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segunda-feira, 18 de julho de 2016

Terra Bruta: a destruição nos confins do Brasil


Na última semana (10 a 17 de julho), o sítio e o jornal O Estado de São Paulo trouxe uma série especial de reportagens, que expõe a violência enraizada em várias partes do interior do país, nos estados de Mato Grosso, Amazonas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia e Tocantins.

Entre setembro de 2015 e março deste ano, o Estado percorreu 15 mil quilômetros de estradas federais e trilhou um mapa ignorado pelo governo federal, num universo composto por tortura, incineração de corpos, chuvas de veneno, suicídios de índios, violência contra mulheres, ônibus escolares na mira de fuzis, esquema de venda de licenças, pistolagem paga por planos de manejo e tabelas de execuções.

O preço do hectare e da madeira acirra a concorrência entre guaxebas, tradicionais matadores de aluguel, e catingas, milicianos que surgem no mercado do terror. A repercussão da chacina de Eldorado do Carajás, em que 19 camponeses foram mortos há 20 anos no Pará, não puxou para baixo a curva da barbárie. O cruzamento de acervos do poder público e de entidades da sociedade civil revela que pelo menos 1.309 pessoas foram mortas em conflitos rurais no Brasil desde 1996. É como se um massacre da mesma proporção ocorresse a cada 100 dias. O número de assassinatos equivale ao volume de árvores cortadas na Amazônia a cada 30 segundos, ininterruptamente, nas duas últimas décadas. A lista dos mortos inclui a geração nascida em agrovilas fracassadas, canteiros de obras inacabadas e aldeias sufocadas no tempo do Brasil Grande, projeto de desenvolvimento da ditadura militar.

Trata-se de um levantamento inédito de assassinatos em conflitos rurais por terras e madeira. Eles ocorrem geralmente em áreas afastadas, onde não há proteção institucional ou apoio da rede de advogados ligados à questão do campo. As vítimas são, em sua maioria, pequenos agricultores e índios, mas também há fazendeiros, seguranças e pistoleiros. Parte considerável dos assassinatos é cometida por grileiros e grandes proprietários de terra. Os dados apontam que 97% das mortes são de camponeses e indígenas.

Os principais caminhos escolhidos pela reportagem foram traçados ainda no regime militar e se transformaram em canteiros de obras do governo federal. Rotas da investigação, as BRs 060, 070, 364, 163, 230, 242, 319, 158 e 155 foram desenhadas sobre antigos caminhos de bandeiras e monções que partiam do litoral para a conquista do interior no século 17.

O material divulgado pelo Estado, além de possuir detalhado levantamento de campo, trás fotografias de Dida Sampaio e Hélvio Romero, além de gráficos, vídeos e mapas interativos que completam e ilustram o texto de André Borges e Leonencio Nossa.

Confira:
Na defesa da floresta, os extrativistas Éder Chaves Dias e João Coelho tentam impedir a passagem de invasores pelo Vale do Jamari, em Rondônia. Estão marcados para morrer. Como eles, há centenas de outros na lista do crime organizado que avança sobre as terras da União rumo à Amazônia, maior reserva tropical do planeta. Ao mapear a grilagem em sete Estados do Norte e Centro-Oeste do País, o Estado identificou 482 focos ativos de tensão e violência conflagrados sob incentivo dos últimos governos e do Judiciário em 143 municípios, uma realidade descolada das mudanças de poder na política nacional.

Uma bandeira do Movimento dos Sem-Terra (MST) foi estendida na entrada da Fazenda União Recanto Cinco Estrelas, uma terra da União em Novo Mundo, Mato Grosso. É um disfarce. Os homens armados que vigiam a área de 9,6 mil hectares, uma área três vezes maior que a do centro da cidade de São Paulo, são milicianos, os chamados catingas, pagos por fazendeiros, advogados, topógrafos e servidores das prefeituras da região para ocupar a fazenda, que estava para virar um assentamento do Incra.

O fazendeiro Carlos Raposo, de Nova Guarita, norte de Mato Grosso, contratou uma empresa aérea para lançar agrotóxico nas terras de famílias do Assentamento Raimundo Vieira III, vizinho de sua propriedade. Ele ainda é acusado de intimidações e quebra de cercas. Os assentados cortavam palha de fazer vassoura quando viram um avião amarelo com letras azuis se aproximar no céu, em voo baixo. Pensaram que era uma aeronave da Polícia Federal, que vinha resolver os “problemas”. O avião passou por eles, adiante aumentou a altitude e deu novo rasante. Daí veio um cheiro forte. “É veneno”, gritaram Rudinei Ribeiro, de 36 anos, e a mulher dele, Creuza da Silva Dutra, de 49. O aparelho despejou agrotóxico nos agricultores, nos telhados das casas e nas plantações.

Em Eldorado do Carajás, no Pará, as covas das 19 vítimas do massacre ocorrido duas décadas atrás viraram miragem. Firmas de segurança atuam como milícias, contratadas para proteger grileiros. Do massacre até hoje, 197 pessoas foram assassinadas em conflitos no sudeste e sul do Pará. Um dos focos de tensão fica a 40 quilômetros da Curva do S. Famílias de sem-terra disputam a posse da Fazenda Cedro, de 8,3 mil hectares, sendo 80% da União. Histórias de terror marcam o Acampamento Helenira Resende, nome de uma guerrilheira morta pelo Exército em 1972. Ali vivem 450 famílias. A maioria dos adultos trabalha como peão e consertador de cercas nas fazendas próximas.



A repercussão do assassinato da missionária americana Dorothy Mae Stang, em Anapu (PA), em 2005, tornou-se uma barreira ao avanço de madeireiros no rumo do oeste da Amazônia. O crime organizado continua, no entanto, matando defensores da floresta. Para camuflar os homicídios, pistoleiros executam vítimas em ruas e bares de pequenas cidades da região. Colega de Dorothy, a também missionária americana Jane Dwyer aponta sete mortes por conflito de terra e madeira ocorridas em Anapu no ano passado. Ela rejeita a versão da Polícia Civil, que investiga apenas uma morte no período causada por disputa no campo. "Eles inventam. Matar na cidade é estratégico. Dizem que é por causa de mulher, bebida, vingança. Não é. É por terra.”

No dia 5 de dezembro de 2014, uma sexta-feira, um registro inusual apareceu na tela do sistema de Documento de Origem Florestal (DOF) do Ibama, programa utilizado pelos Estados para oficializar processos de extração de madeira em todo o País. Com apenas um clique, a Secretaria Ambiental de Rondônia havia liberado uma “autorização de exploração florestal” (Autex) para a derrubada de 17.613 metros cúbicos madeira, em benefício de Paulo Firmino da Silva. Era um volume abissal. Em condições normais, essas autorizações costumam envolver quantidades bem menores, algo em torno de 3 mil ou 4 mil metros cúbicos. A retirada de toda aquela madeira, que seria feita em uma única área de “plano de manejo florestal sustentável”, equivalia a enfileirar 880 caminhões abarrotados de toras. Mas o problema não era só a dimensão do pedido, e sim como e por quem foi liberado.

Da Serra do Roncador (MT) à Ilha do Bananal (TO), o gado avança sobre áreas sensíveis de Cerrado e floresta. Sopés dos grandes granitos do norte do Mato Grosso e terras da maior ilha fluvial do mundo viraram pasto. Embora seja proibido criar gado em área indígena, na reserva dos carajás, no Tocantins, fazendeiros já mantêm mais de 93 mil cabeças de gado. Pressionados pela ocupação descontrolada do solo, índios passaram a fazer parte do negócio, arrendando terras para invasores que pagam pequenas quantias para ter acesso à ilhabanhada pelos Rios Araguaia e Javaés. Vice-cacique da Aldeia Santa Isabel do Morro, onde vivem 900 índios, Txiarawa Karajá conta que a tribo recebe de R$ 30 mil a R$ 40 mil por ano para não impor resistência. O dinheiro, rateado entre 15 fazendeiros, é repassado aos índios em duas parcelas. “A gente sabe que não é legal, mas aceita essa situação porque precisa do recurso. Eu acho que é pouco, não dá para resolver nada. Mas, como a Funai não tem dinheiro, precisamos fazer isso.”

Os tratores se movimentam entre a plantação e um pedaço de mata na Fazenda Brasília do Sul, em Juti, a 320 km de Campo Grande (MS). A poucos metros dali, uma família guarani-caiová, acampada num canto da propriedade, tenta se concentrar nas orações diante de uma cova improvisada. Duas semanas antes, Virgílio Veron, de 47 anos, cometeu suicídio ao saber que a Justiça havia determinado nova retirada dos índios. A possível chegada de tropas para despejar as famílias deixou a comunidade em estado de tensão. Naqueles dias, Virgílio não escondia o temor. “Ele não conseguia dormir ou comer. Deixou seis filhos, não suportou”, diz Valdelice Veron, sua prima.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Corpo de Nicinha é encontrado após cinco meses desaparecido

A militante do MAB em Porto Velho (RO), Nilce de Souza Magalhães, foi assassinada em janeiro deste ano e seu corpo ainda estava desaparecido

Nesta terça-feira (21), o corpo de Nilce de Souza Magalhães, mais conhecida como Nicinha, foi encontrado no lago da barragem da Usina Hidrelétrica Jirau, em Porto Velho (RO). A liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) havia sido assassinada no início do ano e seu corpo estava desaparecido desde o dia 7 de janeiro.
O cadáver foi achado em um local há apenas 400 metros de distância da antiga moradia da militante, que vivia em um acampamento de pescadores no rio Mutum. Descoberto por trabalhadores da hidrelétrica, o corpo estava com as mãos e pés amarrados por uma corda e ligado a uma pedra.
Duas filhas de Nicinha, chamadas ao Instituto Médico Legal para fazerem o reconhecimento do corpo, confirmaram que o relógio e as roupas encontradas com o corpo eram da mãe. Apesar disso, a comprovação virá apenas com o resultado do exame de DNA, em aproximadamente 15 dias.
Impunidade
Nicinha foi vista pela última vez na barraca de lona onde morava com seu companheiro, Nei, em um acampamento com outras famílias de pescadores, atingidas pela Usina Hidrelétrica (UHE) Jirau, na localidade chamada de “Velha Mutum Paraná”.
Há cerca de dois meses, Edione Pessoa da Silva, preso após confessar o assassinato da militante, fugiu da Penitenciária Estadual “Edvan Mariano Rosendo”, localizada em Porto Velho (RO), onde estava detido.
A liderança era conhecida na região pela luta em defesa das populações atingidas, denunciando as violações de direitos humanos cometidas pelo consórcio responsável pela UHE de Jirau, chamado de Energia Sustentável do Brasil (ESBR). Filha de seringueiros que vieram do Acre para Abunã (Porto Velho) em Rondônia, onde vivia há quase cinquenta anos, foi obrigada a se deslocar para “Velha Mutum Paraná” junto a outros pescadores. No local, não existia acesso à água potável ou energia elétrica.
Nilce realizou diversas denúncias ao longo desses anos, participando de audiências e manifestações públicas, entre as quais, apontou os graves impactos gerados à atividade pesqueira no rio Madeira. As denúncias geraram dois inquéritos civis que estão sendo realizados pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual sobre a não realização do Programa de Apoio à Atividade Pesqueira e outro, de caráter criminal, em função de manipulações de dados em relatórios de monitoramento.
Ainda emocionados pelo aparecimento do corpo de Nicinha, lideranças do MAB reafirmaram a necessidade de esclarecimento do caso e punição aos culpados. Em breve, um ato político em homenagem a militante será convocado em Porto Velho.
Fonte: Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB

quarta-feira, 15 de junho de 2016

A morte de Konibu e o crime de genocídio de Romero Jucá

Enquanto era presidente da Funai, Jucá entregou as terras dos índios Akuntsu a seus algozes, diz sertanista


Parte do sofrimento de Konibu deve-se a um ato de Jucá na presidência da Funai: a destinação da terra onde os indígenas viviam para fazendeiros

Por Felipe Milanez*

Na última quinta-feira, 26 de maio, faleceu em Rondônia o indígena Konibu, o velho líder e xamã do povo Akuntsu. Sobrevivente de um genocídio, ele já estava bastante debilitado por um câncer e problemas cardíacos, e tinha em torno de 85 anos., Morreu em paz, deitado na rede dentro da maloca onde viva, auxiliado por agentes de saúde e pelo sertanista da Funai, Altair Algayer.
Se a morte foi tranquila, no entanto, Konibu sofreu muito em vida. E parte desse sofrimento se deve a um  ato político de Romero Jucá enquanto era presidente da Funai: a destinação da terra onde os indígenas vivam para fazendeiros.
Os Akuntsu, seus vizinhos Kanoê e o “Índio do Buraco” são remanescentes de três povos que sofreram um genocídio de 1985 até os últimos ataques documentados em 1995.
O ex-ministro do Planejamento teve participação direta nesse processo enquanto era presidente da Funai (1986-1988): foi ele quem desinterditou a área e a destinou a fazendeiros que cometeram os crimes.


Resolução de Romero Jucá em 1986, publicada no Diário Oficial
Por isso, a morte de Konibu e a tragédia de seu povo trouxeram à tona uma grave questão atual, com Jucá e as articulações políticas contra os direitos indígenas: o governo interino ameaça rever a demarcação das terras indígenas feitas no governo Dilma, exatamente o que Jucá fez em 1986 com os Akuntsu e que levou ao genocídio.
Em  manifestação recente, a ONU denunciou que estes retrocessos podem implicar em “riscos de etnocídios”. A análise do caso dos Akuntsu revela exatamente o que aconteceu nos anos 1980, e pode novamente se repetir. Retirar o status de proteção de uma área ocupada por indígenas e destiná-la a ruralistas pode levar a um genocídio, como o caso dos Akuntsu, o qual Konibu e seu povo foram vítimas.
O caso a participação de Jucá no processo de genocídio dos Akuntsu não foi reportado no relatório da Comissão Nacional da Verdade, mas consta no livro Memórias Sertanistas: Cem Anos de Indigenismo no Brasil (Sesc, 2015). A questão da participação de Romero Jucá no genocídio, ao desinterditar a área, também foi omitida da  notícia veiculada pela assessoria da Funai na semana passada, ao divulgar a morte de Konibu.
O genocídio Akuntsu
Em 1985, o sertanista da Funai Marcelo dos Santos trabalhava no sul de Rondônia com os Nambiquara, e foi a campo verificar a presença indígena em uma área demandada pela Fazenda Guaratira, que negociava créditos do Banco da Amazônia e pediam à Funai uma “certidão negativa da presença indígena”.
Ao visitar a fazenda, Santos foi informado por trabalhadores de que teria ocorrido um massacre em uma fazenda vizinha: “Olha, não pode falar, não, porque este lugar aqui é muito perigoso. Mas eu vou avisar para você. Aqui, nessa fazenda, vocês não vão encontrar índio, não. Mas se vocês forem lá na Fazenda Yvypytã, ‘aconteceu’ alguma coisa. Teve uma confusão lá, porque acuaram os índios e eles correram” (Memórias Sertanisas, página 332).
A Yvypytã era de propriedade de Antonio José Rossi Junqueira Vilela, acusado de comandar um massacre de garimpeiros dentro dessa mesma fazenda, em 1983 (Inquérito Policial 114/83, na delegacia de Vilhena)
Ao ser informado da denúncia, Santos foi junto de um grupo de índios Nambikwara e do documentarista Vincent Carelli procurar vestígios e encontrou uma pequena aldeia com quatro casas destruídas e cápsulas de revolver. Essas cenas aparecem no filme Corumbiara, de Vincent Carelli, que está disponível na internet.
Com as evidências da presença indígena, Santos negou a certidão e pediu a interdição da área. A Funai enviou o sertanista Sydney Possuelo para comprovar as alegações, e o então Presidente da Funai Apoena Meireles assinou a Portaria nº 2.030/E/1986, publicada em 11 de abril de 1986, interditando 63.900 hectares, com base no levantamento de Santos, com o nome de “Área Indígena Omere”.
“Eu desenhei o mapa da interdição com os poucos conhecimentos que eu tinha na época que eu estava lá dentro da área. Mas não tinha andado no mato para saber porque os pistoleiros não permitiam e nos ameaçavam”, relata Marcelo dos Santos em entrevista.
A interdição envolvia três fazendas na época, e os sertanistas podiam entrar na área para investigar os crimes, o que intimidava os fazendeiros a desmatarem e, possivelmente, praticarem novos ataques.
Ficavam também suspensos os financiamentos e por isso a Yvypytã entrou com uma ação judicial e conseguiu uma liminar para desinterditar a área. Em recurso da Funai ao Tribunal Regional Federal, o ministro Lauro Leitão cassou a liminar para manter a área sob interdição, ante “manifesta a possibilidade de grave lesão”, a “iminente possibilidade do aniquilamento físico da população tribal remanescente”, em decisão datada de 21 de maio de 1986.
Com isso, permanecia válida a portaria da Funai, protegida também por uma decisão judicial de segunda instância. Acontece que nesse mesmo mês de maio de 1986 Romero Jucá assumiu a presidência da Funai.
Não foram poucos os crimes cometidos por Jucá enquanto esteve na presidência da Funai, como escreveram recentemente Pádua Fernandes , em artigo no seu blog, e  João Fellet, na BBC, e a participação no genocídio dos Akuntsu vem a se somar a uma série de violência contra os povos indígenas.
Em 12 dezembro de 1986, Romero Jucá revogou a portaria assinada por Apoena Meireles e assinou uma “nova” portaria com o número 1.813 para “desinterditar” a área e revogar a portaria 2030/E, assinada pelo seu antecessor, Apoena Meireles. Ou seja: fez um novo ato administrativo, já que judicialmente a terra estava garantida aos índios, para transferir a posse aos fazendeiros. Há um temor dos povos indígenas que uma estratégia parecida seja utilizada pelo governo interino de Temer.
A decorrência desse ato de Jucá resultou em novas invasões no território indígena, o desmatamento da área, novos ataques aos Akuntsu, aos Kanoe e, sobretudo, também ao “índio do Buraco”, um outro povo indígena que tem agora apenas um único sobrevivente. Sertanistas da Funai, e Marcelo dos Santos especificamente, passaram a ser proibidos de entrar na área. A participação de Jucá nesse processo de genocídio não foi incluída no relatório da Comissão Nacional da Verdade, que apresenta os envolvimentos de Jucá na invasão de garimpeiros na TI Yanomami.
O contato e o convívio com os sobreviventes
Apenas nos anos 1990, quando Sydney Possuelo assume a presidência da Funai em 1991, que Santos consegue autorização para voltar a investigar o genocídio do rio Omere, em Corumbiara. Nesse período, Altair Algayer, que migrou com sua família do sul para Rondônia, se junta à equipe da Funai.
Em 1995, um mês depois do massacre de camponeses em Corumbiara, Santos, Algayer e Carelli encontram dois irmãos Kanoe, Purá e Tiramantu, em uma pequena clareira que viram numa imagem de satélite e, em campo, descobriram ser a aldeia dos Kanoe. As imagens de Vincent Carelli foram parar no Fantástico e serviram para a Funai publicar uma nova interdição da área e reiniciar o processo de demarcação.



Um mês depois do contato com os Kanoe, os sertanistas foram guiados por eles até os Akuntsu. E, no ano seguinte, encontraram vestígios de um novo ataque ao povo do “índio do Buraco”, descobrindo em meio a um desmatamento feito durante o período de chuvas, o que não é comum, casas queimadas, capsulas de revolver, e diversos vestígios materiais de uma pequena aldeia. Isto prova que o ataque aos indígenas, ao menos desde o massacre relatado por trabalhadores da fazenda em 1985, foi constante até 1996.
Durante esse processo de contato com os indígenas, a Funai contou com apoio de uma rede de colaboradores e movimento social, como o cinegrafista Vincent Carelli e sua esposa, a antropóloga Virgínia Valadão, indigenistas da Opan, como Inês Hargreaves, e da Kanindé, como Pedro Rodrigues, Rogério Vargas, Ivaneide Cardoso, e indigenistas do CIMI. A Terra Indígena Rio Omerê foi homologada em 2006.
Morte de Konibu
Os Akuntsu eram sete indígenas em 1995. Konibu, o mais velho, com uma esposa e três filhas, e uma senhora mais velha, chamada Ururu e um filho adotivo, Pupak. Uma das filhas morreu em 2000 quando uma árvore caiu sobre a casa da família. Em 2009, faleceu Ururu.
Após uma epidemia de doenças respiratórias, idas e vindas em hospitais, e uma profunda depressão sobre os índios, Ururu deitou-se na rede e se deixou morrer, sem se alimentar por uma semana. Escrevi sobre esta triste morte na revista RollingStone, e pode ser lido aqui. Algayer acompanhou todos os momentos, e ajudou os indígenas a preparar o funeral.
Novamente, com Konibu, Algayer também assistiu de perto os últimos momentos. Ele diz que as duas filhas e a viúva estão “desamparadas, desorientadas”, assim como Pupak, filho adotivo de Ururu, que continua bastante impactado. “Desde a morte da Ururu, ele ficou muito abatido, sozinho. Acompanhava o Konibu no dia a dia, ajudando na caça. Mas está bastante isolado e solitário”.
O mais sofrido, conta ele, é a parte espiritual. “O konibu era o último xamã, e elas não sabem fazer os trabalhos rituais. Isso cria uma angústia muito profunda, muita tristeza. Elas temem que o espírito dele não esteja bem. Elas não têm mais segurança espiritual, e nem física. É muito triste.”
No dia do funeral, o três remanescentes Kanoe, o indígena Purá, sua irmã Txinamanty, mãe de Bakwa, já estava na base. Txinamanty é xamã, assim como era Konibu, mas são de povos diferentes e possuem e cosmovisões distintas.
“No outro dia da morte, a gente percebeu que ela passou a noite inteira cheirando rapé. Ela fez um ritual sozinha na aldeia dela. E uns dias antes da morte ela vinha e fazia rituais de cura para ajudar o Konibu, que estava em uma situação difícil, na rede.”
Konibu estava na rede praticamente sem conseguir se mexer e convalescendo desde janeiro. Nos últimos dias, ele precisava de ajuda para se levantar e para sentar. “Não tinha mais força”, relata Algayer.
A tragédia de um fim do genocídio é um drama existencial profundo e perturbador, que Algayer enfrenta com um humanismo extraordinário.
Conforme depoimento de Marcelo dos Santos, às paginas 314 do livro Memórias Sertanistas: “Saiu o Apoena e entrou o Romero Jucá. A primeira providência do Romero Jucá: me proibir de entrar na área. Fui proibido de sair dos Nambikwara e entrar na área do igarapé Omerê. E, junto com a minha proibição, ele desinterditou a área.”
E relata: “Foi a primeira manifestação da Justiça sobre o caso. Assim mesmo, o senhor Romero Jucá entregou as terras dos índios isolados aos algozes.”
Em um artigo que assino junto do antropólogo Glenn Shepard, na revista Tipiti, discute essa trágica situação de povos remanescentes de genocídios recentes, as contradições da Funai com relação as demarcações, e a dedicação e o humanismos dos sertanistas, como de Altair Algayer. O texto pode ser acessado aqui.
*Fonte: Carta Capital- Blog do Felipe Milanez

sábado, 28 de maio de 2016

Pelo menos 24 defensores de direitos humanos foram mortos em 4 meses, diz comitê


Camila Boehm*

Pelo menos 24 defensores de direitos humanos foram assassinados no Brasil nos quatro primeiros meses deste ano. Desses, 21 defendiam direitos agrários e faziam parte de movimentos e organizações de luta pela terra.

Os dados foram levantados pelo Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos – grupo formado por entidades da sociedade civil, como a Artigo 19, Justiça Global, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

O levantamento foi enviado, por meio de denúncia, à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização de Estados Americanos (OEA) com o objetivo de pressionar o governo brasileiro na proteção dos defensores e na responsabilização dos culpados pelos crimes. O primeiro documento foi encaminhado às organizações no dia 8 de março. Mas dois foram enviados nos dias 11 e 27 de abril, totalizando o relato de 22 mortes.

É a primeira vez que o comitê faz o levantamento, por isso não há dados do ano passado. Em todo o ano de 2015, foram registrados 50 assassinatos no país relacionados a conflitos fundiários, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que faz o monitoramento desde 1985. De acordo com a CPT, 90% dos casos ocorreram nos estados do Maranhão, Pará e de Rondônia.

Povo Guajajara
Entre os assassinatos levantados pelo comitê, estão o de quatro indígenas do povo Guajajara, da Terra Indígena (TI) Arariboia, no Maranhão, no intervalo de menos de um mês, entre os dias 26 de março e 22 de abril. O povo protesta contra madeireiros ilegais que exploram a área indígena.

No Dia do Índio, 19 de abril, Isaias Guajajara, de 32 anos, foi assassinado a facadas no município de Amarante do Maranhão, próximo à terra indígena. Poucos dias depois, no Dia da Terra (22), o corpo de Assis Guajajara, 43 anos, foi encontrado, em um riacho, com marcas de violência.

Antes, no dia 11 de abril, Genésio Guajajara, 30 anos, foi morto a pauladas e com um tiro no peito, também na zona urbana de Amarante do Maranhão. Ele estava na cidade para receber a cesta básica distribuída pela Fundação Nacional do Índio (Funai). E com apenas 16 anos, o indígena Aponuyre Guajajara foi morto a tiros no mesmo município.

Segundo o Cimi, há pouca fiscalização no local e os crimes não são investigados. O território, que é demarcado e habitado pelos Guajajara e pelos Awá, sofre pressão dos madeireiros, o que traz clima de insegurança.

“O primeiro motivo que avaliamos para tantos assassinatos e uma crescente violência contra os povos indígenas é justamente a morosidade do Estado em responder às demandas urgentes, que são as demarcações de terras, para sanar os conflitos”, disse Alessandra Farias, assessora jurídica do Cimi. A entidade ressalta que os indígenas são constantemente ameaçados em diversos estados e têm os recursos de seus territórios explorados ilegalmente.

O relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, do Cimi, mostra que a presidenta Dilma Rousseff, atualmente afastada do cargo, não assinou nenhuma homologação de terra indígena em 2014, apesar de pelo menos 21 processos de demarcação de terras estarem aguardando assinatura. Dados sobre a homologação em 2015 devem ser divulgados pela entidade a partir de junho.

Em 2014, o Cimi identificou 118 casos de omissão e morosidade na regulamentação de terras, mais do dobro do que foi registrado em 2013 (51 ocorrências). O Pará é o estado com o maior número de ocorrências de omissões e morosidade na regulamentação de terras (42). “O não reconhecimento das terras indígenas está diretamente ligado às intenções do governo federal de construir grandes hidrelétricas, como no caso da São Luiz do Tapajós que, se construída, alagará aldeias, florestas e cemitérios da Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku”, diz o relatório do Cimi.

Conflitos agrários
Os conflitos agrários atingem não só indígenas, mas integrantes de movimentos sociais. O pesquisador da Justiça Global, Antonio Neto, disse que os assassinatos ocorridos no campo “mostram primeiro uma dívida histórica do Estado brasileiro em resolver o problema agrário”.

“Não adianta pensarmos em políticas paliativas de proteção e cuidado para os defensores de direitos humanos no campo se a gente não resolve essa dívida histórica com a questão agrária no país”, afirmou.

Pesquisador da questão agrária no Brasil, o professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira, atribui a atual violência no campo à ausência de uma real reforma agrária no país e à queda no número de novos assentamentos.

Segundo o professor, houve dois picos de assassinatos decorrentes de conflitos no campo no país: em 1985, durante o governo de José Sarney, na aprovação do 1º Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). No mesmo ano, latifundiários criaram a União Democrática Ruralista (UDR), a fim de defender seus interesses e se contrapor ao plano.

Neste ano, o número de assassinatos por causa de conflitos no campo chegou a 139. Em 1986, foram 122 assassinatos e, em 1987, 133. Nos anos seguintes, o número foi caindo, chegando a 21 assassinatos em 2001.

Conforme Oliveira, já em 2003, quando foi apresentado o 2º PNRA, os assassinatos voltaram a crescer e atingiram a marca de 73. No ano anterior, foram 43 mortes. “Lá atrás [a ocorrência dos assassinatos] era para inviabilizar a reforma agrária. Aqui [atualmente] é porque a reforma agrária não foi feita. A ausência da reforma agrária é que faz com que os conflitos cresçam”, avaliou Oliveira.

O professor contesta ainda a forma como os dados da reforma agrária são divulgados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Esses dados incluem não só os chamados novos assentamentos, mas também casos de regularização fundiária (quando os posseiros já ocupam a terra e o governo regulariza), de reconhecimento de assentamentos antigos e ainda de situações em que o governo precisou reassentar um grupo em razão de uma obra pública.

“Ele [Incra] conta tudo como reforma agrária. E não é”, discorda Oliveira. “O governo Lula, no primeiro mandato, diz que assentou 381 mil famílias, mas, em verdade, assentou apenas 150 mil famílias em novos assentamentos”, disse o pesquisador em documento da Comissão Pastoral da Terra. No segundo governo Lula, foram 65 mil famílias em novos assentamentos. Já no primeiro governo Dilma, foram 31 mil, “o menor índice comparando até com o tempo dos militares”, segundo o pesquisador.

Incra
Questionado se a violência do campo está ligada à falta de reforma agrária, o Incra respondeu, em nota, que “os conflitos no campo estão relacionados a diversos fatores, como a luta pelo acesso à terra, disputas relacionadas à posse de áreas, desmatamento ilegal e desenvolvimento de atividades econômicas na zona rural” e que não é correto falar em falta de reforma agrária. O instituto informou que não faz o acompanhamento de conflitos agrários e não dispõe de dados para verificar se houve ou não aumento da violência no campo.

Sobre o modelo de divulgação dos dados da reforma agrária, o Incra diz que considera como assentados “agricultores sem-terra, posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários, além de agricultores cuja propriedade não ultrapasse um módulo rural”.
“A reforma agrária não se restringe somente às famílias assentadas em novas parcelas [chamados novos assentamentos]”, disse o Incra, argumentando que a legislação reconhece todos esses como beneficiários do PNRA.

MST
O levantamento Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos cita ainda as mortes de dois integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 7 de abril, no Paraná.

Segundo o relatório, cerca de 25 trabalhadores circulavam de caminhonete e de motocicleta, dentro da área decretada pública pela Justiça, fazendo uma ronda de rotina quando foram surpreendidos pelos policiais e pelos seguranças privados da empresa Araupel.

De acordo com o MST, os policiais e seguranças começaram os disparos. Conforme o movimento, os camponeses não estavam armados e não houve troca de tiros. O relatório diz que “por quase duas horas a área foi isolada pela Polícia Militar, impedindo o acesso de familiares, o socorro aos feridos bem como o acesso de qualquer pessoa que quisesse documentar a cena do crime”.

Além das mortes de Vilmar Bordim (44 anos) e Leomar Bhorbak (25 anos), mais sete sem-terra ficaram feridos por disparos de arma de fogo. As vítimas eram do acampamento Dom Tomas Balduíno, no município de Quedas do Iguaçu (PR).

Na ocasião, a Polícia Militar informou que duas armas de fogo foram apreendidas no local.
Sobre o caso, a polícia disse que duas equipes da corporação acompanhavam um grupo de funcionários da empresa Araupel no combate a um incêndio dentro de uma fazenda de celulose da companhia, ocupada pelos sem-terra. Eles teriam sido vítimas de uma emboscada organizada por mais de 20 integrantes do MST e teriam reagido ao ataque, o que resultou na morte de dois camponeses e deixou feridos. Em relação ao acesso das famílias ao local, a PM informou que foram enviadas equipes para resgatar os feridos e remover os corpos.

O MST negou que tenha havido um incêndio na região.
Na época, o MST disse ainda que dois integrantes tiveram a prisão preventiva decretada, enquanto estavam internados no hospital, após serem baleados pelas costas. De acordo com o movimento, eles não tiveram acesso a advogado no momento em que estavam hospitalizados.

Recém-operados, um deles chegou a passar um fim de semana detido, enquanto outro passou um dia preso na delegacia. Eles foram acusados de porte ilegal de armas e conseguiram prisão domiciliar. Na ocasião, a defesa dos dois sem-terra disse que não foram encontradas armas com os camponeses.

Em entrevista à Agência Brasil, o advogado dos rapazes, Claudemir Torrente Lima, afirmou que a prisão domiciliar foi revogada em 29 de abril e foi concedida liberdade com restrições, que inclui o uso de tornozeleira eletrônica. Ficou determinado ainda que ambos podem circular em uma área de 15 quilômetros no entorno da residência de cada um e que devem se recolher necessariamente em casa durante a noite.

No entanto, até o dia 13 de maio, os jovens continuavam cumprindo a prisão domiciliar, porque a central de monitoramento local não havia sido notificada da nova decisão. Os dois trabalhadores não quiseram dar entrevista antes do fim de seus depoimentos à polícia.

A fazenda da Araupel foi palco de conflito desde 1996, quando dois integrantes do MST morreram em um confronto com funcionários da empresa. A área, onde o MST está acampado atualmente, foi ocupada há cerca de dois anos e é razão de briga judicial entre a empresa e o movimento.

Programa de Proteção
Para o pesquisador da Justiça Global, Antonio Neto, o Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), do governo federal, é uma ferramenta importante no contexto dos conflitos agrários.

O programa foi criado em 2004, iniciou os trabalhos em 2005 e tem o objetivo de garantir a proteção de pessoas que estejam em situação de risco ou ameaça devido à sua atuação na defesa dos direitos humanos.

“Lutamos para que seja uma política efetiva e que possa ajudar na articulação de medidas que façam com que a atuação dos defensores e defensoras de direitos humanos seja protegida e garantida pelo Estado brasileiro, para que eles possam fazer isso sob a luz da Constituição, que prevê e garante que as pessoas possam atuar com liberdade e segurança sem ter atentados contra sua vida”, disse Neto.

O programa foi instituído por um decreto presidencial em 2007, mas, em abril deste ano, um novo decreto instituiu novos moldes, sob comando da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. O ministério foi extinto no governo do presidente interino Michel Temer. A Secretaria de Direitos Humanos foi incorporada ao Ministério da Justiça.

A coordenadora da área de proteção e segurança à liberdade de expressão da Artigo19, Julia Lima, ressaltou a importância do mecanismo de proteção dos defensores. No entanto, ela lembrou que o programa completou dez anos no ano passado e que tem ainda problemas estruturais. “A primeira questão é que ele não tem um marco legal, então não é uma política pública fixa e consolidada com as autoridades brasileiras”, disse.

Para a coordenadora, a falta de uma lei deixa o programa vulnerável, podendo ser extinto a qualquer momento, “principalmente nessa situação que estamos passando de conflitos políticos”. O Projeto de Lei (PL) 4575/2009, que institui o programa, está parado na Câmara dos Deputados desde 2011.

O programa dispõe de uma equipe técnica federal, que atende a casos em todo o país. Há ainda equipes técnicas estaduais. Somente os estados do Ceará, de Pernambuco, Minas Gerais e do Espírito Santo têm o programa estadual funcionando.

Na Bahia e no Maranhão, há o convênio, mas a equipe técnica ainda será contratada, por isso não está funcionando. O programa de proteção fica a cargo da equipe técnica federal nos demais estados.

A equipe técnica federal atende atualmente a 193 pessoas, de acordo com a Secretaria de Direitos Humanos. Nos estados, até o mês de março, eram 19 no Ceará, 52 em Minas Gerais, 34 em Pernambuco e 27 casos no Espírito Santo, que tem uma metodologia diferente dos outros três estados e pode incluir mais de uma pessoa em cada “caso”.

Antonio Neto ressalta que, por falta de uma lei específica, a parceria com os estados depende da boa vontade do governo local e da relação com o governo federal. “Não basta só uma canetada para que vire efetivo, também tem um trabalho de discussão e convencimento nos estados para que eles possam implementar a política, mas, sem dúvida, o marco legal é importantíssimo para que essa política se espalhe para outros estados”, acrescentou o pesquisador.

*Fonte:  Agência Brasil - Edição: Carolina Pimentel

sábado, 7 de maio de 2016

Dois sem terra são assassinados em Buritis (RO)


Os irmãos Nivaldo Batista Cordeiro e Jesser Batista Cordeiro, membros do Acampamento 10 de Maio, de Alto Paraíso do Oeste, Rondônia, desapareceram no dia 24 de abril. Dois dias depois eles foram encontrados mortos no Rio Candeias.
Depois de ter localizado a moto deles nas proximidades do rio, no Km 25 da Linha C-50, os dois corpos foram encontrados com diversos disparos. O local faz parte do município de Buritis, Rondônia, que forma parte do chamado Vale do Jamari, uma das regiões que desde 2015 concentra o maior número de casos de violência por conflitos em disputas de terras públicas de todo o Brasil.
No dia 28 de abril a Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental (LCP) divulgou Nota em que denuncia o assassinato dos dois irmãos, Nivaldo e Jesser, que, segundo a Liga, eram camponeses do Acampamento 10 de Maio. Nivaldo deixou a esposa e quatro filhos pequenos.
Conforme a Liga dos Camponeses, os irmãos foram covardemente assassinados no dia 24 de abril, e já haviam recebido ameaças de morte do fazendeiro Caubi Moreira Quito. O fazendeiro, que tinha posse da Fazenda Formosa, disputa com o Acampamento 10 de Maio, vinculado à LCP, o controle da área, que é terra pública grilada dentro da Gleba 06 de Julho/São Sebastião. No local, no início deste ano, a Justiça Federal suspendeu uma reintegração de posse contra os acampados (14/03/16) a pedido do Ministério Público Federal (MPF), pois a área ocupada pela fazenda é terra pública que já havia sido desapropriada pelo INCRA para reforma agrária.
Há alguns anos o local é palco de uma acirrada e violenta disputa. Após uma reintegração de posse da Justiça Estadual, sofrida pelos acampados em setembro de 2013, o fazendeiro denunciou ter sido atacado em seu carro. Mais tarde, um peão da fazenda teria sido atingido por disparos e a sede da fazenda, em outubro, foi totalmente destruída.
Em 25 de janeiro de 2015, após os acampados resistirem e conseguirem suspender uma nova reintegração de posse da Justiça Estadual, José Dória dos Santos, antigo integrante do acampamento, foi assassinado com vários disparos. Já em 11 de maio de 2015, duas pessoas mortas foram encontradas nas imediações do acampamento. Em abril deste ano, foi encontrada uma ossada humana (ainda não identificada) na mesma fazenda, que pode ser de Valdecy Padilha, camponês do Acampamento 10 de Maio desaparecido desde a manhã do dia 11 de novembro de 2015.
Por outro lado, a LCP acusa o fazendeiro de ter afirmado em várias ocasiões “que iria matar todos os sem terra antigos do Acampamento”. Ainda segundo a Liga, policiais militares de Buritis fizeram diversas tentativas de reintegração de posse na área do 10 de Maio sem ordem judicial. E consta, segundo a Liga, em depoimento do próprio Caubi Moreira Quito, realizado na Polícia Civil de Ariquemes em 29 de dezembro de 2014, que ele mesmo havia contratado 10 policiais militares para fazerem a segurança privada de sua fazenda em troca de terras.
Em relação à morte dos dois irmãos do Acampamento 10 de Maio, a Liga dos Camponeses Pobres (LCP), na Nota do dia 28 de abril, levanta pesadas acusações contra a Polícia Militar de Ji-Paraná, que estaria realizando patrulhas de carro nas estradas e de helicóptero na área do acampamento. “Esse crime tem todas as características dos crimes praticados por policiais. Os camponeses saíram de casa no domingo cedo, à luz do dia, em uma estrada muito movimentada. Foram assassinados em um lugar e seus corpos encontrados em outro. Pistoleiros não teriam como fazer tal operação sem chamar a atenção”, denuncia a Nota da LCP.

Fonte: CPT de Rondônia

Justiça considera inconstitucional a revogação de Ucs em Rondônia

Por Silvia Futada*
Na última segunda-feira (2/5), o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJ-RO) suspendeu a revogação de quatro Unidades de Conservação (UCs) estaduais: Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná, a Área de Proteção Ambiental (APA) Rio Madeira, a Floresta Estadual de Rendimento Sustentado (Florsu) do Rio Madeira B e a Florsu Rio Vermelho.
As quatro Ucs estão em um dos estados mais desmatados da Amazônia e tiveram seus decretos de criação revogados em 2014 pela Assembleia Legislativa de Rondônia – sob forte oposição da das populações tradicionais, da sociedade civil e do Ministério Público Estadual (MPE), que ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a medida.  Já em 2014 o MP conseguiu uma liminar contra a anulação das áreas, mas o embate só chegou ao fim agora em 2016, com a decisão proferida no começo desta semana pelo Tribunal de Justiça de Rondônia – que julgou a ADI procedente e declarou que as revogações das Ucs são inconstitucionais.

Criadas na década de 1990, no âmbito do Programa Planafloro, as quatro Ucs estaduais somam juntas aproximadamente 259 mil hectares, mais de 11% da área das Unidades de Conservação de uso sustentável do Estado de Rondônia. Esse patrimônio, no entanto, está ameaçado e sua dilapidação acentuou-se muito nos últimos anos: a Resex Jaci-Paraná, por exemplo, sofreu um desmatamento de mais de 12 mil hectares entre 2013 e 2014.
À época da revogação, o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA/RO) denunciou a interferência da “frente parlamentar da grilagem em Rondônia” na ação do legislativo estadual – afronta a uma determinação judicial que obrigava a retirada dos invasores da Resex: “Enquanto ‘destruição de floresta em áreas protegidas’ for tratada como benfeitoria e invasores, ao invés de serem obrigados a recuperar os danos, forem premiados com a posse das terras, não há perspectiva para as unidades de conservação neste país”, diz carta do GTA. Já para a organização Ecoporé, que também atua na região, os decretos legislativos seriam uma tentativa de legalizar o desmatamento e as invasões dessas Ucs por grandes pecuaristas.
Mesmo que a suspensão das revogações possa ser comemorada, as comunidades tradicionais e indígenas de Rondônia provavelmente continuarão sofrendo com o assédio de invasores em seus territórios – já que não é de hoje que a violência tem ameaçado as parcas conquistas socioambientais daquele estado.
Em 2010, Rondônia foi palco de um toma-lá-dá-cá entre os governos federal e estadual em função da instalação da Usina Hidrelétrica de Jirau, em Porto Velho, e que terminou legitimando a invasão de madeireiras e pecuaristas na Floresta Nacional Bom Futuro. O momento foi propício para que poderes locais, em julho do mesmo ano, se organizassem para concretizar demandas represadas, o que levou a Assembleia Legislativa do estado a revogar sete Ucs estaduais, que somavam mais de 973 mil hectares.


*Fonte: ISA

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Abril de violências contra camponeses e indígenas


No dia 08 de abril a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou uma nota pública nominada “Quem vai deter a violência contra as comunidades camponesas?”

O documento narrava como em dois dias três pessoas foram mortas, inúmeras ficaram feridas, lideranças foram presas, mandantes de crimes absolvidos e diversas comunidades a mercê de despejos e violências do Estado, do latifúndio e da Justiça.”

No mês de abril ocorrem as já tradicionais mobilizações de organizações camponesas em referência ao 17 de abril, data em que se lembra o massacre de Eldorado dos Carajás e se tem, inclusive aprovado em lei, o Dia de Luta pela Reforma Agrária. Também em função do chamado “Dia do Índio” (19 de abril), costumam ocorrer diversas mobilizações dos povos indígenas.

Contudo, a nota da CPT destaca que até aquela primeira semana, antes destas datas, a violência contra povos indígenas e camponeses se intensificava em várias partes do país:

“Prenderam Cacique Babau e seu irmão na Bahia, executaram dois companheiros sem terra e deixaram muitos feridos no Paraná, no dia 07 de abril. Uma liderança de assentamento e do PT na Paraíba foi executada dentro de casa, ao lado da filha de um ano, no dia 06. No dia 31 de março, na comunidade quilombola Cruzeiro, município de Palmeirândia, MA, foi encontrado morto por disparo de arma de fogo o quilombola, conhecido como Zé Sapo. Em Rondônia mortes violentas, desaparecimentos e crimes rondam as comunidades camponesas. Em Mato Grosso e no Pará despejos violentos são constantes, e fazendeiros mandantes de crimes contra lavradores são absolvidos. No Mato Grosso do Sul as comunidades indígenas vivem ameaçadas e violentadas em suas próprias terras ancestrais.

Em 2015, o sangue de 50 trabalhadores e trabalhadoras assassinados no campo e o sangue de Vitor, criança Kaingang degolada no colo da mãe na rodoviária de Imbituba, em Santa Catarina, continuam a escorrer na vala da impunidade. Ao sangue deles se soma o de outros 13 lutadores e lutadoras tombados neste ano de 2016.

É competência do Governo Federal demarcar terras indígenas e fazer a Reforma Agrária. Se coisas como essa acontecem é porque há milhares de camponeses debaixo da lona preta à espera da tão prometida – e hoje abandonada – reforma agrária, e ainda milhares de indígenas e quilombolas tentando retomar os territórios dos quais foram esbulhados.”

A nota de alerta da CPT, entidade que acompanha e sistematiza conflitos agrários há 40 anos,  parece não ter surtido efeito.  

Na madrugada do dia 11 de abril, Genésio Guajajara, de 30 anos, residente na aldeia Formosa, Terra Indígena Araribóia, Município de Amarante do Maranhão (MA), região Sul do estado, foi assassinado com pauladas e um tiro no tórax. Genésio estava na cidade para receber cesta básica, que estava sendo distribuída pela Fundação Nacional do Índio (Funai), quando foi assassinado. Um boletim de ocorrência foi registrado na delegacia de polícia do Município, mas até o momento não há informações quanto à autoria do crime e muito menos a motivação, informa o Cimi.

O Cimi também noticiou  no dia 16 de abril o atentado contra o indígena Ailson dos Santos Truká (foto). A liderança está internada em estado estável no Hospital Regional de Caruaru, município do agreste de Pernambuco, depois de ser atingido por três disparos a bala. O atentado aconteceu em frente de uma casa mantida por estudantes indígenas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que costumam passar semanas longe das aldeias por conta da atividade acadêmica. Com outros indígenas Truká, incluindo um de seus filhos, Yssô arrumava bagagens no veículo que os levaria de volta para a aldeia, localizada no município de Cabrobó, quando dois pistoleiros em uma moto abordaram a liderança indígena efetuando os disparos.

Dois dias depois, 18 de abril, foi a vez da Comissão Pastoral da Terra, Centro Norte, Diocese de Bonfim-BA,  lançar nova nota denunciandoo bárbaro assassinato de João Pereira de Oliveira, conhecido como João Bigode, 56 anos, casado, pai de 2 filhos e 1 filha, ocorrido às 19h do dia 15 de abril, na frente de sua casa na comunidade de Santana, município de Antônio Gonçalves. Trata-se de uma comunidade quilombola, do território de Tijuaçu-BA, que há anos luta pela regularização.

No mesmo dia, nova nota da CPT, desta vez de Rondônia, denuncia "um novo cenário de perseguição e de violência que se abate nestas últimas semanas na cidade de Cujubim contra as testemunhas dos homicídios cometidos contra dois jovens sem terra do Acampamento Nossa Terra, na Fazenda Tucumã, no município de Cujubim, em Rondônia." A nota explica em detalhes perseguições contra sobreviventes e testemunhas de um conflito ocorrido em janeiro:

Agora parece ter desencadeado uma caçada às testemunhas e quatro pessoas têm sofrido graves atentados:

- Um dos três camponeses sem terra, sobrevivente do ataque, Raimundo Nonato da Silva, o “Neguim”, de 35 anos, considerado uma das principais testemunhas de acusação do crime, foi gravemente baleado na cidade de Cujubim (RO), no passado dia 04 de abril de 2016, por um suposto capanga da fazenda e corre grave risco de morte.

- Dois jornalistas da cidade: O jornalista Ivan Pereira Costa, de 52 anos, dono do site local www.vejanoticias.com.br, que havia acompanhado todo o caso, foi atingido por dois tiros no braço e na pélvis na mesma noite de 04 de abril de 2016 em frente à casa dele, na cidade de Cujubim. Também o jornalista Lucas Bueno, de 21 anos, do site de notícias local www.rondoniareal.com.br, no dia 11 de abril de 2016, também em Cujubim, teve a casa arrombada na madrugada e atiraram três vezes contra ele, conseguindo fugir sem ser atingido pelos disparos. Os dois relacionaram os atentados ao conflito.

- Uma morte atribuída à queima de arquivo: Vanderlei Soares de Arruda, 53 anos, o “Bigode Moto Taxi“, tido como capanga da Fazenda Tucumã, foi executado a tiros no dia 28 de fevereiro de 2016 em Cujubim, segundo informantes porque “teria falado além da conta”.

- Familiares têm fugido da cidade. Na última semana, familiares das vítimas também têm sido obrigados a abandonar Cujubim em meio a um clima de medo e hostilidade