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quarta-feira, 15 de junho de 2016

A morte de Konibu e o crime de genocídio de Romero Jucá

Enquanto era presidente da Funai, Jucá entregou as terras dos índios Akuntsu a seus algozes, diz sertanista


Parte do sofrimento de Konibu deve-se a um ato de Jucá na presidência da Funai: a destinação da terra onde os indígenas viviam para fazendeiros

Por Felipe Milanez*

Na última quinta-feira, 26 de maio, faleceu em Rondônia o indígena Konibu, o velho líder e xamã do povo Akuntsu. Sobrevivente de um genocídio, ele já estava bastante debilitado por um câncer e problemas cardíacos, e tinha em torno de 85 anos., Morreu em paz, deitado na rede dentro da maloca onde viva, auxiliado por agentes de saúde e pelo sertanista da Funai, Altair Algayer.
Se a morte foi tranquila, no entanto, Konibu sofreu muito em vida. E parte desse sofrimento se deve a um  ato político de Romero Jucá enquanto era presidente da Funai: a destinação da terra onde os indígenas vivam para fazendeiros.
Os Akuntsu, seus vizinhos Kanoê e o “Índio do Buraco” são remanescentes de três povos que sofreram um genocídio de 1985 até os últimos ataques documentados em 1995.
O ex-ministro do Planejamento teve participação direta nesse processo enquanto era presidente da Funai (1986-1988): foi ele quem desinterditou a área e a destinou a fazendeiros que cometeram os crimes.


Resolução de Romero Jucá em 1986, publicada no Diário Oficial
Por isso, a morte de Konibu e a tragédia de seu povo trouxeram à tona uma grave questão atual, com Jucá e as articulações políticas contra os direitos indígenas: o governo interino ameaça rever a demarcação das terras indígenas feitas no governo Dilma, exatamente o que Jucá fez em 1986 com os Akuntsu e que levou ao genocídio.
Em  manifestação recente, a ONU denunciou que estes retrocessos podem implicar em “riscos de etnocídios”. A análise do caso dos Akuntsu revela exatamente o que aconteceu nos anos 1980, e pode novamente se repetir. Retirar o status de proteção de uma área ocupada por indígenas e destiná-la a ruralistas pode levar a um genocídio, como o caso dos Akuntsu, o qual Konibu e seu povo foram vítimas.
O caso a participação de Jucá no processo de genocídio dos Akuntsu não foi reportado no relatório da Comissão Nacional da Verdade, mas consta no livro Memórias Sertanistas: Cem Anos de Indigenismo no Brasil (Sesc, 2015). A questão da participação de Romero Jucá no genocídio, ao desinterditar a área, também foi omitida da  notícia veiculada pela assessoria da Funai na semana passada, ao divulgar a morte de Konibu.
O genocídio Akuntsu
Em 1985, o sertanista da Funai Marcelo dos Santos trabalhava no sul de Rondônia com os Nambiquara, e foi a campo verificar a presença indígena em uma área demandada pela Fazenda Guaratira, que negociava créditos do Banco da Amazônia e pediam à Funai uma “certidão negativa da presença indígena”.
Ao visitar a fazenda, Santos foi informado por trabalhadores de que teria ocorrido um massacre em uma fazenda vizinha: “Olha, não pode falar, não, porque este lugar aqui é muito perigoso. Mas eu vou avisar para você. Aqui, nessa fazenda, vocês não vão encontrar índio, não. Mas se vocês forem lá na Fazenda Yvypytã, ‘aconteceu’ alguma coisa. Teve uma confusão lá, porque acuaram os índios e eles correram” (Memórias Sertanisas, página 332).
A Yvypytã era de propriedade de Antonio José Rossi Junqueira Vilela, acusado de comandar um massacre de garimpeiros dentro dessa mesma fazenda, em 1983 (Inquérito Policial 114/83, na delegacia de Vilhena)
Ao ser informado da denúncia, Santos foi junto de um grupo de índios Nambikwara e do documentarista Vincent Carelli procurar vestígios e encontrou uma pequena aldeia com quatro casas destruídas e cápsulas de revolver. Essas cenas aparecem no filme Corumbiara, de Vincent Carelli, que está disponível na internet.
Com as evidências da presença indígena, Santos negou a certidão e pediu a interdição da área. A Funai enviou o sertanista Sydney Possuelo para comprovar as alegações, e o então Presidente da Funai Apoena Meireles assinou a Portaria nº 2.030/E/1986, publicada em 11 de abril de 1986, interditando 63.900 hectares, com base no levantamento de Santos, com o nome de “Área Indígena Omere”.
“Eu desenhei o mapa da interdição com os poucos conhecimentos que eu tinha na época que eu estava lá dentro da área. Mas não tinha andado no mato para saber porque os pistoleiros não permitiam e nos ameaçavam”, relata Marcelo dos Santos em entrevista.
A interdição envolvia três fazendas na época, e os sertanistas podiam entrar na área para investigar os crimes, o que intimidava os fazendeiros a desmatarem e, possivelmente, praticarem novos ataques.
Ficavam também suspensos os financiamentos e por isso a Yvypytã entrou com uma ação judicial e conseguiu uma liminar para desinterditar a área. Em recurso da Funai ao Tribunal Regional Federal, o ministro Lauro Leitão cassou a liminar para manter a área sob interdição, ante “manifesta a possibilidade de grave lesão”, a “iminente possibilidade do aniquilamento físico da população tribal remanescente”, em decisão datada de 21 de maio de 1986.
Com isso, permanecia válida a portaria da Funai, protegida também por uma decisão judicial de segunda instância. Acontece que nesse mesmo mês de maio de 1986 Romero Jucá assumiu a presidência da Funai.
Não foram poucos os crimes cometidos por Jucá enquanto esteve na presidência da Funai, como escreveram recentemente Pádua Fernandes , em artigo no seu blog, e  João Fellet, na BBC, e a participação no genocídio dos Akuntsu vem a se somar a uma série de violência contra os povos indígenas.
Em 12 dezembro de 1986, Romero Jucá revogou a portaria assinada por Apoena Meireles e assinou uma “nova” portaria com o número 1.813 para “desinterditar” a área e revogar a portaria 2030/E, assinada pelo seu antecessor, Apoena Meireles. Ou seja: fez um novo ato administrativo, já que judicialmente a terra estava garantida aos índios, para transferir a posse aos fazendeiros. Há um temor dos povos indígenas que uma estratégia parecida seja utilizada pelo governo interino de Temer.
A decorrência desse ato de Jucá resultou em novas invasões no território indígena, o desmatamento da área, novos ataques aos Akuntsu, aos Kanoe e, sobretudo, também ao “índio do Buraco”, um outro povo indígena que tem agora apenas um único sobrevivente. Sertanistas da Funai, e Marcelo dos Santos especificamente, passaram a ser proibidos de entrar na área. A participação de Jucá nesse processo de genocídio não foi incluída no relatório da Comissão Nacional da Verdade, que apresenta os envolvimentos de Jucá na invasão de garimpeiros na TI Yanomami.
O contato e o convívio com os sobreviventes
Apenas nos anos 1990, quando Sydney Possuelo assume a presidência da Funai em 1991, que Santos consegue autorização para voltar a investigar o genocídio do rio Omere, em Corumbiara. Nesse período, Altair Algayer, que migrou com sua família do sul para Rondônia, se junta à equipe da Funai.
Em 1995, um mês depois do massacre de camponeses em Corumbiara, Santos, Algayer e Carelli encontram dois irmãos Kanoe, Purá e Tiramantu, em uma pequena clareira que viram numa imagem de satélite e, em campo, descobriram ser a aldeia dos Kanoe. As imagens de Vincent Carelli foram parar no Fantástico e serviram para a Funai publicar uma nova interdição da área e reiniciar o processo de demarcação.



Um mês depois do contato com os Kanoe, os sertanistas foram guiados por eles até os Akuntsu. E, no ano seguinte, encontraram vestígios de um novo ataque ao povo do “índio do Buraco”, descobrindo em meio a um desmatamento feito durante o período de chuvas, o que não é comum, casas queimadas, capsulas de revolver, e diversos vestígios materiais de uma pequena aldeia. Isto prova que o ataque aos indígenas, ao menos desde o massacre relatado por trabalhadores da fazenda em 1985, foi constante até 1996.
Durante esse processo de contato com os indígenas, a Funai contou com apoio de uma rede de colaboradores e movimento social, como o cinegrafista Vincent Carelli e sua esposa, a antropóloga Virgínia Valadão, indigenistas da Opan, como Inês Hargreaves, e da Kanindé, como Pedro Rodrigues, Rogério Vargas, Ivaneide Cardoso, e indigenistas do CIMI. A Terra Indígena Rio Omerê foi homologada em 2006.
Morte de Konibu
Os Akuntsu eram sete indígenas em 1995. Konibu, o mais velho, com uma esposa e três filhas, e uma senhora mais velha, chamada Ururu e um filho adotivo, Pupak. Uma das filhas morreu em 2000 quando uma árvore caiu sobre a casa da família. Em 2009, faleceu Ururu.
Após uma epidemia de doenças respiratórias, idas e vindas em hospitais, e uma profunda depressão sobre os índios, Ururu deitou-se na rede e se deixou morrer, sem se alimentar por uma semana. Escrevi sobre esta triste morte na revista RollingStone, e pode ser lido aqui. Algayer acompanhou todos os momentos, e ajudou os indígenas a preparar o funeral.
Novamente, com Konibu, Algayer também assistiu de perto os últimos momentos. Ele diz que as duas filhas e a viúva estão “desamparadas, desorientadas”, assim como Pupak, filho adotivo de Ururu, que continua bastante impactado. “Desde a morte da Ururu, ele ficou muito abatido, sozinho. Acompanhava o Konibu no dia a dia, ajudando na caça. Mas está bastante isolado e solitário”.
O mais sofrido, conta ele, é a parte espiritual. “O konibu era o último xamã, e elas não sabem fazer os trabalhos rituais. Isso cria uma angústia muito profunda, muita tristeza. Elas temem que o espírito dele não esteja bem. Elas não têm mais segurança espiritual, e nem física. É muito triste.”
No dia do funeral, o três remanescentes Kanoe, o indígena Purá, sua irmã Txinamanty, mãe de Bakwa, já estava na base. Txinamanty é xamã, assim como era Konibu, mas são de povos diferentes e possuem e cosmovisões distintas.
“No outro dia da morte, a gente percebeu que ela passou a noite inteira cheirando rapé. Ela fez um ritual sozinha na aldeia dela. E uns dias antes da morte ela vinha e fazia rituais de cura para ajudar o Konibu, que estava em uma situação difícil, na rede.”
Konibu estava na rede praticamente sem conseguir se mexer e convalescendo desde janeiro. Nos últimos dias, ele precisava de ajuda para se levantar e para sentar. “Não tinha mais força”, relata Algayer.
A tragédia de um fim do genocídio é um drama existencial profundo e perturbador, que Algayer enfrenta com um humanismo extraordinário.
Conforme depoimento de Marcelo dos Santos, às paginas 314 do livro Memórias Sertanistas: “Saiu o Apoena e entrou o Romero Jucá. A primeira providência do Romero Jucá: me proibir de entrar na área. Fui proibido de sair dos Nambikwara e entrar na área do igarapé Omerê. E, junto com a minha proibição, ele desinterditou a área.”
E relata: “Foi a primeira manifestação da Justiça sobre o caso. Assim mesmo, o senhor Romero Jucá entregou as terras dos índios isolados aos algozes.”
Em um artigo que assino junto do antropólogo Glenn Shepard, na revista Tipiti, discute essa trágica situação de povos remanescentes de genocídios recentes, as contradições da Funai com relação as demarcações, e a dedicação e o humanismos dos sertanistas, como de Altair Algayer. O texto pode ser acessado aqui.
*Fonte: Carta Capital- Blog do Felipe Milanez

terça-feira, 26 de abril de 2016

Dois cafés e a conta com Jairo Saw

Jairo Saw: "Não queremos ser peça de museu, e sim um povo vivo" - Mauro Ventura / O GLOBO
Liderança indígena fala de como os Munduruku viraram a principal resistência aos planos do governo de construir hidrelétricas

Na terça-feira passada, Dia do Índio, Jairo Saw tinha grandes motivos para comemorar: o relatório da Funai sobre a demarcação de sua terra Sawré Muybu foi publicado no Diário Oficial após três anos de espera. Se em 90 dias não houver contraditório, o decreto será homologado pela presidência. “É histórico”, diz ele, de 47 anos, uma das lideranças do povo Munduruku, que veio ao Rio pela primeira vez, para a Semana Cultural Indígena. A razão da celebração é que agora vai ficar muito mais complicado fazer hidrelétricas na região. Pelos planos do governo, serão construídas 43 grandes barragens no complexo hidrelétrico do Tapajós, onde vivem 12 mil Munduruku. “Estão previstas cinco hidrelétricas, que alagarão uma área de floresta igual à da cidade de São Paulo”, diz ele, que mora numa aldeia urbana, Praia do Mangue, no município de Itaituba, no médio Tapajós, no Pará. O leilão da usina São Luiz do Tapajós, obra prioritária do governo, foi anunciado para o segundo semestre, mas não sairá, se depender dos Munduruku, um povo estrategista e politizado. Em dezembro, eles receberam o prêmio Equador, da ONU, pela luta para proteger seu território. O esforço também virou HQ online, "O jabuti resiste", do Greenpeace, que apoia os Munduruku.

REVISTA O GLOBO: Por que a luta contra as hidrelétricas?
JAIRO SAW: Somos tratados como empecilho para o desenvolvimento econômico do país. Mas não somos contra o desenvolvimento. Queremos é que nossos direitos sejam respeitados. As barragens trazem progresso do ponto de vista do capital, mas existe um povo que vive ali desde sempre e que vai perder sua ciência, sua educação, sua sabedoria, seu conhecimento, sua tradição, seus locais sagrados, o registro dos antepassados. É a cultura e a memória de um povo que se perdem. É uma forma de matar a gente sem precisar de armas. E o rio nos dá vida, é fonte de alimentação e meio de transporte. Sofreremos consequências culturais, econômicas, ambientais, psicológicas e espirituais.

E que consequências há para a sociedade em geral?
Não é só o índio que vai sofrer os impactos. O pariwat (não índio) também. O agronegócio, por exemplo, vê a floresta como terra improdutiva, mas ela é fundamental para o equilíbrio ambiental, e nós nos preocupamos com as mudanças climáticas. Prestamos um serviço ao planeta. Ao nos destruir vocês também estão se destruindo. Ao proteger com unhas e dentes o patrimônio que nossos antepassados nos deixaram não estamos apenas nos defendendo. A natureza tem leis, se as violarmos ela se vinga. A barragem vai alagar terras indígenas, alterar o curso do rio, prejudicar os peixes, pode causar a extinção de espécies. Ninguém melhor que nós para cuidar da Amazônia. Quem diz “é muita terra para pouco índio” não leva em conta que o Brasil era território indígena. Lutamos por um pedaço do que era nosso. E a terra não é grande: estamos sempre nos deslocando. Caçamos, coletamos frutos, frutas e raízes, fazemos rituais. Andamos para manter a floresta viva.

Mas as usinas não são prioritárias para gerar energia?
Há alternativas, como energia eólica, solar, biomassa. E sabemos que não é só uma usina que vai ser construída. Ela é pretexto para entrar na floresta e abrir caminho para mineração. É uma porta aberta para outros “progressos”: garimpeiros, madeireiros, pecuaristas, o crescimento das cidades, com aumento de criminalidade, prostituição, drogas, alcoolismo, problemas de saúde, de saneamento. Basta ver a Usina de Belo Monte. Altamira pulou de 90 mil para 150 mil moradores.

Vocês estão nessa luta há muito tempo, não?
Somos um povo guerreiro, está no nosso sangue. Éramos temidos. Atacávamos de surpresa e em grande quantidade. Nossos troféus eram as cabeças dos nossos inimigos, que simbolizavam poder. Agora, tivemos que aprender duas novas palavras que não existem na nossa língua: preocupação e barragem. Treinamos nossas mulheres para serem cinegrafistas do movimento de resistência dos Munduruku. Fizemos um manual, em português e munduruku, para ensinar como usar a tecnologia, como celular, para denunciar. Tem recomendações como “proteja o cartão de memória após filmar”, “se estiver gravando algo importante não pare de gravar! A imagem corrida tem mais valor como prova”. Quem nos apoia na estratégia de comunicação é a ONG Uma Gota no Oceano. Nunca desistimos. Quando um povo desaparece só é visto no museu. Não queremos ser peça de museu, e sim um povo vivo.

sábado, 9 de abril de 2016

Com acusações contraditórias, PM prende cacique Babau Tupinambá e o irmão na Bahia


Rosivaldo Ferreira da Silva, o cacique Babau Tupinambá, e o irmão, José Aelson Jesus da Silva, o Teity Tupinambá, foram presos no final da manhã desta quinta-feira, 7, pela Polícia Militar (PM) da Bahia no município de Olivença. Ambos tinham passado momentos antes pela aldeia Gravatá, Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença, no extremo sul baiano, onde indígenas Tupinambá denunciavam o crime ambiental da retirada ilegal de areia – depois de terem sofrido despejo no dia anterior. Babau e o irmão foram encaminhados para a sede da Polícia Federal, em Ilhéus. Conforme o cacique afirmou em sua defesa, ele e o irmão foram à aldeia Gravatá para averiguar a quebra de um acordo por parte do Comando da Polícia Militar da Bahia de suspensão da execução da reintegração de posse ocorrida. A história desencadeada deixa indícios de que Babau e o irmão caíram em uma arapuca.

De acordo com o comando da PM, os Tupinambá vinham impedindo a saída de caminhões, chamados de caçambeiros, carregados com areia retirada do interior da aldeia. O juiz Lincoln Pinheiro da Costa, da Justiça Federal de Ilhéus, que concedeu liminar favorável à ação de reintegração de posse da aldeia Gravatá no último dia 12 de janeiro, e executada ontem, já havia determinado que a PM passasse a escoltar os caminhões. Há cerca de uma semana, as escoltas já eram realizadas pela PM; os Tupinambá passaram, mesmo assim, a denunciar o crime ambiental.

Ontem, a Polícia Militar executou a ação de reintegração de posse na aldeia Gravatá, despejando os indígenas da área, que se protegeram na mata e aldeias vizinhas. A PM chegou com força máxima. No mesmo dia, Babau havia se reunido com a Secretaria de Segurança Pública do estado da Bahia para negociar a suspensão do cumprimento desta ordem de despejo. Depois do encontro, o cacique retornou para a aldeia Serra do Padeiro, com a certeza de que a ação seria suspensa. À noite, soube da ação da PM e decidiu, na manhã de hoje, seguir para a aldeia Gravatá com Teity a fim de averiguar a situação.

Segundo o comando da PM, hoje pela manhã o chefe da escolta policial que acompanha os caminhões no local teria dado voz de prisão ao cacique Babau, sob a alegação de que a liderança estaria atirando pedras contra as viaturas. Na versão da PM, o comandante da operação teria ligado ao juiz Lincoln pedindo que ele emitisse uma ordem de prisão contra o cacique, ao que o juiz teria respondido dizendo que não seria necessário: o cacique estaria descumprindo a ordem judicial que garantia a retirada da areia no local e a PM poderia prendê-lo.

No entanto, a defesa do cacique Babau afirma que ele e o irmão não impediram a retirada de areia, mas foram ao local apenas para averiguar se a polícia havia mesmo descumprido o acordo de suspender a execução da reintegração de posse, firmado no dia anterior. Ao chegar no local, Babau descobriu que os indígenas haviam se retirado para a mata no rumo das aldeias vizinhas, mas ainda seguiam denunciando o crime ambiental de retirada de madeira. Não estavam mais ocupando a área reintegrada no dia anterior, se privando à documentação audiovisual da retirada de toneladas de areia. Ao contrário do que afirma o comando da PM, o material levantado pelos indígenas comprova o livre trânsito dos caminhões, caminhonetes policiais e de indivíduos não identificados.


A prisão de Babau, todavia, não ocorreu na aldeia reintegrada Gravatá. Ao sair do local de carro, depois de constatar a quebra do acordo por parte do comando da PM, cacique Babau e o irmão foram perseguidos pelos policiais e presos em Olivença, a cerca de 10 quilômetros de Gravatá. Já na sede da Polícia Federal, a PM alegou que prendeu os Tupinambá em flagrante por um suposto porte ilegal de duas armas – uma pistola de uso exclusivo da polícia e um revólver calibre 38. Cacique Babau e Teitê negam que as armas de fogo pertençam a eles, o que dá indícios de que o armamento teria sido forjado a ambos.

Apesar da alegação de descumprimento da ordem judicial por parte do comando da PM, Babau e seu irmão são formalmente acusados apenas de porte ilegal de armas. Essa situação perpassa um histórico de criminalização das lideranças Tupinambá. Cacique Babau é comumente taxado de mentor de toda a luta de seu povo e responsabilizado por ações diretas – retomadas, protestos, resistências – que envolvem cerca de 30 aldeias e mais de 10 mil indígenas. Leia abaixo um apanhado cronológico dessas criminalizações.

De acordo com Zeno Tupinambá, durante a reintegração de posse de ontem a PM “mandou chumbo” contra os indígenas. O indígena explica que não há possibilidades dos Tupinambá aceitarem calados o crime ambiental de retirada de areia de uma terra declaradamente indígena. “Só vendo mesmo o tanto de tiros que deram contra a gente. Estamos aqui numa luta justa. Tão (mineradoras) acabando com tudo, com a Mata Atlântica, com as nascentes dos rios. Essa terra é nossa, tá em demarcação”, diz Zeno (veja abaixo as fotos dos cartuchos recolhidos pelos indígenas).

As perseguições do juiz
O juiz Lincoln Pinheiro da Costa, da Justiça Federal de Ilhéus, há tempos vem atuando no sentido de garantir que não-indígenas retirem areia da TI Tupinambá de Olivença. Além da determinação da escolta, o juiz já tinha determinado a reintegração de posse contra os Tupinambá da aldeia Gravatá, no último dia 12 de janeiro.

Uma outra situação que vinha colocando o juiz Lincoln em discordâncias com os Tupinambá é que o magistrado adotou uma postura de intermediar o conflito entre os indígenas e os não-indígenas, responsáveis pela retirada de areia. A proposta do juiz é de que os indígenas podem ficar na aldeia Gravatá, desde que não impeçam a retirada de areia.

“O juiz não tem de fazer isso porque se trata de terra indígena em processo de demarcação. A lei é clara: o não-indígena não pode bulir com a terra. Outra coisa é que a gente não quer e não vai permitir a destruição da casa de nossos Encantados”, disse cacique Babau Tupinambá no final do último mês de março. O temor agora é que Babau e Teity sejam encarcerados em presídios da região: a hostilidade contra os Tupinambá é acentuada e muitos pistoleiros relacionados com fazendeiros estão nessas carceragens.

Cacique Babau Tupinambá faz parte do Programa de Proteção de Defensores dos Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da república. Como a Bahia é conveniada com o programa, e embora renovado não está ativo, a responsabilidade pela integridade física de Babau e do irmão passa a ser da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do governo baiano.

Violência na aldeia Gravatá não é inédita
Em 5 de abril de 2011, Estanislau Luiz Cunha e Nerivaldo Nascimento Silva foram presos numa situação de “flagrante preparado” – prática considerada ilegal – na aldeia Gravatá. Acusados de “extorsão” pela PF, Nerivaldo teve a perna direita amputada após ser baleado por agente da PF. Ainda assim, ambos responderam por “tentativa de homicídio” contra policiais federais. Após dois meses e meio presos, o TRF da 1ª Região lhes concedeu a liberdade por 3 x0 em julgamento de habeas corpus, em 20 de junho.

Coincidentemente, a ação de 2011 foi feita na véspera da chegada do Secretário de Justiça do estado da Bahia à região e a detenção de cacique Babau hoje ocorre depois de dois fatos: a visita da relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) para os direitos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, à TI Tupinambá de Olivença, no final do último mês de março, e a instalação do Grupo de Trabalho Fundiário da Fundação Nacional do Índio (Funai), indicando que o processo demarcatório segue.
Histórico de violências
O histórico recente de violências por parte do Estado contra os Tupinambá é vasto, tanto quanto de fazendeiros e pistoleiros. De prisões arbitrárias, abuso de força policial, torturas, destruição de casas, veículos comunitários, alimentos e equipamento escolar a lista de acusações contra o Estado parece interminável.
Foi assim que a Polícia Federal impôs sistematicamente, por ordem de decisões judiciais ou outras motivações nem tão claras para os indígenas, pressão aos Tupinambá para que deixassem as áreas retomadas. As ações recaíram principalmente contra o cacique Babau e seus familiares.
A seguir, uma lista cronológica e atualizada das violências sofridas pelos Tupinambá nos últimos seis anos – tanto da PF quanto de pistoleiros e fazendeiros:
17 de abril de 2008
Primeira prisão do cacique Babau, acusado de liderar manifestação da comunidade contra o desvio de verbas federais destinadas a saúde. O cacique estava em Salvador no momento dos fatos.
23 de outubro de 2008
Ataque da PF na aldeia da Serra do Padeiro, com mais de 130 agentes, 2 helicópteros e 30 viaturas – para cumprimento de mandados judiciais suspensos no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região e contra orientação do Ministério da Justiça, resultando em 22 indígenas feridos a bala de borracha e intoxicação por bombas a gás, destruição de casas, veículos comunitários, alimentos e equipamento escolar.
27 de maio de 2009
Prisão preventiva do irmão do cacique Babau, por dirigir carro da Funasa carregando mantimentos. O Desembargador Cândido Ribeiro, do TRF da 1ª Região, não encontrou justificativa na ordem de prisão, da Justiça Federal de Ilhéus.
2 de junho de 2009
Cinco pessoas foram capturadas e torturadas por agentes da PF – spray de pimenta, socos, chutes, tapas, xingamentos e choque elétrico. Os laudos do IML/DF comprovaram a tortura, mas o inquérito concluiu o contrário.
10 de março de 2010
Cacique Babau é preso, durante a madrugada, em invasão da PF em sua casa, embora a versão dos agentes – comprovadamente falsa – informe que a prisão teria acontecido no horário permitido pela lei.
20 de março de 2010
Prisão do irmão do cacique Babau, por agentes da PF em plena via pública, enquanto levava um veículo de uso comunitário da aldeia para reparo.
16 de abril de 2010
Babau e seu irmão são transferidos para a penitenciária de segurança máxima em Mossoró (RN), por receio da PF de ver manifestações diante de sua carceragem em Salvador pela passagem do “Dia do Índio”, em desrespeito ao Estatuto do Índio.
3 de junho de 2010
A irmã de Babau e seu bebê de dois meses são presos na pista do aeroporto de Ilhéus pela PF, ao voltar de audiência com o presidente Lula, na Comissão Nacional de Política Indigenista, por decisão do juiz da comarca de Buerarema. Permanecem presos em Jequié por dois meses, até o próprio juiz resolver revogar a ordem de prisão.
5 de abril de 2011
Estanislau Luiz Cunha e Nerivaldo Nascimento Silva foram presos numa situação de “flagrante preparado” – prática considerada ilegal – num areal explorado por empresas, de dentro da Terra Indígena Tupinambá. Acusados de “extorsão” pela PF, Estanislau – que toma remédios controlados – e Nerivaldo – que teve a perna direita amputada, após ser baleado por agente da PF – respondem ainda por “tentativa de homicídio” contra policiais federais. Coincidentemente, a ação foi feita na véspera da chegada do Secretário de Justiça do estado da Bahia, à região. Após dois meses e meio presos, o TRF da 1ª Região lhes concedeu a liberdade por 3 x0 em julgamento de habeas corpus, em 20 de junho.
3 de fevereiro de 2011
Prisão da Cacique Maria Valdelice, após depor na Delegacia da Polícia Federal em Ilhéus, em cumprimento ao Mandado de Prisão expedido pelo Juiz Federal Pedro Alberto Calmon Holliday, acusada de “esbulho possessório”, “formação de quadrilha ou bando” e “exercício arbitrário das próprias razões”. A cacique foi libertada no final do mês de junho, após cumprir quatro meses em prisão domiciliar.
14 de abril de 2011
Por volta das 5h da manhã, fortemente armados e com mandado de busca e apreensão, vários agentes da PF vasculham a residência da cacique Valdelice, assustando toda a família – principalmente os muitos netos da cacique. Em Salvador, chegava para reuniões com autoridades locais a “Comissão Tupinambá” do CDDPH.
15 de abril de 2011
Fortemente armada, a PF acompanha oficiais de justiça em cumprimento de mandado de reintegração de posse. Indígenas e Funai não haviam sido previamente intimados do ato, que foi presenciado pelos membros do CDDPH, que testemunharam o despreparo de agentes e a presença de supostos fazendeiros que incitavam as autoridades contra os indígenas.
28 de abril de 2011
A Polícia Federal instaura o inquérito, intimando o procurador federal da AGU e os servidores da Funai a prestar depoimento sobre denúncia de “coação” contra a empresária Linda Souza, responsável pela exploração de um areal, situado na terra Tupinambá.
29 de abril de 2011
Prisão do cacique Gildo Amaral, Mauricio Souza Borges e Rubenildo Santos Souza, três dias antes da delegação composta por deputados federais da CDHM e membros do CDDPH/SDH visitarem novamente os povos indígenas da região por causa das violências que continuam a ser denunciadas.
5 de julho de 2011
Cinco Tupinambá são presos pela PF sob as acusações de “obstrução da justiça” e “exercício arbitrário das próprias razões”, “formação de quadrilha” e “esbulho possessório”.
18 de outubro de 2012
No Fórum de Itabuna (BA), cinco Tupinambá, vítimas de tortura cometidas por policias federais, prestaram depoimento ao juiz Federal em parte do procedimento da Ação Civil Pública por Dano Moral Coletivo e Individual movida pelo Ministério Público Federal (MPF) da Bahia contra a União. Os procuradores abriram inquérito também para apurar os responsáveis pela tortura, atestada e comprovada por laudos do Instituto Médico Legal (IML).
14 de agosto de 2013
Estudantes da Escola Estadual Indígena Tupinambá da Serra do Padeiro foram vitimas de emboscada na estrada que liga Buerarema a Vila Brasil. O atentado ocorreu quando o caminhão (foto acima) que transportava os alunos do turno da noite para as suas localidades foi surpreendido por diversos tiros oriundos de um homem que se encontrava em cima de um barranco. Os tiros foram direcionados para a cabine do veículo, numa clara tentativa de atingir o motorista, que com certeza o atirador achava ser Gil, irmão do cacique Babau, pois  o carro é de sua propriedade. Quem conduzia o carro era Luciano Tupinambá.
26 de agosto de 2013
No município de Buerarema, contíguo ao território tradicional Tupinambá, atos violentos promovidos por grupos ligados aos invasores da terra indígena. Indígenas foram roubados enquanto se dirigiam à feira e 28 casas foram queimadas até o início de 2014. O atendimento à saúde indígena foi suspenso e um carro da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) foi queimado.
8 de novembro de 2013
Aurino Santos Calazans, 31 anos, Agenor de Souza Júnior, 30 anos, e Ademilson Vieira dos Santos, 36 anos, foram executados em emboscada quando regressavam da comunidade Cajueiro, por volta das 18 horas, na porção sul do território Tupinambá, quando foram emboscados por seis homens. Disparos de arma de fogo foram feitos contra os indígenas. Na sequência os assassinos praticaram torturas, dilaceraram os corpos com facões e com o que é chamado na região de “chicote de rabo de arraia”. Procuradores federais apontam assassinatos como parte do conflito pela terra.
28 de janeiro de 2014
Após realizar a reintegração de posse de duas fazendas localizadas na Serra do Padeiro, no município de Ilhéus, na Bahia, policiais federais e da Força Nacional montaram uma base policial na sede da fazenda Sempre Viva. Ataques com granadas contra os Tupinambá refugiados na mata.
2 de fevereiro de 2014
Durante invasão da Polícia Federal em aldeia Tupinambá da Serra do Padeiro, M.S.M, de 2 anos, em fuga para a mata, se desgarrou dos pais e acabou nas mãos dos policiais. O delegado Severino Moreira da Silva, depois da criança ter sido levada para Ilhéus pelos federais, a encaminhou para o Conselho Tutelar que, por sua vez, transferiu o menor para uma creche, onde ele segue longe dos pais e isolado por determinação da Vara da Infância e Juventude.
7 de abril de 2016
Reintegração de posse violenta contra a aldeia Gravatá termina com a prisão do cacique Babau Tupinambá e seu irmão Teity.
Fonte: Cimi

quinta-feira, 17 de março de 2016

Relatora da ONU se solidariza com indígenas do Tapajós


Em Altamira, Victoria Tauli-Corpuz ouve denúncias sobre planejamento hidrelétrico no rio. "Vocês estão unidos e fortes, e isso vai possibilitar que não permitam que destruam o seu futuro”

Na manhã desta terça,15 de março, a relatora especial da ONU para povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, indígena filipina da etnia Kankanaey Igorot, recebeu das mãos da pequena Ana Luiza Munduruku mais um documento de denúncias sobre violações cometidas pelo governo no processo de planejamento do complexo hidrelétrico do rio Tapajós, no Pará. O encontro da pequena munduruku com a experiente líder filipina aconteceu na audiência em que Victoria recebeu 13 representantes das comunidades munduruku, arara vermelha, apiaká, arapiun, borari, jaraqui, kumaruara, kayabi, tapajós, tapuia, tupaiú, maytapu, cara preta e tupinambá da bacia do Tapajós em Altamira, onde a relatora da ONU realiza mais uma etapa de sua missão no Brasil.

Depois de uma visita, nesta segunda, à Terra Indígena Paquiçamba na Volta Grande do rio Xingu, onde teve longa conversa com lideranças juruna sobre impactos e ilegalidades do projeto Belo Monte, Victoria demonstrou ter acumulado indignações na conversa com os povos do Tapajós. Após ouvir os relatos sobre violências, desrespeito aos procedimentos demarcatórios dos territórios, manipulações e ameaças, disse ter recebido as mesmas denúncias dos povos da Volta Grande, em especial sobre a não ampliação da TI Paquiçamba e a não homologação da TI Arara da Volta Grande. E aproveitou o momento para contar a sua própria história.

“Venho de uma região nas cordilheiras filipinas que, nos anos 1970 e 1980, era ameaçada por um enorme projeto hidrelétrico que iria afetar mais de 300 mil indígenas”, contou Victoria. Na época seu país estava sob lei marcial – suspensão das liberdades fundamentais do cidadão -, mas as comunidades indígenas se uniram “porque não queríamos nossas terras ancestrais e nossos campos de arroz enterrados debaixo da água”.

Muitas lideranças foram presas e mortas, outros foram torturados, prossegue a relatora da ONU. “Mas nós vencemos e a usina nunca foi construída. O governo teve que desistir e o Banco Mundial foi obrigado a retirar o financiamento. Em 1986 o projeto foi definitivamente cancelado e hoje não temos usina no nosso território”.

“Eu queria compartilhar isso com vocês porque acredito que o povo do Tapajós ainda tem chances de paralisar o projeto hidrelétrico”, avalia a filipina. “Vocês estão unidos e fortes, e isso vai possibilitar que não permitam que destruam o seu futuro”, conclui e recomenda.

Encaminhamento das denúncias
De acordo com os relatos recolhidos junto aos indígenas no Pará, a relatora da ONU avaliou que, entre as várias “violações evidentes dos seus direitos”, as de especial gravidade se referem ao desrespeito à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), principais mecanismos internacionais – firmados e reconhecidos pelo Brasil – para a proteção física, cultural e territorial das populações indígenas.

Nesse sentido, Victoria citou como muito importante a Ação Civil Pública do Ministério Público Federal que, em dezembro de 2015, acusou o projeto de Belo Monte de cometer etnocídio. “O que acontece aqui não é só um ataque físico, mas à sua cultura. Mesmo se vocês sobreviverem, se vocês perderem sua identidade cultural, sua identidade como indígenas está ameaçada a desaparecer”, alertou. A relatora também elogiou a postura dos indígenas do Tapajós quanto à solidariedade com outras lutas no país. “Eu sei que vocês estão certos, porque o que estão fazendo não é apenas para vocês, mas para todos os brasileiros e as futuras gerações”.


De sua parte, explicou Victoria, os próximos passos são apresentar um relatório sucinto de sua missão – que incluiu visitas ao Mato Grosso do Sul, Pará e Mato Grosso – ao governo brasileiro “com todas as denúncias aqui ouvidas” e, depois de avaliar as respostas das autoridades brasileiras, apresentar um relatório final ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em novembro.

Articulação Tapajós-Xingu
Ao terminar a audiência com os indígenas do Tapajós, a relatora da ONU fez questão de reforçar a importância da articulação dos povos afetados e ameaçados pelos grandes projetos hidrelétricos na Amazônia, e “agradecer todo o apoio que vocês deram aos povos do Xingu”.

Nesta segunda, lideranças das comunidades do Tapajós e do Xingu se reuniram para celebrar um compromisso de cooperação e apoio mútuo, e fechar um acordo pelo qual serão feitos todos os esforços para evitar que “ocorra no Tapajós o que passou no Xingu”. Como resultado desta articulação, o documento entregue à relatora na audiência desta manhã incorporou denúncias e reivindicações das duas bacias.

Leia abaixo a íntegra do documento:

CARTA DENUNCIA DOS POVOS INDÍGENAS NO ALTO, MÉDIO E BAIXO TAPAJÓS

Nos povos indígenas do Rio Tapajós Munduruku alto, médio e baixo Tapajós, Arara Vermelha, Apiaka, Arapiun, Borari, Jaraqui, Kumaruara, Kayabi, Tapajós, Tapuia, Tupaiú, Maytapu, Munduruku Cara Preta, Tupinambá, vimos denunciar os grandes desrespeitos ao patrimônio Indígenas do rio Tapajós no Estado Pará, ameaçado pelos grandes projetos e empreendimentos: Usinas hidrelétricas; Mineração; Agronegócios; Hidrovias e portos graneleiros, negação de autoafirmação pelas instituições federais e judiciais, implantados e impregnados pelo governo federal brasileiro em nosso território.

Nossa historia diz que o rio Tapajós é o berço da nossa criação, nosso território é nosso patrimônio que o nosso líder guerreiro munduruku KAROSAKAYBU deixou para nós e a humanidade. Essa história está ameaçada junto com 15 mil munduruku que serão afetados diretamente e mais 13 povos totalizando aproximadamente 10 mil indígenas que direta e indiretamente serão afetados e exterminados como a nossa cultura, nossa língua e nossa identidade pelo governo brasileiro e seus projetos de morte que afetam nossos direitos de bem viver no nosso território.

Denunciamos a esta relatoria para os direitos indígena da ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU os grandes massacres e o grande genocídio e etnocídio que o Governo brasileiro tem feito e continua fazendo para estes povos da Amazônia e diante de toda essa violação dos nossos direitos garantidos na constituição federal 231 e 232 e na convenção 169, anunciam o leilão da Usina de São Luiz do Tapajós para o segundo semestre desse ano 2016, sem ter realizado a consulta livre, prévia e informada garantida pela a Convenção 169 aos povos ameaçados pelas hidrelétrica e os grades empreendimentos na Amazônia.

Queremos ser ouvidos e respeitados através do Protocolo Munduruku. A terra indígena Sawré Muybu está com estudos da identificação e delimitação territorial tramitando na Fundação Nacional do Índio – FUNAI, aguardando a publicação do relatório desta terra, assim como outras T.Is que estão com relatórios que foram publicados, mas aguardando o continuação do processo, outra com relatórios para serem publicados e outras para iniciarem o processo de identificação e delimitação com a criação de Grupos de Trabalhos – GT, evitando assim a entrada e implantação desses grandes empreendimentos dentro desses territórios.

Denunciamos também a entrada de estrangeiros e pesquisadores oportunistas nas nossas terras cooptando, subornando e especulando lideranças, usando as informações adquiridas para jogar contra nós a favor do governo, outras para terem acesso as nossas terras pretas (terra sagrada), ervas medicinais (medicina tradicional) e a implantação de credito de carbono nas terras indígenas.

Ouvimos dos parentes indígenas aldeados e não aldeados que foram afetados pela usina hidrelétrica BELO MONTE o descaso e a violação dos seus direitos tais como: direito de reassentamento negado pelo empreendedor, quebra de laço de parentesco, a recomposição do modo de vida, a perda dos territórios dos indígenas que habitam a área do lago, que estão alagados, e perda dos territórios pesqueiro, rios alagados, pedral, piracemas, praias, matas desmatadas, ilhas queimadas e alagadas, as casas que habitam foram derrubadas com motosserras, queimadas e aterradas com tratores, e o governo Lula/Dilma é omisso a esses casos.

Queremos denunciar para o mundo inteiro essa violação de direitos. Anexamos mais quatro documentos para conhecimento, sendo que um dos anexos já é do conhecimento das Nações Unidas.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Bahia: Aldeias Pataxó podem ser despejadas a qualquer momento por ação do governo federal


Seis aldeias Pataxó da Terra Indígena (TI) Comexatibá, no extremo sul da Bahia, podem sofrer ação de despejo a qualquer momento. Caso a ação ocorra, a responsabilidade será exclusiva do governo federal: os procuradores da Advocacia-Geral da União (AGU) entraram com o pedido de reintegração de posse na Justiça Federal de Eunápolis (BA) representando o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Os Pataxó decidiram resistir no território tradicional. A decisão de primeira instância autoriza o apoio da Polícia Militar aos efetivos da Polícia Federal. Em 2013, os Terena foram vítimas de ação semelhante: na ocasião, policiais federais e militares investiram contra os indígenas e Gabriel Oziel Terena acabou morto a tiros de arma de fogo.

A ação movida pelo ICMBio visa a retirar os indígenas de dentro de parte do Parque Nacional do Descobrimento, unidade de conservação da mata atlântica gestada pelo órgão ambiental ligado ao Poder Executivo (saiba mais aqui). O parque incide sobre a TI Comexatibá, já identificada e delimitada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como terra tradicional do povo Pataxó.

A procuradoria da Funai, também integrante da AGU, poderia entrar com um pedido de suspensão de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF), mas a decisão política do governo federal é de não o fazer.

Representantes do governo tentam apenas negociar a suspensão da execução do despejo, mas não o indeferimento completo da ação de reintegração de posse, o que mantém a insegurança para os indígenas.

O despejo está programado para acontecer até o dia 18 de março, um dia depois da relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, encerrar sua visita ao Brasil. No último domingo, a relatora esteve com os Pataxó de Comexatibá na aldeia Serra do Padeiro, Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Victoria ouviu os representantes Pataxó.

“O ICMBio diz que protege o meio ambiente, o Parque do Descobrimento. Por isso eles falam que a gente tem de sair. Agora eles permitem que fazendeiros destruam a mata com suas grandes máquinas, caçadores, todos esses empreendimentos de turismo. Cansamos de denunciar essa gente e o ICMBio não fez nada, ficou assistindo e dizendo que a gente é que desmatava”, declarou Kamaiurá Pataxó.

Kamaiurá afirmou que o povo não arredará os pés do território. O clima é de tensão, com mulheres, crianças e idosos sem saber como será o futuro, mas “vamos resistir. Se querem acabar com o povo Pataxó, que eles comecem agora porque estamos preparados para lutar”, frisou Kamaiurá.

Victoria disse ao indígena que a questão de parques de conservação ambiental incidentes em terras indígenas serão alvo de investigação de sua relatoria. “Se criam um parque e permitem a degradação ambiental, me parece que há um problema (...) o governo brasileiro precisa para de emendar a Constituição Federal e fazer aquilo que é certo, garantir o direito indígena”, afirmou a relatora da ONU.

No momento, as polícias federal e militar, que devem executar o despejo, já estão reunidas no município de Prado (BA), mesmo em que fica a Terra Indígena. Indígenas denunciam que agentes da Polícia Federal e funcionários do ICMBio estão indo até as comunidades e ameaçando os indígenas com a possibilidade de um despejo violento.
Se a reintegração de posse acontecer, mais de 300 pessoas, entre crianças, adultos e idosos, serão removidas de seis aldeias e quatro escolas indígenas terão seu ano letivo interrompido.

Despejo pode ser o segundo na mesma Terra Indígena em dois meses
Parte das aldeias Cahy e Gurita fica fora da área do Parque Nacional do Descobrimento e, em janeiro, elas, decorrente de outra ação de reintegração de posse contra os indígenas. Na ocasião, as casas dos indígenas foram destruídas, muitas delas ainda com seus pertences, e 75 famílias ficaram desalojadas até a decisão de reintegração ser suspensa – o que aconteceu três dias depois da ação.

Duas ordens de reintegrações de posse durante visita da ONU
A reintegração de posse na TI Comexatibá é a segunda que está programada para ocorrer enquanto a relatora especial da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, visita o Brasil.

Uma outra ação de reintegração de posse, esta contra o povo Guarani e Kaiowá da Terra Indígena Taquara, no Mato Grosso do Sul, deve ocorrer até o dia 17 de março – último da visita da relatora ao Brasil, quando a relatora realizará uma coletiva de imprensa para falar sobre suas impressões durante os dez dias de visita ao país.

Além da Bahia, a relatora também visitou os estados do Pará e do Mato Grosso do Sul. Neste último, logo após sua visita, pelo menos duas comunidades indígenas do povo Guarani e Kaiowá foram atacadas a tiros. Em uma delas, um indígena foi baleado, mas não corre risco de morte.

 

Fonte: Cimi, 15 de agosto de 2016 - Mapa: ISA


Entenda mais sobre o conflito:  ICMBio quer retirada de Pataxó da Terra Indígena Comexatiba, no sul da Bahia (ISA, 15 de março de 2016).