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quinta-feira, 2 de junho de 2016

Audiência pública debate constitucionalidade do decreto quilombola


A constitucionalidade do Decreto Federal n° 4.887/03, que regulamenta o procedimento administrativo de titulação dos territórios quilombolas, foi discutida em audiência pública promovida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), nesta segunda-feira (30).

Reunindo representantes de comunidades quilombolas, organizações da sociedade civil, agronegócio, do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a audiência objetivou debater o conteúdo do direito quilombola à terra, previsto no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal, congregando diferentes visões sobre o tema.

A necessidade de levar a discussão ao TRF-2 se dá devido ao julgamento do decreto, que será apreciado por órgão especial do Tribunal. Representantes do agronegócio questionam a constitucionalidade do decreto na justiça o trabalho do Incra na titulação do território tradicional da comunidade quilombola de Santana, localizada no município de Quatis, Estado do Espírito Santo.

Caso o TRF-2 declare a inconstitucionalidade do decreto, todos os processos de titulação de territórios quilombolas que tramitam nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santos serão imediatamente paralisados.

Caso contrário, se houver declaração de constitucionalidade, a luta das comunidades quilombolas pela legitimidade jurídica do direito à terra será fortalecida, fator essencial no atual momento político onde estes direitos fundamentais vêm sendo atacados no Poder Judiciário, no Legislativo e, de forma mais recente, no Poder Executivo.

Em dezembro de 2013 o TRF da 4ª Região declarou a constitucionalidade do decreto por doze votos contra três, no caso da comunidade quilombola Invernada Paiol de Telha, localizada no município de Reserva do Iguaçu (PR).

Esta decisão, somada a que será tomada no TRF-2,são importantes referências para o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e tem por objetivo avaliar a constitucionalidade do decreto nº 4887/03.

O assessor jurídico da Terra de Direitos, Fernando Prioste, esteve presente na audiência e avalia que o momento foi propício para que as comunidades quilombolas pudessem dialogar diretamente com o Tribunal e especialistas da área. “O aprofundamento do debate levará a uma decisão mais informada”, afirma.

Ainda segundo Prioste, a presença dos quilombolas na audiência foi muito importante para as discussões. “A falta de informações e, principalmente, de presença ativa dos quilombolas nos debates, só favorece aos interesses de quem se opõe aos direitos quilombolas. Um auditório lotado de quilombolas levou ao Tribunal as vidas e histórias que serão julgadas”, destacou o advogado.

A audiência foi promovida por determinação do desembargador federal André Fontes,que acatou pedido feito pela Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e da Clínica Direitos Fundamentais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Para saber mais sobre o os argumentos construídos pela assessoria jurídica popular ao longo de anos de luta pelo direito à terra, confira o livro “Direito constitucional quilombola: Análises sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239”, publicado pela editora Lumen Juris, com organização de Fernando Prioste e Eduardo Fernandes de Araújo.

O Executivo e as novas ameaças aos direitos quilombolas
Ainda nesta segunda-feira (30) foi publicado no Diário Oficial da União o decreto n° 8.780/16, que transfere para a Casa Civil a responsabilidade de titular os territórios quilombolas. Esta é a terceira mudança de competência para a função desde que a presidenta Dilma Rousseff foi afastada por uma ação golpista.

No último dia 13, através da Medida Provisória 726, o presidente interino Michel Temer transferiua atribuição da titulação dos territórios quilombolas do extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário para o Ministério da Educação e Cultura. No dia 20, a MP foi alterada para delegar a tarefa ao recém criado Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário.

Agora, o governo interino transferiu a competência para o ministério da Casa Civil, alteração feita sem diálogo com os movimentos sociais e comunidades quilombolas que explicita a tentativa do novo governo em desmontar a política pública quilombola.

Estas alterações têm por objetivo dificultar – e até impedir – a aplicação do direito constitucional quilombola à terra. O atual ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, não tem experiência ou qualquer afinidade com o tema.

A mudança não favorece a política de titulação dos territórios quilombolas, que já andava a passos lentos. A política pública para titulações precisa de aporte orçamentário, de apoio político e de estrutura de Estado. É necessário que o Incra seja fortalecido, com a contratação de novos servidores, disponibilização de recursos e de material para a realização o trabalho.

Fonte: Assessoria de Comunicação Terra de Direitos com informações de Fernando Prioste 

sábado, 28 de maio de 2016

Pelo menos 24 defensores de direitos humanos foram mortos em 4 meses, diz comitê


Camila Boehm*

Pelo menos 24 defensores de direitos humanos foram assassinados no Brasil nos quatro primeiros meses deste ano. Desses, 21 defendiam direitos agrários e faziam parte de movimentos e organizações de luta pela terra.

Os dados foram levantados pelo Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos – grupo formado por entidades da sociedade civil, como a Artigo 19, Justiça Global, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

O levantamento foi enviado, por meio de denúncia, à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização de Estados Americanos (OEA) com o objetivo de pressionar o governo brasileiro na proteção dos defensores e na responsabilização dos culpados pelos crimes. O primeiro documento foi encaminhado às organizações no dia 8 de março. Mas dois foram enviados nos dias 11 e 27 de abril, totalizando o relato de 22 mortes.

É a primeira vez que o comitê faz o levantamento, por isso não há dados do ano passado. Em todo o ano de 2015, foram registrados 50 assassinatos no país relacionados a conflitos fundiários, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que faz o monitoramento desde 1985. De acordo com a CPT, 90% dos casos ocorreram nos estados do Maranhão, Pará e de Rondônia.

Povo Guajajara
Entre os assassinatos levantados pelo comitê, estão o de quatro indígenas do povo Guajajara, da Terra Indígena (TI) Arariboia, no Maranhão, no intervalo de menos de um mês, entre os dias 26 de março e 22 de abril. O povo protesta contra madeireiros ilegais que exploram a área indígena.

No Dia do Índio, 19 de abril, Isaias Guajajara, de 32 anos, foi assassinado a facadas no município de Amarante do Maranhão, próximo à terra indígena. Poucos dias depois, no Dia da Terra (22), o corpo de Assis Guajajara, 43 anos, foi encontrado, em um riacho, com marcas de violência.

Antes, no dia 11 de abril, Genésio Guajajara, 30 anos, foi morto a pauladas e com um tiro no peito, também na zona urbana de Amarante do Maranhão. Ele estava na cidade para receber a cesta básica distribuída pela Fundação Nacional do Índio (Funai). E com apenas 16 anos, o indígena Aponuyre Guajajara foi morto a tiros no mesmo município.

Segundo o Cimi, há pouca fiscalização no local e os crimes não são investigados. O território, que é demarcado e habitado pelos Guajajara e pelos Awá, sofre pressão dos madeireiros, o que traz clima de insegurança.

“O primeiro motivo que avaliamos para tantos assassinatos e uma crescente violência contra os povos indígenas é justamente a morosidade do Estado em responder às demandas urgentes, que são as demarcações de terras, para sanar os conflitos”, disse Alessandra Farias, assessora jurídica do Cimi. A entidade ressalta que os indígenas são constantemente ameaçados em diversos estados e têm os recursos de seus territórios explorados ilegalmente.

O relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, do Cimi, mostra que a presidenta Dilma Rousseff, atualmente afastada do cargo, não assinou nenhuma homologação de terra indígena em 2014, apesar de pelo menos 21 processos de demarcação de terras estarem aguardando assinatura. Dados sobre a homologação em 2015 devem ser divulgados pela entidade a partir de junho.

Em 2014, o Cimi identificou 118 casos de omissão e morosidade na regulamentação de terras, mais do dobro do que foi registrado em 2013 (51 ocorrências). O Pará é o estado com o maior número de ocorrências de omissões e morosidade na regulamentação de terras (42). “O não reconhecimento das terras indígenas está diretamente ligado às intenções do governo federal de construir grandes hidrelétricas, como no caso da São Luiz do Tapajós que, se construída, alagará aldeias, florestas e cemitérios da Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku”, diz o relatório do Cimi.

Conflitos agrários
Os conflitos agrários atingem não só indígenas, mas integrantes de movimentos sociais. O pesquisador da Justiça Global, Antonio Neto, disse que os assassinatos ocorridos no campo “mostram primeiro uma dívida histórica do Estado brasileiro em resolver o problema agrário”.

“Não adianta pensarmos em políticas paliativas de proteção e cuidado para os defensores de direitos humanos no campo se a gente não resolve essa dívida histórica com a questão agrária no país”, afirmou.

Pesquisador da questão agrária no Brasil, o professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira, atribui a atual violência no campo à ausência de uma real reforma agrária no país e à queda no número de novos assentamentos.

Segundo o professor, houve dois picos de assassinatos decorrentes de conflitos no campo no país: em 1985, durante o governo de José Sarney, na aprovação do 1º Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). No mesmo ano, latifundiários criaram a União Democrática Ruralista (UDR), a fim de defender seus interesses e se contrapor ao plano.

Neste ano, o número de assassinatos por causa de conflitos no campo chegou a 139. Em 1986, foram 122 assassinatos e, em 1987, 133. Nos anos seguintes, o número foi caindo, chegando a 21 assassinatos em 2001.

Conforme Oliveira, já em 2003, quando foi apresentado o 2º PNRA, os assassinatos voltaram a crescer e atingiram a marca de 73. No ano anterior, foram 43 mortes. “Lá atrás [a ocorrência dos assassinatos] era para inviabilizar a reforma agrária. Aqui [atualmente] é porque a reforma agrária não foi feita. A ausência da reforma agrária é que faz com que os conflitos cresçam”, avaliou Oliveira.

O professor contesta ainda a forma como os dados da reforma agrária são divulgados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Esses dados incluem não só os chamados novos assentamentos, mas também casos de regularização fundiária (quando os posseiros já ocupam a terra e o governo regulariza), de reconhecimento de assentamentos antigos e ainda de situações em que o governo precisou reassentar um grupo em razão de uma obra pública.

“Ele [Incra] conta tudo como reforma agrária. E não é”, discorda Oliveira. “O governo Lula, no primeiro mandato, diz que assentou 381 mil famílias, mas, em verdade, assentou apenas 150 mil famílias em novos assentamentos”, disse o pesquisador em documento da Comissão Pastoral da Terra. No segundo governo Lula, foram 65 mil famílias em novos assentamentos. Já no primeiro governo Dilma, foram 31 mil, “o menor índice comparando até com o tempo dos militares”, segundo o pesquisador.

Incra
Questionado se a violência do campo está ligada à falta de reforma agrária, o Incra respondeu, em nota, que “os conflitos no campo estão relacionados a diversos fatores, como a luta pelo acesso à terra, disputas relacionadas à posse de áreas, desmatamento ilegal e desenvolvimento de atividades econômicas na zona rural” e que não é correto falar em falta de reforma agrária. O instituto informou que não faz o acompanhamento de conflitos agrários e não dispõe de dados para verificar se houve ou não aumento da violência no campo.

Sobre o modelo de divulgação dos dados da reforma agrária, o Incra diz que considera como assentados “agricultores sem-terra, posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários, além de agricultores cuja propriedade não ultrapasse um módulo rural”.
“A reforma agrária não se restringe somente às famílias assentadas em novas parcelas [chamados novos assentamentos]”, disse o Incra, argumentando que a legislação reconhece todos esses como beneficiários do PNRA.

MST
O levantamento Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos cita ainda as mortes de dois integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 7 de abril, no Paraná.

Segundo o relatório, cerca de 25 trabalhadores circulavam de caminhonete e de motocicleta, dentro da área decretada pública pela Justiça, fazendo uma ronda de rotina quando foram surpreendidos pelos policiais e pelos seguranças privados da empresa Araupel.

De acordo com o MST, os policiais e seguranças começaram os disparos. Conforme o movimento, os camponeses não estavam armados e não houve troca de tiros. O relatório diz que “por quase duas horas a área foi isolada pela Polícia Militar, impedindo o acesso de familiares, o socorro aos feridos bem como o acesso de qualquer pessoa que quisesse documentar a cena do crime”.

Além das mortes de Vilmar Bordim (44 anos) e Leomar Bhorbak (25 anos), mais sete sem-terra ficaram feridos por disparos de arma de fogo. As vítimas eram do acampamento Dom Tomas Balduíno, no município de Quedas do Iguaçu (PR).

Na ocasião, a Polícia Militar informou que duas armas de fogo foram apreendidas no local.
Sobre o caso, a polícia disse que duas equipes da corporação acompanhavam um grupo de funcionários da empresa Araupel no combate a um incêndio dentro de uma fazenda de celulose da companhia, ocupada pelos sem-terra. Eles teriam sido vítimas de uma emboscada organizada por mais de 20 integrantes do MST e teriam reagido ao ataque, o que resultou na morte de dois camponeses e deixou feridos. Em relação ao acesso das famílias ao local, a PM informou que foram enviadas equipes para resgatar os feridos e remover os corpos.

O MST negou que tenha havido um incêndio na região.
Na época, o MST disse ainda que dois integrantes tiveram a prisão preventiva decretada, enquanto estavam internados no hospital, após serem baleados pelas costas. De acordo com o movimento, eles não tiveram acesso a advogado no momento em que estavam hospitalizados.

Recém-operados, um deles chegou a passar um fim de semana detido, enquanto outro passou um dia preso na delegacia. Eles foram acusados de porte ilegal de armas e conseguiram prisão domiciliar. Na ocasião, a defesa dos dois sem-terra disse que não foram encontradas armas com os camponeses.

Em entrevista à Agência Brasil, o advogado dos rapazes, Claudemir Torrente Lima, afirmou que a prisão domiciliar foi revogada em 29 de abril e foi concedida liberdade com restrições, que inclui o uso de tornozeleira eletrônica. Ficou determinado ainda que ambos podem circular em uma área de 15 quilômetros no entorno da residência de cada um e que devem se recolher necessariamente em casa durante a noite.

No entanto, até o dia 13 de maio, os jovens continuavam cumprindo a prisão domiciliar, porque a central de monitoramento local não havia sido notificada da nova decisão. Os dois trabalhadores não quiseram dar entrevista antes do fim de seus depoimentos à polícia.

A fazenda da Araupel foi palco de conflito desde 1996, quando dois integrantes do MST morreram em um confronto com funcionários da empresa. A área, onde o MST está acampado atualmente, foi ocupada há cerca de dois anos e é razão de briga judicial entre a empresa e o movimento.

Programa de Proteção
Para o pesquisador da Justiça Global, Antonio Neto, o Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), do governo federal, é uma ferramenta importante no contexto dos conflitos agrários.

O programa foi criado em 2004, iniciou os trabalhos em 2005 e tem o objetivo de garantir a proteção de pessoas que estejam em situação de risco ou ameaça devido à sua atuação na defesa dos direitos humanos.

“Lutamos para que seja uma política efetiva e que possa ajudar na articulação de medidas que façam com que a atuação dos defensores e defensoras de direitos humanos seja protegida e garantida pelo Estado brasileiro, para que eles possam fazer isso sob a luz da Constituição, que prevê e garante que as pessoas possam atuar com liberdade e segurança sem ter atentados contra sua vida”, disse Neto.

O programa foi instituído por um decreto presidencial em 2007, mas, em abril deste ano, um novo decreto instituiu novos moldes, sob comando da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. O ministério foi extinto no governo do presidente interino Michel Temer. A Secretaria de Direitos Humanos foi incorporada ao Ministério da Justiça.

A coordenadora da área de proteção e segurança à liberdade de expressão da Artigo19, Julia Lima, ressaltou a importância do mecanismo de proteção dos defensores. No entanto, ela lembrou que o programa completou dez anos no ano passado e que tem ainda problemas estruturais. “A primeira questão é que ele não tem um marco legal, então não é uma política pública fixa e consolidada com as autoridades brasileiras”, disse.

Para a coordenadora, a falta de uma lei deixa o programa vulnerável, podendo ser extinto a qualquer momento, “principalmente nessa situação que estamos passando de conflitos políticos”. O Projeto de Lei (PL) 4575/2009, que institui o programa, está parado na Câmara dos Deputados desde 2011.

O programa dispõe de uma equipe técnica federal, que atende a casos em todo o país. Há ainda equipes técnicas estaduais. Somente os estados do Ceará, de Pernambuco, Minas Gerais e do Espírito Santo têm o programa estadual funcionando.

Na Bahia e no Maranhão, há o convênio, mas a equipe técnica ainda será contratada, por isso não está funcionando. O programa de proteção fica a cargo da equipe técnica federal nos demais estados.

A equipe técnica federal atende atualmente a 193 pessoas, de acordo com a Secretaria de Direitos Humanos. Nos estados, até o mês de março, eram 19 no Ceará, 52 em Minas Gerais, 34 em Pernambuco e 27 casos no Espírito Santo, que tem uma metodologia diferente dos outros três estados e pode incluir mais de uma pessoa em cada “caso”.

Antonio Neto ressalta que, por falta de uma lei específica, a parceria com os estados depende da boa vontade do governo local e da relação com o governo federal. “Não basta só uma canetada para que vire efetivo, também tem um trabalho de discussão e convencimento nos estados para que eles possam implementar a política, mas, sem dúvida, o marco legal é importantíssimo para que essa política se espalhe para outros estados”, acrescentou o pesquisador.

*Fonte:  Agência Brasil - Edição: Carolina Pimentel

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Governo declara duas Terras Indígenas e identifica quatro


Por: Tatiane Klein*

Após publicação de quatro estudos de identificação pela Funai ontem (19), Ministério da Justiça assinou hoje as portarias declaratórias de outras duas terras
Nessa semana, o governo federal resolveu dar prosseguimento a seis processos de demarcação de Terras Indígenas (TIs). No terça (19), Dia do Índio, a Fundação Nacional do Índio publicou os estudos de identificação e delimitação de quatro Tis, nos estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Amazonas e Pará – um total de 1.408.879 hectares, que elevam a sete o número de Tis identificadas nos dez meses de João Pedro Gonçalves da Costa à frente da Funai. 

No dia 20,  foi a vez do Ministro da Justiça Eugênio Aragão assinar as primeiras portarias declaratórias de sua gestão, reconhecendo-as como de posse permanente indígena: a TI Estação Parecis, com 2.170 hectares, e a TI Kawahiva do Rio Pardo, com 411.848 hectares, ambas no estado do Mato Grosso.

As quatro terras identificadas pela Funai tiveram seus estudos iniciados há pelo pelo menos oito anos e duas estão fora da Amazônia Legal: a TI Ypo’i/Triunfo, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, e a TI Sambaqui, no litoral do Paraná. Uma das mais comemoradas pelo movimento indígena é a TI Sawre Muybu, do povo Munduruku, no Pará – diretamente impactada pela construção do Complexo de Hidrelétricas do Rio Tapajós. Na margem direita do Rio Negro (AM), está a TI Jurubaxi-Téa, identificada na mesma leva. As duas terras declaradas pelo Ministério da Justiça estão na Amazônia Legal, mas sofrem com pressão intensa de madeireiros e fazendeiros.

Para Sonia Guajajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), as ações do Executivo pela demarcação de terras são uma grande conquista. Ela frisa que o reconhecimento de terras em áreas de conflito, fora da Amazônia Legal, pode ser interpretada como uma afronta aos parlamentares da bancada ruralista, mas diz que o movimento indígena não vai recuar: “Temos que demonstrar que não estamos com medo e que estamos juntos, pressionando a Funai. A Funai tem que cumprir o seu papel institucional independentemente da situação política do momento. A nossa principal bandeira de luta continua sendo o avanço na demarcação de terras. Apesar desse contexto de pressão, ameaças e retrocessos que vivemos, não vamos recuar”.
Gisla Saw Munduruku brinca com seu companheiro insepáravel, um sagui, na Terra Indígena Sawre Muybu (PA), em 2015 | Isadora Brant
No pacote de publicações dessa semana, o Executivo também autorizou a realização de um novo concurso público para a Funai, seis anos depois do último, em 2010, além de ter reconhecido e declarado cinco áreas como Territórios Remanescentes de Quilombo. Duas semanas atrás, a presidente Dilma Rousseff já havia assinado a homologação da Terra Indígena Cachoeira Seca do Iriri, no Pará. Saiba mais.

Espera, luta e justiça
No município de Colniza (MT), a Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, declarada como de posse permanente de um povo em isolamento voluntário, conhecidos como Kawahiva do Rio Pardo, sofre com invasões de madeireiros, garimpeiros e fazendeiros – e estava à espera da assinatura do ministro da Justiça desde 2013. Em outubro de 2015, a ONG Survival International lançou uma campanha demandando urgência na proteção da terra, diante da ameaça de extermínio dos Kawahiva por madeireiros.

A TI Estação Parecis, do povo Paresi, enfrenta há anos, além da contaminação por agrotóxicos e fome, a pressão de fazendeiros, na Justiça e em área: em 2009, a cacique Valmireide Zoromará foi assassinada a tiros por um gerente da fazenda Boa Sorte, que confessou o crime. A área já havia sido declarada com 3.620 hectares em 1996, mas passou por reestudo e agora é declarada com 2.170 hectares.  Em 2014, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região já havia decidido que os Paresi deveriam ter suas terras, que ocupam desde o século XIX, restituídas.

Entre as identificadas, a TI Ypo’i/Triunfo, de ocupação tradicional do povo Guarani Ñandeva, em Paranhos (MS), também é reivindicada há décadas pela comunidade indígena, que, até ver a área de 19.756 reconhecida, enfrentou despejos, perseguições e mortes de lideranças. Em 2009, Ypo’i/Triunfo foi palco de uma ação de despejo ilegal por fazendeiros da região de fronteira com o Paraguai, em que foram assassinados os professores guarani Genivaldo e Rolindo Vera. O corpo de Rolindo segue desaparecido.

A TI Sambaqui, do povo Guarani Mbya, está na área impactada por empreendimentos de construção submarina e de ampliação do canal do Porto de Paranaguá, no litoral do Paraná. A área, em que a presença guarani é documentada desde os anos 1940, foi identificada com 2.795 hectares, após oito anos de estudos.

Nos rios da Amazônia
A TI Sawre Muybu, de ocupação tradicional do povo Munduruku no Médio Tapajós (PA), também é aguardada há anos e seu reconhecimento oficial é uma das exigências ao governo, em uma carta redigida pelos Munduruku em sua 26ª Assembleia, no início de abril. No texto, eles se dizem preocupados com a política energética dos governos Lula e Dilma e que não aceitarão a construção de cinco hidrelétricas nos Rios Tapajós e Jamanxin: “O rastro do tempo mostra o que ocorreu com os parentes do rio Tocantins, que até hoje, mais de 30 anos depois de serem expulsos de seu território, ainda esperam as compensações que o governo prometeu quando foi construída a usina de Tucuruí. As consequências do barramento dos rios Xingu, Madeira, Teles Pires, e o que aconteceu com o rio do Doce, são os maiores exemplos de que estes projetos não servem para nós”.

A morosidade na publicação dos estudos de Sawre Muybu levou os Munduruku a fazer a autodemarcação de sua terra em 2014, visto que o relatório de identificação dos 178.173 hectares como Terra Indígena já estava pronto para publicação desde 2013, segundo denúncia da ex-presidente da Funai, Maria Augusta Assirati. No final de 2015, o movimento Ipereg recebeu um prêmio da ONU pela iniciativa da autodemarcação.

“É a melhor notícia que nós podíamos receber hoje”, comemora Marivelton Baré, da diretoria da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e da Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro (Acimrn). Segundo ele, a identificação e delimitação da TI Jurubaxi-Téa, nos municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos (AM), era reivindicada pelas comunidades e pelo movimento indígena regional há 22 anos – mas os estudos de identificação só foram iniciados em 2007. Em 2014, a Justiça Federal no Amazonas obrigou a Funai a publicar os estudos de identificação de terras no Médio e Baixo Rio Negro em até dois anos, por conta das invasões e de problemas de acesso à saúde e educação diferenciadas pelas comunidades.

Marivelton conta que a morosidade no processo de identificação prejudicou por muito tempo a vida das oito comunidades dos povos Baré, Tukano, Baniwa, Nadöb, Pira-Tapuya, Arapaso, Tariana, Tikuna, Coripaco e Desana, que enfrentam a escassez de pescado e os impactos da pesca comercial, do turismo de pesca esportiva, do garimpo e da extração de madeira e seixo. Segundo Marivelton, a identificação reforça a proteção da área contra as atividades ilegais e pode ser um caminho para a organização das comunidades em torno de iniciativas de geração de renda e gestão territorial: “É garantido, é por direito e foi recebido com bastante alegria e satisfação pelas comunidades e por todos nós. Nós estamos prontos para os processos que ainda faltam, até chegar à homologação”.
*Fonte: ISA - Colaborou: Isabel Harari 

Leia também:
Funai publica relatórios de TIs no PA (Munduruku), MS (Guarani Ñandéva), PR (Guarani Mbyá) e AM (dez povos) (Tania Pacheco – Combate ao Racismo Ambiental)

Terra Indígena inviabiliza usina (Estadão)

Funai reconhece território tradicional Sawré Muybu dos Munduruku (Amazônia Real)

Reconhecida a ocupação indígena, MPF/PA quer saber qual a posição do Ibama sobre hidrelétrica São Luiz do Tapajós (MPF-PA)

sábado, 9 de abril de 2016

Trabalhadores rurais sem terra são mortos no Paraná em massacre com a participação da Polícia Militar


Ataque ao acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra nesta quinta-feira (6) deixou dois mortos e sete feridos. Segundo informações, ação foi executada por duas equipes da Polícia Militar do Paraná, acompanhados por seguranças da empresa Araupel.

Sete de abril será mais uma data emblemática no Abril Vermelho. O sangue de sete trabalhadores rurais sem terra feridos e de dois mortos, vítimas de uma emboscada, marcou esta quinta-feira. Aproximadamente 25 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que circulavam em caminhonetes foram atacados enquanto faziam a vistoria na área próxima ao acampamento Dom Tomás Balduíno, em Quedas do Iguaçu, região central do estado. Segundo informações do movimento, ação realizada às 15h contou com a participação duas equipes da Polícia Militar do Paraná, acompanhadas de seguranças da empresa Araupel. Na ação, foram mortos os militantes do MST Vilmar Bordim e Leomar Bhorback, com 44 e 25 anos, respectivamente.

Os feridos foram encaminhados aos hospitais pela polícia apenas 4h depois dos ataques. Nesse tempo, outros integrantes do movimento foram impedidos pelos policiais de se aproximarem da cena para prestar socorro ou verificar os assassinados. Dois trabalhadores sem terra também foram encaminhados para a delegacia.

Em nota, a direção estadual do movimento aponta a gravidade da situação e condena o ataque realizado com a participação da polícia militar e o posterior isolamento da área. “Tal atitude permite à policia destruir provas que podem esclarecer o grave fato”, afirma o documento. Segundo o texto, policiais estão criando um clima de terror na cidade de Quedas do Iguaçu, tomando as ruas, cercando a delegacia e os hospitais de Quedas do Iguaçu e Cascavel para onde foram levados os feridos.


MST: Leia a nota completa aqui

A Secretaria Estadual de Segurança Pública (SESP) alega em nota que os policiais foram alvos de emboscada por aparte de integrantes do MST. Para o advogado da Terra de Direitos, Fernando Prioste, a posição da SESP é duvidosa. “É uma contradição dizer que a polícia sofreu emboscada, mas quem morreu foram os trabalhadores”, avalia. As vítimas foram baleadas pelas costas, o que revela a posição de fuga, e não de confronto com a PM e seguranças.

O acampamento Dom Tomás Balduíno se soma ao acampamento Herdeiros da Terra na luta contra o deserto verde de plantação de árvores como Pinus e Eucaliptus por parte da empresa de celulose Araupel. A área onde estão os dois acampamentos e onde aconteceu o massacre pertence à União, mas é grilada pela empresa. Cerca de 3 mil famílias sem terra moram no local.


Na última sexta-feira (1), um reforço nas ações policiais em Quedas do Iguaçu foi anunciado pelo Chefe da Casa Civil, Valdir Rossoni, e pelo Secretário de Segurança Pública do estado, Wagner Mesquista. Segundo Rossoni, o reforço teria como objetivo “levar tranquilidade às pessoas”.

Crimes no campo
Na quarta-feira (6), o assentando da reforma agrária Ivanildo Francisco da Silva foi morto em Mogeiro, na Paraíba. Vítima do latifúndio, o defensor dos trabalhadores e trabalhadoras morreu na frente de sua filha de um ano. Segundo levantamento do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, ao menos 12 defensoras e defensores foram mortos apenas este ano – a maior parte em razão de conflitos no campo.O massacre acontece próximo à data de 20 anos do conhecido como Massacre de Eldorado do Carajás. Na ocasião, 21 integrantes do MST foram assassinados pela polícia militar do Pará. Vinte anos depois da tragédia que foi eternizada pelas fotografias de Sebastião Salgado, os trabalhadores rurais sem terra continuam morrendo.

Também nesta quinta-feira, a liderança indígena Rosivaldo Ferreira da Silva, mais conhecido como Cacique Babau, foi preso durante uma reintegração de posse no Areial Rabo da Gata, área de Ilhéus (BA) reivindicada por empresas de extração de areia, mas que está em processo de demarcação de terra indígena.

Falta de investigações históricas
O MST diz esperar a imediata investigação dos fatos, assim como a prisão dos policias e seguranças e a punição de todos os responsáveis – executores e mandantes – pelo crime cometido. Ao longo dos anos, grande parte dos ataques realizados contra o movimento não são devidamente investigados.

A falta de investigações em casos de assassinatos de trabalhadores rurais sem terra já levaram à condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no caso do agricultor Sétimo Garibaldi. O crime realizado em 1998 segue com a investigação suspensa.

Para ajudar no encaminhamento do massacre desta quinta-feira (7), foram contatados, entre outros, o Ministério da Justiça, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e o Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAOP) do Ministério Público do Paraná. Durante a tarde da quinta-feira, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) encaminhou ao governador do Paraná, Beto Richa, uma carta solicitando medidas urgentes de apoio aos feridos e a garantia da perícia criminal.

O Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos já levou o fato ao conhecimento da Relatoria de Defensores de Direitos Humanos da CIDH, e deve encaminhar informações às relatorias do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).

A Terra de Direitos contribuiu na construção de uma representação encaminhada ao Ministro de Estado da Justiça, Eugênio Aragão. O documento pede que o caso seja investigado pela Polícia Federal, por se tratar de ação que ocorreu em terras da União.

Reforma Agrária, Já!
O cenário de mortes no campo por conflitos de terra em todo o país reflete a urgente necessidade da efetivação da política da reforma agrarária. Na luta contra o latifúndio e a favor da justa distribuição de terras para o plantio e sobrevivência, são os pequenos trabalhadores e trabalhadoras rurais quem saem perdendo – muitas vezes, a vida.

Os ataques para aqueles e aquelas que lutam pelo direito à terra acontecem também de outras formas. Exemplo disso é a recente decisão do Tribunal de Contas da União, que suspendeu as ações de continuidade do Programa Nacional de Reforma Agrária, por supostas irregularidades nos processos de assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Em nota, a Terra de Direitos avaliou a decisão: “A decisão do Tribunal de Contas da União, ao que parece, mais tem por objetivo corroborar com o enfraquecimento do órgão do que atender de fato as demandas dos movimentos sociais e garantir a realização da reforma agrária”.

Leia  “Na conta do TCU o erro é do Incra, mas quem paga é o povo
Fonte: Terra de Direitos

domingo, 15 de novembro de 2015

Seminário: Povos e Comunidades Tradicionais e Cadastro Ambiental Rural


Os limites do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para territórios tradicionalmente ocupados serão debatidos em seminário em Curitiba, nos próximos dias 17 e 18 de novembro. 

Realizado na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, o evento deve reunir povos e comunidades tradicionais que debaterão  a possibilidade do cadastramento com os responsáveis estaduais e federais pelo Cadastro.

Representantes do Serviço Florestal Brasileiro, Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural de Brasília e a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Paraná devem participar da atividade.

O CAR é um instrumento criado a partir do Novo Código Florestal que objetiva o “controle, monitoramento e combate ao desmatamento das florestas e demais formas de vegetação nativa do Brasil, bem como para planejamento ambiental e econômico dos imóveis rurais”.

Apesar de o cadastro ser obrigatório para todos os imóveis rurais do país, há questões que dificultam a inscrição dos territórios de tradicionalmente ocupados no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar). Falta de clareza do instrumento por parte de povos e comunidades tradicionais e limitações nas normas do CAR relativas a esses grupos contribuem para que os cadastros não tenham sido realizados. Apesar da diferenças de uso e conservação entre imóveis rurais individuais e imóveis rurais coletivos – como no caso de povos e comunidades tradicionais -, o Sicar trata as duas situações como semelhantes.
A possibilidade de mostrar como esses grupos constroem seus territórios é o que persegue a Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais – integrada por benzedeiras, cipozeiras, faxinalenses, ilhéus, indígenas, pescadores artesanais e quilombolas  - que promove o evento com o apoio de grupos de pesquisa. A aproximação do esgotamento do prazo para inscrição no CAR em maio do próximo ano (após ser finalizado em meio de 2015, o prazo foi estendido por doze meses) traz o desafio de combater o a invisibilidade desses grupos nos mecanismos do reconhecimento do Estado.
O evento se soma às lutas que estão sendo realizadas por povos e comunidades tradicionais na última década, que colocam a defesa dos modos de vidas tradicionais.
A atividade é promovida pela Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais com o apoio dos grupos de pesquisa de Direito Socioambiental da PUC-PR, pelo Coletivo de Estudos sobre Conflitos pelo Território e pela Terra (ENCONTTRA) do curso de Geografia, pelo projeto de extensão em Políticas Públicas para a Agricultura Familiar Agroecológica do curso de Direito – ambos da Universidade Federal do Paraná -, e pela Terra de Direitos.
Dificuldades de cadastramento
Os limites trazidos pelo instrumento para o cadastramento de povos e comunidades tradicionais é discutida em texto dos pesquisadores Carlos Marés, Claudia Sonda, Angelaine Lemos.
Os autores apontam a dificuldade que populações tradicionais como faxinalenses, geraizeiros, quebradeiras de coco, seringueiros, pescadores e ribeirinhos encontram para o cadastramento. “Os órgãos ambientais, em geral, não reconhecem as especificidades e particularidades culturais dos povos tradicionais, por isso aplicam as leis de forma homogênea sobre realidades e direitos plurais heterogêneos”, aponta o texto. “Esta luta dos povos tradicionais para cadastrar seus territórios inicia com o reconhecimento da propriedade ou posse coletiva, em contradição com a propriedade ou posse individual”.
A mesma dificuldade é encontrada por indígenas e quilombolas, ainda que assistidos por instituições como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), respectivamente – no entanto, no caso de quilombolas, por enquanto, parece não estar definida a instituição responsável para a contribuição do cadastramento.
“Com essa interpretação das leis ambientais a ação dos órgãos ambientais acirra conflitos e muitas vezes estabelecem injustiças e desrespeito aos direitos culturais. Esta prática é conhecida pelos povos tradicionais que têm dificuldade, muitas vezes, de usar as terras segundo seus costumes e tradições por imposição dos órgãos ambientais que, quase sempre, os criminaliza pelas práticas tradicionais. O CAR, como instrumento de monitoramento, porém, deve se apropriar destas diferenças”.
Fonte: Terra de Direitos

Leia também: SFB divulga novos números do CAR (MMA)

sábado, 27 de junho de 2015

Governo federal desapropria 10 imóveis para regularização de Territórios Quilombolas

Pelo menos 1290 territórios quilombolas esperam titulação

No último dia 22, durante a cerimônia de lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar 2015-2016, no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff assinou dez decretos de desapropriação por interesse social de terras para regularização de territórios quilombolas. A medida, segundo o próprio governo,  beneficiará 2.352 famílias.

Os imóveis estão distribuídos em oito estados do país, em áreas de variam de 30,86, como é o caso da área Família Thomaz, em Santa Catarina, para 30 famílias até a 8.472,22 hectares, da comunidade Tijuaçu, no Maranhão, para 828 famílias

Entre as áreas decretadas, está a comunidade Invernada Paiol da Telha, no município de Reserva do Iguaçu, que poderá se torna a primeira comunidade quilombola titulada do estado do Paraná.

Foram decretadas ainda a desapropriação de outro imóvel estado do Maranhão, dois imóveis no estado da Bahia e um imóvel em cada um dos seguintes estados: Ceará, Rio de Janeiro, Pará, Pernambuco e Santa Catarina.

Confira todos os imóveis desapropriados AQUI.

Conforme o Incra, existem 1.290 processos de titulação quilombola abertos em quase todas as Superintendências da autarquia pelo país. Há ainda vários procedimentos abertos em alguns estados em que a titulação também segue pelos institutos estaduais de terras, como no Pará.

A desapropriação de imóveis privados encravados no interior das comunidades é um procedimento administrativo que antecede a titulação coletiva das terras, obrigação constitucional determinada pelo Artigo 68 dos Atos e Disposições Constituições Transitórias da carta de 1988.

Em alguns processos de titulação, o mecanismo de desapropriação não é necessário, pois as comunidades se localizam em terras públicas federais e/ou estaduais.

No  sítio da Comissão Pró-Índio consta relação de todos os decretos de desapropriação expedidos sob a vigência do Decreto 4.887 de 2003, que atualmente regulamenta a titulação dos territórios quilombolas. 

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Em 2014, foram os garis no Rio. Em 2015, os professores no Paraná

Leonardo Sakamoto*

Após milhares de professores e outros servidores públicos, como profissionais de saúde e agentes penitenciários, cercarem e ocuparem a Assembleia Legislativa do Paraná em protesto contra um pacote de austeridade do governo estadual (que pretende mexer em direitos trabalhistas e na Previdência estadual) na semana que passou, a Casa Civil anunciou a retirada das propostas para “reexame'' e para “garantir a integridade física dos parlamentares''.


O governo Beto Richa (PSDB), que tem maioria na casa, tentou aprovar uma votação “expressa'' do pacotão sem que ele passasse pelos trâmites e debates convencionais. Entre outras ações, o governo estadual pretendia utilizar recursos do caixa da Previdência dos servidores para pagamento de despesas atuais, alterar benefícios trabalhistas conquistados pelos professores em seus planos de carreira e mudar a estrutura do sistema educacional, que pode resultar em demissão de profissionais, fechamento de salas de aula e de cursos. Os professores estaduais estão em greve no Paraná.
Revoltados, os manifestantes ocuparam o plenário da Assembleia e cercaram o prédio, exigindo que o projeto fosse retirado de pauta. Deputados estaduais só conseguiram entrar contrabandeados em um camburão da própria polícia.
A polícia militar reagiu com bombas de gás, balas de borracha e sprays de pimenta. Diante do fato dos manifestantes continuarem avançando mesmo com as ações tomadas, os policiais desistiram de dispersar a multidão.
É apenas o início de um processo longo para os servidores paranaenses. Mas esse tipo de história traz uma ponta de esperança em um ano que começa sombrio. Não houve invasão de manifestantes na Assembleia pelo simples fato de que a Assembleia é a casa do povo e, portanto, deve estar sempre aberta a ele. Ou pelo menos deveria estar. Representantes políticos é que são visitantes passageiros dessas casas, colocados por nós lá´para nos representar (OK, na teoria).
Os trabalhadores da educação e outros servidores públicos do Paraná dão um ótimo lembrete para os outros estados e para a União. Se o governo Dilma (PT) e o Congresso Nacional resolverem manter o plano de subtração de benefícios trabalhistas e previdenciários para fazer caixa, o que pode culminar na diminuição da qualidade de vida, serão cobrados por isso. Quem sabe com o povo retomando a casa que lhe é de direito.
Em 2015, professores. Em 2014, garis.
Vale lembrar que a resistência dos garis no Rio de Janeiro levou à prefeitura de Eduardo Paes (PMDB), no dia 8 de março do ano passado, a ceder às reivindicações da categoria que permaneceu em greve por oito dias.
Com isso, o piso passou de R$ 804,00 para R$ 1100,00 mensais, um ganho de cerca de 37%, mais adicional de insalubridade de 40%. Além de aumentos no tíquete-alimentação, entre outros direitos. Ao mesmo tempo, a prefeitura afirmou que reveria 300 demissões declaradas por punição aos grevistas. Se dependesse do sindicato da categoria, que foi ignorado após fechar um reajuste com a prefeitura, o aumento teria sido de 9%.
Desfechos como esses coroam uma ação de trabalhadores, mostrando que é viável lutar por seus direitos, praticamente sem a ajuda de outras instituições e com empregadores poderosos que usam todos os instrumentos para impedir que isso aconteça, como o próprio Estado.
É bom ver o povo retomando o controle das coisas de vez em quando, nem que seja por um breve momento. Pois conforme o primeiro artigo da Constituição da República Federativa do Brasil, é dele que todo o poder emana.
Espero que outras categorias historicamente menos organizadas aprendam com a vitória de professores paranaenses e garis cariocas. Talvez como a categoria dos jornalistas.
*Publicado originalmente no Blog do Sakamoto (fotografias não incluídas na postagem original)

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Terras Quilombolas: agendado o julgamento da constitucionalidade do decreto que regulamenta os procedimentos para titulação.

O julgamento pelo STF está previsto na agenda de 3 de dezembro. Entenda o que está em jogo.

 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3239 voltou à pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) da próxima quarta-feira, 3 de dezembro.

A ADI 3239 foi proposta em 2004 pelo então Partido da Frente Liberal - atual Partido Democratas (DEM) - objetivando a declaração de inconstitucionalidade do Decreto n.º 4.887/2003 que regulamenta o procedimento para a titulação as terras ocupadas por comunidades dos quilombos.

A ADI faz parte de uma ofensiva de interesses conversadores que tentam obstaculizar a efetividade do direito dos quilombolas à propriedade de suas terras.  A eventual declaração de inconstitucionalidade do decreto pode agravar um cenário que já é bastante preocupante. Até hoje, somente 5,7% das famílias quilombolas no Brasil contam com terras tituladas e dessas algumas apenas parcialmente regularizadas.Os mais 1.400 processos em curso no Incra podem ficar paralisados no vácuo das regras para continuidade dos procedimentos.

• Conheça o texto do Decreto n.º 4.887/2003

Julgamento iniciado em 2012
Em 18 de abril de 2012, foi iniciado o julgamento da ADI com o voto do então ministro Antônio Cezar Peluso, relator, pela inconstitucionalidade do decreto questionado. O relator entretanto, “em respeito ao princípio da segurança jurídica e aos cidadãos que, da boa-fé, confiaram na legislação posta e percorreram o longo caminho para obter a titulação de suas terras desde 1988”, decidiu modular os efeitos da decisão para “declarar bons, firmes e válidos” os títulos de tais áreas, emitidos até agora, com base no Decreto 4.887/2003. 

Foto: Lúcia Andrade

 O pedido de vista da ministra Rosa Weber interrompeu a sessão de julgamento, que agora retorna à pauta do STF.

Constitucionalidade do Decreto
Dentre as alegações do DEM está a de inconstitucionalidade formal do decreto por inexistência de lei que lhe confira validade. Questiona-se também a adoção do critério de auto definição para identificar as comunidades remanescentes de quilombos e da possibilidade de se desapropriar áreas para garantir a regularização das terras quilombolas.

Já a constitucionalidade do decreto é defendida pela Advocacia Geral da União, pela Procuradoria Geral da República e por diversas ONGs e órgãos do governo que requereram a entrada no processo como amicus curiae como a Sociedade Brasileira de Direito Público, Conectas Direitos Humanos, Instituto Pró-Bono, Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos, Justiça Global, Instituto Socioambiental, Instituto Polis, Fetagri-Pará, Procuradoria Geral do Estado do Pará e a Procuradoria Geral do Estado do Paraná.

A constitucionalidade do Decreto 4.887/2003 vem sendo reconhecida pelo Poder Judiciário em outras instâncias. Foi o que aconteceu, entre outros, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº5005067-52.2013.404.0000. Em dezembro de 2013, Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região votou pela constitucionalidade do decreto:

“3. Como direito fundamental que é, o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias guarda aplicabilidade imediata. 'Princípio é imperativo. Princípio está no mundo jurídico. Princípio é mais do que regra. Não teria sentido exigir complementação para um princípio que é mais do que uma regra e que contém a própria regra'. (Desembargador Paulo Afonso Brum Vaz).

4. Assim não fosse, ad argumentandum tantum, '...ainda o Decreto 4.887/2003 estaria a regulamentar a Convenção 169 da OIT. Portanto, ele não seria um decreto autônomo, ele estaria a regulamentar a convenção 169 e portanto não sofreria dessa eiva de inconstitucionalidade. Da mesma forma, ele estaria a regulamentar o art. 21 do Pacto de São José da Costa Rica, que a Corte vem aplicando de uma forma já agora em inúmeros casos a situações semelhantes à dos autos, não só com relação à terra dos índios, mas também a terras ocupadas, por exemplo, no Suriname por negros que fugiam do regime de plantation e que portanto têm uma situação fática e jurídica em tudo semelhante à dos nossos quilombolas visibilizados pela Constituição de 88.' (Dr. DOMINGOS SÁVIO DRESH DA SILVEIRA, citando FLÁVIA PIOVESAN, em seu parecer, evento 46, NTAQ1).

5. O art. 68 do ADCT contém todo o necessário à concretização de seu teor mandamental, absolutamente desnecessária qualquer 'complementação', que consistiria apenas em repetir aquilo que a Lei Maior já diz.

6. A desapropriação, na hipótese, já está regulamentada em lei, que prevê o uso do instituto por interesse social, ausente qualquer vedação a seu uso no alcance do escopo constitucional inarredável de preservar e proteger o quilombo; ou o remanescente de quilombo.

7. Arguição de inconstitucionalidade que se rejeita”.

A Comissão Pró-Índio de São Paulo se soma aos quilombolas, às ONGs e aos juristas que defendem a constitucionalidade do Decreto 4.887/2003 e a efetividade dos direitos garantidos pela Constituição Federal às comunidades quilombolas.

  
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