente. Esse é o caminho diário das milhares de toneladas de minério de ferro que a Vale carrega para exportação do interior da Amazônia, no Pará, para o Terminal Marítimo da Ponta da Madeira, em São Luís, no Maranhão. No percurso o trem cruza índio, quilombola, camponês, floresta...

E enfrenta quase diariamente manifestações das comunidades atingidas. No fim do ano passado, o trem cruzou com um protesto, como tantos que ocorrem. E dessa vez, a Vale mirou em um professor para processar e tirar do caminho.

O professor da Faculdade de Educação do Campo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), Evandro Medeiros, participou de um ato de protesto em novembro que ocorreu nos trilhos da Vale, junto de professores, técnicos e estudantes da universidade.

O ato era em solidariedade à população vitima do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana (MG), que provocou o maior desastre ambiental da história do Brasil, e não teria chegado a interromper nenhuma composição de trem, sendo considerado apenas simbólico.

A Samarco é de propriedade da Vale e da BHP Billiton, e as duas gigantes se tornaram alvos imediatos de protesto e cobranças públicas de suas responsabilidades no país todo. Como escrevi ano passado aqui na CartaCapital, há motivos de sobra para quem vive no Pará ter medo de que algo parecido venha a ocorrer.

Através de uma investigação privada (portanto, não realizada pela polícia), baseada em fotografias do ato e em comentários nas redes sociais, a Vale chegou à conclusão, que apresenta como de “autoria e materialidade”, de que Medeiros era “o líder” do ato que teria “interditado” a ferrovia, e como tal, nessa visão, caberia a ele responder criminalmente.

Acusa o professor de praticar algo como “justiça pelas próprias mãos”, e de infringir norma legal ao interromper a circulação dos trens. Para a gigante mineradora, o professor teria sido “responsável pela convocação da população em ato preparatório no Campus 1 da UNIFESSPA, reunião que se comprova com o cartaz anexo divulgado pelo líder da manifestação nas redes sociais.

Para além disso, "exerceu liderança durante a interdição ao coordenar o ato, conforme prova documental”. A companhia propôs então uma “queixa crime” contra o professor.

A primeira audiência desse processo criminal ocorreu na última quinta-feira, 5 de maio, e provocou novos protestos da população contra a Vale, em Marabá, que fecharam, dessa vez, a Rodovia Transamazônica.

A Vale compareceu com seus advogados e Medeiros compareceu assistido por advogados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O Ministério Público propôs um acordo em que o professor pagaria à mineradora um salario mínimo. A advogada da Vale propôs ao professor prestar serviços comunitários por 15 dias.

Medeiros recusou tanto a oferta do MP quanto da Vale, alegando inocência. E justificou: “Tenho uma vida dedicada a ‘serviços comunitários’, como professor e como cidadão, reconhecido por muitos, por isso ocupo um cargo na pró-reitoria de extensão da UNIFESSPA. Não preciso ser forçado pela Justiça a realizar ações em beneficio de comunidades carentes e setores populares. A mineradora Vale sim, e mesmo assim não atende plenamente as reivindicações dessas comunidades.”

Na última semana passou a circular na internet um grande manifesto de apoio ao professor, com a assinatura de pessoas de peso da academia internacional, como o português Boaventura de Sousa Santos, da Universidade de Coimbra, o peruano Aníbal Quijano, da Universidad de San Marcos, a pedagoga Celi Taffarel, da UFBA, a filósofa Déborah Danowski, da PUC Rio, Carlos Vainer e Henri Ascerald, do IPPUR/UFRJ, e intelectuais ativistas como Jean Pierre Leroy, da FASE, Paulo Fonteles Filho, da Comissão Estadual da Verdade do Pará, a psicanalista Maria Rita Kehl, diversos professores e professoras da UNIFESSPA e da UEPA, da Federal do Maranhão, do Oeste do Pará, UFRJ, e do Brasil todo. Inclusive eu, autor dessa coluna e professor da UFRB, subscrevo o manifesto em solidariedade ao colega professor. O manifesto, que está na plataforma Avaaz, já tem mais de 600 assinaturas.

Procurei a Vale para saber o que acontece e a razão pela qual ela, uma gigante mundial, processa o professor do interior da Amazônia. A informação é de que nesses casos de protestos coletivos, sempre que ocorrem, a Vale procura as lideranças para serem responsabilizadas. A Vale diz que o ato no trilho impediu o transporte de cargas e de passageiros, o que coloca em risco seus compromissos profissionais.

E diz ainda que “está obrigada a requerer judicialmente a desocupação da linha e o restabelecimento das condições de segurança ferroviária em caso de bloqueio do tráfego de trens por terceiros”.

O professor contesta as acusações. Diz que não havia um líder, que o evento foi organizado coletivamente por pessoas que fazem parte da universidade e dos movimentos sociais.

E contesta a investigação privada da companhia que tenta individualizar nele a conduta coletiva e criminalizar o protesto político: “Por que eu? Por que eu sou negro? Por que eu sou maior?”, questiona. E afirma, ao contestar a proposta de um acordo e defender a liberdade de protesto:

“Por isso, por dignidade, respeito aos moradores dessas comunidades impactadas, em solidariedade as vítimas de Mariana e às outras pessoas também processadas e investigadas criminalmente a mando da Vale, contando com o apoio de centenas de colegas professores de universidade e comunidade acadêmica de todo País, eu não aceitei a proposta de conciliação para encerrar o processo. Prefiro responder criminalmente e enfrentar a Vale de cabeça erguida, para mostra para a população de Marabá que a ganância de uma empresa não é maior que a dignidade de um cidadão, muito menos de um povo inteiro.”

Medeiros é um professor conhecido pelo comprometimento com a pedagogia do campo, com a pedagogia transformadora da realidade e com as lutas sociais. Entre os muitos alunos e alunas que o admiram, estava a ambientalista popular Maria do Espírito Santo, que foi assassinada ao lado de seu companheiro José Cláudio Ribeiro da Silva em 24 de maio de 2011. Estudante de especialização em pedagogia do campo, ela dedicou a Medeiros um agradecimento especial ao concluir o seu trabalho de final de curso: “Ao coordenador do curso, Evandro Medeiros, que durante estes anos de formação sempre procurou educadores/as que estivessem imbuídos neste processo de mudanças dos sujeitos do campo.”

Medeiros também é produtor e diretor de filmes que documentam a história da região, como “Dezinho: vida sonho e luta” (2006), sobre o assassinato do líder sindical José Dutra da Costa, no Pará, “Araguaia Campo Sagrado” (2010), e “Escola Quilombo” (2014).

Ele trabalha o cinema como uma ferramenta de educação e de construção da memória e é organizador do festival internacional de cinema, o CINEFRONT, do qual sou curador. Os filmes são mostrados em escolas da região, em aldeias indígenas, em salas de cinema, no acampamento da juventude do MST na Curva do S, e nos diversos campi da UNIFESSPA.

Por isso, ao mirar em Medeiros e colocá-lo no papel de inimigo a ser processado criminalmente na queixa-crime, a Vale tem provocado uma forte reação contrária da população local, como a que foi demonstrada nos protestos durante a audiência nessa semana, nas redes sociais, na enxurrada de apoio e solidariedade ao professor. Diante disso, não parece que essa ação vai diminuir as insatisfações com a Vale e com o crescimento da mineração no Pará.

A Vale chegou no Pará durante a ditadura e foi o carro-chefe, ou melhor, a “locomotiva” do Projeto Grande Carajás (de 1980), que transformou profundamente a região que veio a se tornar a mais desmatada e violenta em toda a Amazônia.

Nos últimos anos, o aumento massivo da extração e exportação de minério de ferro, em estratégia que serve também para enfrentar o baixo preço das commodities, tem aumentando, também, os conflitos.




A Vale atualmente está expandido as atividades com a nova mina S11D, e duplicando a ferrovia. Se no Plano de Mineração Nacional 2030, de 2011, o governo federal tratava a Amazônia como “a fronteira de expansão da mineração no Brasil” e planejava aumentar a exportação de ferro de 231 milhões de toneladas, previstos para 2015, para 797 milhões de toneladas, em 2030, as principais preocupações estão relacionadas justamente aos “conflitos sobre o uso e a ocupação do território”. Essas preocupações são chamadas pela Vale nos seus relatórios anuais de "risco" da população local.

Risco é uma questão de percepção e perspectiva. O risco que a companhia enxerga é, certamente, diferente do risco e da vulnerabilidade a que está exposta e que é percebida pela população local. Vide Mariana, as 19 pessoas mortas e outras milhares com a vida afetada, o rio morto e o apocalipse ecológico, cuja tragédia, o maior crime ambiental da história do país, completou seis meses.

Abaixo, na íntegra, o manifesto de apoio ao professor e a nota da Vale em resposta à CartaCapital.

Manifesto em apoio ao Professor Evandro MedeirosEm novembro de 2015, estudantes, técnicos e professores da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) organizaram um ato em solidariedade aos moradores de Mariana (MG), que, no mesmo mês, sofreram com o rompimento da barragem de rejeitos do Fundão da Samarco/Vale, que causou um dos maiores desastres socioambientais ocorridos no mundo.

O ato, por um lado, questionava as perdas humanas que o desastre provocou, além da destruição de residências, das áreas de produção de alimentos, da floresta, do assoreamento da calha do rio Doce, que aumentou os riscos de enchentes e da presença de metais pesados no rio, provocando riscos de proliferação de doenças crônicas.

Por outro lado, a mobilização também questionava a irresponsabilidade da empresa Samarco, que tem sua composição acionária dividida entre Vale (50%) e a BHP Billiton Brasil Ltda (50%), no tratamento do desastre, uma vez que a mesma não possuía os sistemas de alertas sonoros exigidos por lei, que precisariam ser acionados em caso de desastre, nem uma equipe treinada para assessorar a comunidade após o rompimento da barragem.

O ato promoveu intervenções artísticas, debates e colocou em prática um dos princípios fundamentais da Universidade no Brasil, que é a extensão universitária, princípio este definido pelo Fórum de Pró-Reitorias de Extensão das Universidades Públicas brasileiras como um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre Universidade e outros setores da sociedade.

Entretanto, a mineradora Vale, na tentativa de criminalizar o ato, abriu uma Queixa Crime contra o professor Evandro Medeiros da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) em processo número 0099446-03.201.5 da 1ª Vara de Juizado Especial Penal de Marabá, enquadrando-o no artigo 345 do Código Penal de exercício arbitrário de suas próprias razões.

É necessário afirmar que ato foi uma reunião coletiva para reflexão não havendo, portanto, nenhum tipo de ação violenta que justificasse qualquer denúncia de crime. Por isso, esta queixa crime movida pela mineradora Vale não ataca apenas o professor Evandro Medeiros, mas a autonomia universitária de realização do princípio da Extensão Universitária, bem como também ataca o direito de manifestação e de reunião que é um direito constitucionalmente garantido.

Da mesma forma, outros cidadãos como Tiago Cruz, Iara Reis, João Reis, Waldy Gonçalves Neves e alguns moradores do Bairro Alzira Mutran em Marabá, também são alvos de inquéritos da Polícia Civil, a pedido da Vale, por se organizarem para lutar por seus direitos.

Repudiamos, portanto, as tentativas de intimidação à liberdade de expressão, de reunião e de reflexão, pela via do poder judiciário, empreendidas pela empresa Vale a quem se manifesta contra seus interesses, bem como manifestamos total solidariedade ao professor Evandro Medeiros.

A ganância de uma empresa não pode tornar a pesquisa, reflexão e luta pelos direitos humanos um crime.

Nota da Vale, enviada pela assessoria de imprensa na quinta-feira 5:

O professor Evandro Medeiros é réu em ação movida pela Vale por ter obstruído a Estrada de Ferro Carajás, no dia 20 de novembro, no município de Marabá, em uma manifestação contra o desastre com a barragem da Samarco, em Mariana (MG).

O protesto impediu o transporte de cargas e passageiros. Por dia, cerca de 1.300 pessoas utilizam o trem de passageiros da Vale para se locomover entre os estados do Maranhão e Pará. Para muitos dos 27 municípios a ferrovia é o único meio de transporte da população.

Em casos de obstrução da linha férrea, a empresa precisa adotar os procedimentos judicias para preservar o direito de propriedade e a manutenção do transporte de cargas e passageiros, conforme determinado no contrato de concessão celebrado com a União.

Logo, em cumprimento à legislação vigente, a Vale está obrigada a requerer judicialmente a desocupação da linha e o restabelecimento das condições de segurança ferroviária em caso de bloqueio do tráfego de trens por terceiros.

A pessoa que invade ou obstrui a ferrovia será acionada judicialmente e responderá a inquérito policial e ação penal, podendo gerar uma aplicação de multa diária e prisão, de acordo com a decisão judicial.

É importante ressaltar que a ocupação da ferrovia compromete a segurança das operações e, principalmente, da população, dos empregados e dos usuários do trem de passageiros, tendo em vista que as locomotivas transportam grande quantidade de combustível.

Além disso, um trem, quando carregado, precisa de pelo menos dois quilômetros para parar completamente após o acionamento dos freios de emergência e de 500 metros quando não está carregado. Em caso de manifestações onde há queima de pneus ou madeira, por exemplo, o risco de explosão pode se tornar maior.

A Vale respeita e acredita na livre manifestação e destaca que não ingressa na Justiça com o intuito de proibir protestos ou manifestações de qualquer natureza em relação às suas atividades.

Como forma de buscar soluções conjuntas para a gestão de impactos socioculturais, econômicos e ambientais, e, com vistas ao desenvolvimento sustentável, a empresa mantém equipes dedicadas ao contínuo relacionamento com as comunidades vizinhas às suas operações.

*Publicado originalmente no blog do Felipe Milanez no sítio da Carta Capital

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Após críticas de ONG, Marinha retira sigilo de estudo sobre lama no Rio Doce


Por Leo Rodrigues*
A Marinha do Brasil decidiu retirar o sigilo sobre um estudo realizado com o navio hidroceanográfico Vital de Oliveira. Em novembro de 2015, a embarcação foi utilizada para a produção de uma pesquisa nos arredores de Linhares, no Espírito Santo, sobre o impacto da lama de rejeitos que vazou após o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco, no mesmo mês. A tragédia no município de Mariana, em Minas Gerais, levou poluição à bacia do rio Doce e ao mar no litoral norte do Espírito Santo.
A decisão da Marinha ocorre após a organização não-governamental (ONG) Transparência Capixaba contestar a falta de transparência em relação à pesquisa. “Pela Lei de Acesso à Informação, não há absolutamente qualquer motivo para que estas informações sejam consideradas sigilosas ou que envolvam a segurança nacional”, diz Edmar Camata, integrante da ONG. Ele entende que os resultados do estudo são relevantes para a sociedade e imprescindíveis para que se possa ter conhecimento dos danos que a tragédia causou.
A Transparência Capixaba pretendia questionar judicialmente o sigilo. “A ação natural voltada para obter uma informação pública é o habeas data [ação para o cidadão obter informações sobre ele próprio]. Mas estamos avaliando esse caso em detalhes. Talvez seja necessária primeiramente uma ação específica para derrubar o sigilo”, explicou ontem Edmar Camata.
A pesquisa foi realizada com o objetivo de subsidiar ações de recuperação ambiental de diferentes esferas do governo. A Marinha informou que, conforme tratado entre todos os envolvidos no processo de pesquisa, os resultados deveriam ser repassados aos órgãos ambientais, para então ser emitido um parecer técnico conclusivo.
Com o sigilo, somente a União poderia ter acesso aos dados levantados durante os próximos cinco anos. No entanto, a Marinha anunciou em nota que, “com o objetivo de ampliar divulgação do relatório técnico juntamente com a análise conclusiva, retirou o sigilo do documento, tornando-o ostensivo”.
Acesso à informação
A ONG Transparência Capixaba descobriu que os resultados do estudo estavam sob sigilo ao solicitá-los à Marinha. Na ocasião, foram informados de que, no dia 11 de janeiro de 2016, um termo de classificação havia sido publicado com o intuito de garantir que as informações ficassem restritas à União. Apesar do anúncio de divulgação do relatório, a ONG ainda não obteve o documento.
Segundo Edmar Camata, o episódio não é uma novidade. Ele destaca que tem havido, de forma geral, uma dificuldade para obter informações referentes aos desdobramentos do rompimento da barragem em Mariana. “Desde que ocorreu a tragédia, há uma déficit de informação muito grande. Quando começamos a demandar alguns órgãos públicos, notamos que havia um conluio das empresas e dos governos para negar informação”, criticou Camata.
A Agência Brasil também solicitou à Marinha o relatório e a análise técnica do estudo e aguarda uma resposta do órgão.

*Fonte: Agência Brasil - Edição: Denise Griesinger

domingo, 29 de novembro de 2015

STJ ordena paralisação de mina da Vale no Pará e empresa desobedece

Ordem é de 8 de outubro, a pedido do MPF, em vista de contaminação por metais pesados no rio Cateté e por descumprimento da licença ambiental

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou no dia 8 de outubro a paralisação das atividades da mineração Onça Puma, da Vale, em Ourilândia do Norte, no sudeste do Pará. A paralisação responde a pedido do Ministério Público Federal (MPF) que aponta o descumprimento da licença ambiental da mina e a contaminação do rio Cateté por metais pesados.

A contaminação, possivelmente causada pelo empreendimento de extração de níquel, já provocou casos de malformação fetal em aldeias dos índios Xikrin. A situação é ainda mais grave porque a Vale até hoje não instalou os projetos de compensação socioambiental que são obrigatórios pela legislação brasileira e expressamente determinados na licença ambiental da mineradora.

Para o ministro Francisco Falcão, presidente do STJ e responsável pela suspensão da mina, “na seara da atividade de extração mineral a questão da preservação do meio ambiente, intimamente ligada à preservação da saúde, tem sempre enorme relevo. Assim, imperativo aplicar-se os princípios da prevenção e da precaução à questão em exame”. No entanto, passados mais de um mês da decisão, a mineração de níquel da Vale continua funcionando normalmente em Ourilândia do Norte.

O processo do MPF contra a Vale no caso da Onça Puma tramita desde 2012. Foi só em agosto de 2015 que uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1), em Brasília, ordenou a paralisação do empreendimento, diante de laudos que comprovam a contaminação do rio Cateté por metais pesados bioacumulativos. A Vale não chegou a paralisar as atividades porque obteve, logo em seguida, um mandado de segurança no mesmo Tribunal que suspendeu os efeitos da decisão anterior. O MPF, por sua vez, recorreu ao STJ e conseguiu a nova ordem de paralisação, que até agora não foi cumprida pela empresa. Nessa semana, o STJ enviou ofício à Justiça Federal em Redenção (onde começou o processo judicial) para que obrigue a paralisação.

“A Vale tem instalado diversos empreendimentos nos arredores das terras das Aldeias Xikrin. Há projetos futuros para serem instalados, como o S11D. Inclusive, foram protocolados pela Vale, no DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), pedidos de exploração dentro das Terras Indígenas, provavelmente na expectativa da aprovação do Marco Regulatório da Mineração, que admitirá a exploração minerária no interior de terras indígenas. Ou seja, os Xikrin se encontram em território sitiado por diversos empreendimentos da Vale”, explica a procuradora da República Luisa Astarita Sangoi, uma das responsáveis pelo caso.

Além da paralisação da mina, o processo judicial sobre a Onça Puma também trata da compensação socioambiental aos índios. Em violação à legislação ambiental, a empresa instalou a exploração minerária sem implantar os planos e projetos para mitigar e compensar os impactos que causa às comunidades. Por decisão judicial, foi obrigada a pagar, a partir de agosto de 2015, o valor mensal de R$ 1 milhão de reais para cada aldeia afetada.

O STJ aceitou um pedido da mineradora para que o dinheiro fosse, por enquanto, depositado em juízo e não repassado aos índios. Mesmo assim, a Vale não vem depositando os valores em dia e não cumpriu ainda o repasse da parcela de novembro.

Entenda o caso

As três aldeias Xikrin da região do Cateté, no sudeste do Pará, entre as cidades de Ourilândia do Norte, Parauapebas e São Félix do Xingu, foram cercadas por quase todos os lados por uma das atividades econômicas mais poluidoras, a mineração. São 14 empreendimentos no total, extraindo cobre, níquel e outros minérios, todos de propriedade da Companhia Vale do Rio Doce, alguns já implantados, outros em implantação. Um dos empreendimentos, de extração e beneficiamento de níquel, chamado Onça Puma, implantado sem o cumprimento da legislação ambiental, em sete anos de atividade contaminou com metais pesados o rio Cateté e inviabilizou a vida dos cerca de 1300 Xikrin. Casos de má-formação fetal e doenças graves foram comprovados em estudos. Um processo judicial do MPF tenta desde 2012 paralisar a mineração e assegurar compensações devidas aos índios.


Íntegra da decisão do STJ:
www.prpa.mpf.mp.br/news/2015/arquivos/STJ_suspende_Onca_Puma_Vale_PA.pdf

Fonte: Ministério Público Federal no Pará

sábado, 21 de novembro de 2015

Pará: MPF recorre para que Vale indenize povos indígenas por danos ambientais e à subsistência física

Recurso visa assegurar compensação econômica a comunidades afetadas por atividades da mineradora

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou nesta sexta-feira, 13 de novembro, recurso contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que suspendeu compensação financeira pela mineradora Vale S/A aos povos indígenas Xikrin e Kayapó, localizados no Pará. O agravo regimental, assinado pelo subprocurador-geral da República Nicolao Dino, foi encaminhado ao presidente daquela Corte, que havia determinado o bloqueio em conta judicial dos valores arbitrados, enquanto permanecer decisão suspensiva.
Este ano, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região ordenou que a empresa e sua subsidiária Onça Puma Ltda paralisassem atividades de empreendimento naquele município até a implementação de plano de gestão econômico e de medidas preventivas, bem como ao depósito de R$ 1 milhão por mês para cada uma das sete aldeias afetadas, a partir de 10 de agosto, até que sejam cumpridas as obrigações pactuadas.
Origem 
Os danos ao meio ambiente e à subsistência física das comunidades foram inicialmente contestados em ação civil pública movida pela procuradora da República no Pará contra a Vale, o Estado do Pará e a Fundação Nacional do Índio (Funai). Juiz federal da Subseção de Redenção/PA antecipou a tutela, obrigando que a Vale realizasse depósitos mensais para os indígenas.
À ação, seguiu-se agravo de instrumento interposto pelo MPF no Tribunal Regional Federal da 1ª Região para suspender as atividades de mineração, o qual foi deferido pelo relator naquela instância. Inconformada, a Vale impetrou mandado de segurança contra ato do relator e obteve liminar favorável.
O caso então chegou ao Superior Tribunal de Justiça por meio de pedido de suspensão de segurança protocolado pelo MPF, sendo o instrumento processual acolhido pela Corte. A Vale e o Estado do Pará apresentaram, na sequência, agravos regimentais contra a decisão. O STJ reformou o entendimento anterior e determinou o bloqueio em conta judicial dos valores arbitrados, sob o argumento de irreversibilidade do pagamento.
Entenda o caso
 Em agosto de 2004, a mineradora Onça Puma conseguiu licença prévia para exploração de ferro e níquel na Serra da Onça e na Serra do Puma, na zona rural dos municípios de Parauapebas, São Félix do Xingu e Ourilândia do Norte, além de áreas sobrepostas à Terra Indígena Xikrin e próximas à Terra Indígena Kayapó, que ficam na região da sub-bacia do rio Caeté.
Em contrapartida, a mineradora se comprometeu a apresentar e executar programas preventivos, mitigadores e compensatórios às comunidades indígenas atingidas. A partir de 2005, a Onça Puma alcançou as licenças de instalação do empreendimento, de operação das atividades de lavra, de beneficiamento de minério e a renovação das atividades de lavra sem, contudo, implementar medidas acordadas para amenizar os impactos etno-ambientais na região.
No recurso, Nicolao Dino sublinhou as graves lesões à saúde humana e ao meio ambiente decorrentes das atividades de mineração. “A poluição dos recursos hídricos é um dado evidenciado em laudos periciais e compõe o quadro fático que embasou a instância regional a determinar paralisação imediata das atividades e alternativa de garantia de subsistência dos membros das aldeias afetadas”, sustentou.
Nicolao Dino também lembrou relatório da Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre a qualidade da água no rio Caeté. O estudo aponta concentração de metais fora dos limites estabelecidos e destaca que, em 2014, houve aumento anormal de casos de malformação de recém-nascidos entre as mulheres do povo Xikrin do Cateté.
“Numa justa e adequada ponderação de valores, o bem vida sobrepõe-se à alegada irreversibilidade da compensação econômica judicialmente determinada, já que em situações tais, estando em jogo a subsistência física, a questão não poderá ser resolvida em perdas e danos. Os danos são irreparáveis, na perspectiva das vidas humanas ameaçadas”, justificou o subprocurador-geral da República.

Confira a íntegra do agravo regimental.
Fonte: Procuradoria-Geral da República

Leia aqui no blog:
Onça Puma: Dois anos depois de conseguir licença de instalação sem consulta prévia, a empresa ainda não cumpriu as condicionantes para compensar e mitigar os impactos sobre os índios (2012)

Procuradora critica decreto de Dilma que classifica desastre como ‘natural’

Enxurrada de lama atinge município de Mariana após rompimento das barragens de rejeitos - Daniel Marenco / Agência O Globo
Por Eduardo Bresciani e Washington Luiz*

A subprocuradora Sandra Cureau, que atua na área de meio ambiente na Procuradoria-Geral da República, criticou o decreto da presidente Dilma Rousseff que classificou como “desastre natural” o rompimento da barragem de Mariana (MG) para que os atingidos possam sacar recursos do FGTS. Para Cureau, a medida poderá ter reflexos nas áreas penal e cível e pode ser usada pela mineradora Samarco, controlada por Vale e BHP, e seus dirigentes para buscar reduzir penas nessas esferas.


– Isso pode ser usado pela Samarco para dizer que não deu causa ao desastre. Isso pode ter reflexo na área penal, também na área cível. Se foi natural, não é responsabilidade de ninguém. A presidente não pode editar um decreto dizendo que um quadrado é redondo, que uma laranja é azul. Esse desastre não é natural – afirmou Cureau, após participar de audiência na Câmara que debate o desastre.
Ela ressaltou que a própria liberação do FGTS já desvirtua o objetivo do fundo, que não deveria ser usado para reparar danos que são de responsabilidade da mineradora. Apesar da preocupação, a subprocuradora disse não acreditar que eventual defesa da Samarco a linha de que o desastre foi “natural” tenha chance de prosperar no poder Judiciário, mesmo que seja para reduzir valores de multas que lhe serão impostas.
– Não acredito que nenhum juiz vá cair nessa, mas é um decreto infeliz. Ainda que a intenção tenha sido boa, é preciso deixar claro que o FGTS nem é para isso – registrou.

Mariana
A subprocuradora afirmou que o acordo de R$ 1 bilhão firmado com a mineradora é apenas para as ações emergenciais e que os danos devem superar esse valor. Segundo ela, a preocupação de fixar um valor rápido foi para que já estivesse liberado o dinheiro para as primeiras fases de reparação dos danos do desastre. Cureau ressaltou que o acordo substitui medidas como eventual pedido de indisponibilidade de bens da empresa.
O presidente da comissão externa da Câmara que acompanha o caso, deputado Sarney Filho (PV-MA), também fez críticas ao decreto e disse esperar que o governo “conserte” o termo usado. Afirmou que caso isso não ocorra o Congresso poderá aprovar proposição sustando o decreto.
– Esse decreto é uma trapalhada. Não vamos aceitar isso – afirmou o deputado.
Mais cedo, por meio da rede social Twitter, o ministério da Casa Civil afirmou que o decreto não exclui a responsabilidade da empresa pela tragédia. Ressalta que o único objetivo foi beneficiar os atingidos com saques do FGTS.
“O decreto nº 8572/2015 foi editado com a intenção de permitir o enquadramento das vítimas do desastre com a barragem do Fundão em Mariana (MG) ao disposto na lei do FGTS. De forma alguma, exime as empresas responsáveis pela reconstrução das moradias dos atingidos ou do pagamento de qualquer prejuízo individual ou coletivo; haja visto o processo de apuração em andamento e as multas já aplicadas pelo Ibama”, afirmou a Casa Civil.
A decisão da presidente Dilma Rousseff de classificar esse tipo de desastre como natural gerou discussões e críticas na internet. A principal reclamação é de que a mudança dá margem para desobrigar a Samarco, empresa responsável pela barragem, de arcar com os danos causados pelo rompimento.
A lei 8.036 de 1990, alterada para incluir as vítimas do acidente, prevê que o trabalhador tem o direito de sacar o FGTS em casos de desastre natural desde que residente em áreas atingidas, em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo Federal. O valor máximo do saque é de R$ R$ 6.220 e é opcional.
Fonte: O Globo

Tragédia em Mariana: quem recebe dinheiro da Vale

Doações eleitorais da empresa que controla Samarco “explodem”. Metade vai para PMDB, partido que controla mineração no governo

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)*


O PMDB recebeu R$ 23,55 milhões dos R$ 48,85 milhões destinados por empresas da Vale a comitês financeiros e diretórios na campanha de 2014. O partido controla o setor de mineração no Brasil, indicando o ministro das Minas e Energia e a maioria dos chefes dos Departamentos Nacionais de Produção Mineral (DNPM). Essas cifras se referem às doações eleitorais de seis empresas ligadas à Vale: Vale Energia, Vale Manganês, Vale Mina do Azul, Minerações Brasileiras Reunidas, Mineração Corumbaense Reunida e Salobo Metais.

Em 2010, a soma das doações da Vale alcançava R$ 29,96 milhões, para todas as siglas. Isso mostra um aumento exponencial do investimento do grupo Vale em campanhas políticas. Mas é mais que isso: naquele ano, a empresa só doava para os comitês e diretórios. Em 2014, doou também para candidaturas específicas, do Congresso à Presidência. Isso soma mais R$ 39,32 milhões drenados da Vale para políticos do governo e da oposição, perfazendo um total de R$ 88 milhões – três vezes mais que em 2010.

Entre os doadores para partidos (comitês, diretórios), o PMDB agora dispara em primeiro lugar com seus R$ 23,5 milhões. Em seguida vêm o PT, com R$ 8,25 milhões, o PSDB, com R$ 6,96 milhões, e o PSB, com R$ 3,5 milhões. PP e PCdoB aparecem empatados com R$ 1,5 milhão cada. DEM e PCdoB receberam R$ 990 mil e R$ 900 mil. A lista é completada com SD (R$ 920 mil), PPS (R$ 800 mil), PSD (R$ 250 mil), PROS (R& 150 mil), PRB e PDT (R$ 100 mil cada) e PEN (R$ 70 mil).

Os dados são da Justiça Eleitoral, compilados pelo Outras Palavras. O quadro abaixo se refere às doações para os partidos, e não para as candidaturas.

Clube dos seis.
PMDB – R$ 23.550.000
PT – R$ 8.250.000
PSDB – R$ 6.960.000
PSB – R$ 3.500.000
PP – R$ 1.500.000
PCdoB – R$ 1.500.000

Fonte: TSE/Outras Palavras

Os números da Vale em 2014 são maiores que os divulgados pelo documento Quem é Quem nas Discussões do Novo Código da Mineração, pois três dessas empresas não estavam na lista feita pelo Ibase. A soma consolida a Vale como uma das maiores doadoras de campanha em 2014. A empresa é, ao lado da anglo-australiana BHP Billinton, sócia da Samarco, a responsável pelo rompimento de barragens em Mariana (MG), em um dos maiores crimes socioambientais da história brasileira. Oito pessoas já foram encontradas mortas e dezenas estão desaparecidas.

Esses R$ 49 milhões em doações para comitês e diretórios ainda não dão conta de todas as doações feitas na campanha de 2014. Isso porque é possível doar para os partidos – pelos comitês e diretórios – ou para candidaturas específicas. Sejam estas para o Congresso, sejam para o Executivo. Na prática, algumas doações para diretórios estaduais foram remanejadas pelo PMDB e beneficiaram candidaturas específicas, em particular a de parlamentares que atuam no Congresso em defesa dos interesses das corporações.

Campanhas majoritárias
A candidatura da presidente Dilma Rousseff (PT) recebeu R$ 12 milhões da Vale Energia (R$ 2,5 milhões), Salobo Metais (R$ 3,5 milhões), Mineração Corumbaense Reunida, a MCR (R$ 4 milhões) e Minerações Brasileiras Reunidas, a MBR (R$ 2 milhões). Bem mais do que a verba injetada pelas empresas nos demais candidatos do partido. O governo federal acena com multas à Samarco pelo vazamento de resíduos em Mariana(MG), que já chegam ao Oceano Atlântico, matando animais, plantas e poluindo rios numa escala pouco vista no mundo.

Esses números representam uma grande inflexão em relação às doações feitas por empresas ligadas à Vale na eleição de 2010. Naquele ano, segundo o Ibase, as doações para o PMDB (R$ 5,76 milhões) apareciam apenas em terceiro lugar, atrás do PT, com R$ 10,38 milhões, e do PSDB, com R$ 6,95 milhões. Ao contrário de 2014, quando as duas siglas também disputaram o segundo turno, a Vale só doava para os comitês nacionais de campanha, ou diretórios nacionais, e não para candidatos individuais.

A campanha do candidato Aécio Neves (PSDB), derrotado no segundo turno, recebeu no ano passado R$ 2,7 milhões da Vale Energia, criada ainda nos tempos da Vale do Rio Doce. Não constam no DCE doações de outras empresas da Vale. A candidata Marina Silva (PSB, hoje na Rede) recebeu R$ 488 mil da Mineração Corumbaense Reunida, a MCR, adquirida pela Vale há alguns anos de uma de suas principais concorrentes mundiais, a Rio Tinto.

O governador mineiro, Fernando Pimentel (PT), também teve campanha financiada por mineradoras. Entre elas, Vale Energia, Vale Manganês, MBR e MCR. Vale Manganês e Vale Minas do Azul (todas essas são da Vale) contribuíram com R$ 1 milhão para a campanha de seu concorrente, o tucano Pimenta da Veiga. Eleito senador, o ex-governador Antonio Anastasia (PSDB) igualmente foi financiado pela CBMM (R$ 500 mil) e empresas da Vale, como Vale Energia (R$ 300 mil) e MBR (R$ 500 mil).

O home das emendas
A MCR aparece como uma das principais doadoras para a campanha eleitoral do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), com R$ 700 mil. A doação foi para o diretório do PMDB, que repassou a verba para o candidato. Ele também recebeu, igualmente por meio do diretório, R$ 1 milhão da CRBS, empresa especializada em prospecção mineral que investiu R$ 32,35 milhões na campanha de 2014, dos quais R$ 4 milhões para o Diretório Nacional do PMDB e R$ 600 mil para a direção fluminense do partido.

Cunha foi o líder em emendas para o novo Código: nada menos que 90. Muito à frente do segundo colocado, Bernardo Vasconcellos (PMDB-MG), que apresentou 24 emendas. Um terço das emendas foram apresentadas por deputados do PMDB.

Fonte: Blog do Alceu Castilho (Outras palavras)

Leia mais:
Relator do Código da Mineração recebeu milhões de empresas do setor na campanha de 2014

A lama da Samarco e o jornalismo que não dá nome aos bois


Leia também: Bruno Milanez: “Auditorias apontaram 27 barragens de rejeitos sem estabilidade garantida” (O Eco)

Belo Monte enfrentará problemas para escoar energia em 2016, diz Aneel

Canteiro de obras do sítio Belo Monte, onde esta sendo construída a casa de força principal da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu
A hidrelétrica de Belo Monte, que está sendo construída no rio Xingu e próxima de iniciar operação, deverá enfrentar problemas para escoar a energia produzida a partir de meados de 2016, uma vez que as obras de transmissão estão atrasadas, apontou relatório da área de fiscalização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
A hidrelétrica, uma das maiores do mundo, com investimentos previstos em R$ 26 bilhões, deverá começar a funcionar em fevereiro do ano que vem. O sistema existente tem capacidade para transmitir a energia das oito primeiras turbinas.
Mas já a partir do segundo semestre de 2016 outros equipamentos de Belo Monte, que terá ao todo 24 turbinas e capacidade de 11,2 mil megawatts, deverão iniciar a operação, demandando linhas extras que só começarão a ficar prontas em 30 de abril de 2017.
“Há, portanto, uma expectativa de descasamento entre as obras de geração e transmissão para escoamento de energia proveniente de Belo Monte”, apontou relatório da superintendência de fiscalização visto pela Reuters.
O primeiro conjunto de linhas adicionais necessárias para escoar a energia de Belo Monte, que está a cargo da espanhola Abengoa, enfrenta atraso devido à não obtenção de licença ambiental de instalação, apontou a Aneel.
A Abengoa, por sua vez, afirmou ao regulador que espera obter a licença até o final deste ano. “Seria importante o envolvimento da diretoria [da Aneel] no sentido de buscar acelerar, com o agente e o órgão ambiental, a emissão de licença de instalação do empreendimento e pressionar o agente de transmissão para que intensifique os esforços no sentido de reverter a previsão de atraso sinalizada”, aponta o relatório da fiscalização.
Construída pela Norte Energia, Belo Monte tem entre os sócios empresas do Grupo Eletrobras, além de Cemig, Neoenergia e a mineradora Vale. A hidrelétrica é importante para o país garantir segurança energética nos próximos anos.
Atrasos em transmissão, muitos deles ligados a problemas no licenciamento ambiental, têm sido um problema recorrente no sistema elétrico brasileiro.
Neste ano, por exemplo, a hidrelétrica de Teles Pires, no Mato Grosso, ficou pronta, mas atrasou a produção devido à falta de linhas para escoar a energia.
A mesma situação foi enfrentada por uma série de parques eólicos no Nordeste, com o atraso em obras de conexão ao sistema que estavam a cargo da estatal Chesf, da Eletrobras.
Não bastasse esse problema, a análise da Aneel aponta riscos no cronograma também do primeiro linhão em corrente contínua para escoar a produção de Belo Monte, que será necessário a partir da décima sexta máquina da hidrelétrica, que está prevista para operar em setembro de 2017.
“Esta obra foi outorgada à BMTE e está prevista para ser concluída em 12 de fevereiro de 2018, data considerável factível pela fiscalização, caso sejam confirmadas as etapas de licenciamento hoje previstas”.
Na semana passada, a chinesa State Grid, que é sócia da BMTE junto com Furnas e Eletronorte, da Eletrobras, admitiu que esperava ter licença ambiental para iniciar a obra do linhão em julho deste ano, uma projeção que não se concretizou.
A área de fiscalização da Aneel também pede “envolvimento da diretoria para antecipar a data de energização” do primeiro linhão, a cargo de State Grid e Eletrobras.
“Caso as previsões da geração sejam efetivadas, teremos restrição no escoamento”, alertam os técnicos da superintendência que monitora as obras.

*Fonte: Folha de São Paulo/Reuters

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Justiça suspende operação de usina após suspeita de contaminação em rio

Por: Lucas Reis*
Os 1.400 índios da terra indígena Xikrin do Cateté, no Pará, não podem mais beber a água do rio que atravessa suas aldeias. A pesca e o banho se tornaram atividades de risco. Os peixes não servem para consumo, e doenças começam a surgir nas aldeias.
O motivo, de acordo com laudo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, é que a água do rio Cateté está contaminada por metais pesados: níquel, cobre, cromo e ferro. O material, segundo o Ministério Público Federal, é proveniente do campo de mineração da usina Onça Puma, da Vale, cuja operação foi suspensa na semana passada após decisão judicial.
O laudo da universidade federal atesta a contaminação e sua origem. Relatos e imagens feitas por um endocrinologista da Escola Paulista de Medicina, que visita as aldeias todos os anos, também corroboram o desastre ambiental na região paraense.
Indígenas constroem barragem vegetal no rio Seco para impedir avanço de peixes em águas poluídas (João Paulo Botelho Vieira Filho/Divulgação)
A empresa recorre da decisão e nega que o rio esteja contaminado. A Vale afirma ainda que, em 2015, repassou R$ 11 milhões aos indígenas.
Em atividade desde 2011, a Onça Puma, com sede em Ourilândia do Norte, no sudeste do Pará, produz anualmente 53 mil toneladas de níquel contido em ferro-níquel.
Para o Ministério Público Federal, a poeira erguida por máquinas, caminhões e explosões contamina o solo e, com a chuva, atinge o rio Cateté, que fica próximo ao empreendimento. O problema ambiental já tem suas primeiras vítimas: há relatos de índios com olhos avermelhados, dor de cabeça, vômitos, lesões na pele, além de seis casos de recém-nascidos com má formação nos últimos três anos.
A paralisação das atividades da Onça Puma é fruto de uma ação de 2012 do Ministério Público Federal. Já naquele ano, o órgão questionava a ausência de um plano de gestão econômica para as aldeias Xikrin e Kayapó, atingidas pela mineração.
“Jamais houve qualquer projeto implementado para compensar os impactos aos indígenas. A Vale precisa impedir a contaminação do rio”, diz a procuradora Luisa Astarita Sangoi, à frente da ação. De acordo com ela, a Onça Puma possui licença apenas do órgão ambiental estadual do Pará, insuficiente para a atividade realizada no local.

"Graves consequências"
Segundo o endocrinologista João Paulo Botelho Vieira Filho, consultor médico das associações indígenas atingidas, a contaminação por metais alterou radicalmente a rotina dos índios, que precisam recorrer a poços semiartesianos e até construíram barragens naturais em outro rio para impedir o avanço dos peixes na água contaminada.
“Há poucos peixes, principal alimento da etnia, e os que restaram não prestam. Os índios comem e vomitam. Estão ingerindo metais pesados”, diz o médico, preceptor do Departamento de Endocrinologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Vieira Filho monitora a saúde dos xikrin no Pará há 49 anos, quando haviam apenas 98 indígenas.
Nas margens do rio, a coloração avermelhada domina. Grotões e poças próximas ao leito acumulam o sedimento tóxico. Os problemas são iminentes, segundo o médico.
“Os metais pesados trazem grave consequência para humanos, animais e a vida silvestre, ocasionando cânceres e desreguladores hormonais. Também pode haver déficit mental, infertilidade, obesidade, diabetes e distúrbios da tireoide”, disse ele.
A decisão, concedida em liminar pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, também inclui a compensação mensal de R$ 1 milhão para cada das três aldeias atingidas até que um plano de auxílio seja colocado em prática. A retomada das atividades da usina também está condicionada ao cumprimento do amparo ao indígenas e proteção da área.
“[O rio] Está inapropriado para consumo de alimento e inclusive para banho”, diz trecho do laudo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, realizado em abril deste ano.

Outro lado
Em nota, a Vale diz que recorreu da decisão, afirma desconhecer o laudo da universidade federal e nega que o rio esteja poluído. A companhia diz que seus próprios monitoramentos atestam que altos níveis de metais na área são causados pela “geologia local”.
Também diz que possui todos os estudos ambientais e que não implanta ações de mitigação de impacto no local por “impedimento dos indígenas”.
*Fonte: Folha de São Paulo