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domingo, 15 de fevereiro de 2015

Em 2014, foram os garis no Rio. Em 2015, os professores no Paraná

Leonardo Sakamoto*

Após milhares de professores e outros servidores públicos, como profissionais de saúde e agentes penitenciários, cercarem e ocuparem a Assembleia Legislativa do Paraná em protesto contra um pacote de austeridade do governo estadual (que pretende mexer em direitos trabalhistas e na Previdência estadual) na semana que passou, a Casa Civil anunciou a retirada das propostas para “reexame'' e para “garantir a integridade física dos parlamentares''.


O governo Beto Richa (PSDB), que tem maioria na casa, tentou aprovar uma votação “expressa'' do pacotão sem que ele passasse pelos trâmites e debates convencionais. Entre outras ações, o governo estadual pretendia utilizar recursos do caixa da Previdência dos servidores para pagamento de despesas atuais, alterar benefícios trabalhistas conquistados pelos professores em seus planos de carreira e mudar a estrutura do sistema educacional, que pode resultar em demissão de profissionais, fechamento de salas de aula e de cursos. Os professores estaduais estão em greve no Paraná.
Revoltados, os manifestantes ocuparam o plenário da Assembleia e cercaram o prédio, exigindo que o projeto fosse retirado de pauta. Deputados estaduais só conseguiram entrar contrabandeados em um camburão da própria polícia.
A polícia militar reagiu com bombas de gás, balas de borracha e sprays de pimenta. Diante do fato dos manifestantes continuarem avançando mesmo com as ações tomadas, os policiais desistiram de dispersar a multidão.
É apenas o início de um processo longo para os servidores paranaenses. Mas esse tipo de história traz uma ponta de esperança em um ano que começa sombrio. Não houve invasão de manifestantes na Assembleia pelo simples fato de que a Assembleia é a casa do povo e, portanto, deve estar sempre aberta a ele. Ou pelo menos deveria estar. Representantes políticos é que são visitantes passageiros dessas casas, colocados por nós lá´para nos representar (OK, na teoria).
Os trabalhadores da educação e outros servidores públicos do Paraná dão um ótimo lembrete para os outros estados e para a União. Se o governo Dilma (PT) e o Congresso Nacional resolverem manter o plano de subtração de benefícios trabalhistas e previdenciários para fazer caixa, o que pode culminar na diminuição da qualidade de vida, serão cobrados por isso. Quem sabe com o povo retomando a casa que lhe é de direito.
Em 2015, professores. Em 2014, garis.
Vale lembrar que a resistência dos garis no Rio de Janeiro levou à prefeitura de Eduardo Paes (PMDB), no dia 8 de março do ano passado, a ceder às reivindicações da categoria que permaneceu em greve por oito dias.
Com isso, o piso passou de R$ 804,00 para R$ 1100,00 mensais, um ganho de cerca de 37%, mais adicional de insalubridade de 40%. Além de aumentos no tíquete-alimentação, entre outros direitos. Ao mesmo tempo, a prefeitura afirmou que reveria 300 demissões declaradas por punição aos grevistas. Se dependesse do sindicato da categoria, que foi ignorado após fechar um reajuste com a prefeitura, o aumento teria sido de 9%.
Desfechos como esses coroam uma ação de trabalhadores, mostrando que é viável lutar por seus direitos, praticamente sem a ajuda de outras instituições e com empregadores poderosos que usam todos os instrumentos para impedir que isso aconteça, como o próprio Estado.
É bom ver o povo retomando o controle das coisas de vez em quando, nem que seja por um breve momento. Pois conforme o primeiro artigo da Constituição da República Federativa do Brasil, é dele que todo o poder emana.
Espero que outras categorias historicamente menos organizadas aprendam com a vitória de professores paranaenses e garis cariocas. Talvez como a categoria dos jornalistas.
*Publicado originalmente no Blog do Sakamoto (fotografias não incluídas na postagem original)

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Mercado verde, madeiras de sangue

Por Felipe Milanez*

O Greenpeace lançou, há alguns dias, uma nova campanha contra a extração predatória de madeira na Amazônia. Dessa vez, a investigação foi bem além do impacto ambiental evidente que cortar árvores produz na mata. Mostrou como essa economia extrativa não apenas saqueia matéria prima da Amazônia como também alimenta um dos principais mecanismos de corrupção e violência no Brasil.

A campanha pode – e deve – ser acessada nesse link."Chega de Madeira Ilegal" mostra como a corrupção e a violência são utilizadas para lavar madeira extraída ilegalmente para ser comercializada no mercado nacional e internacional.

Não se trata de uma novidade, mas sim do esgotamento de um sistema que foi totalmente corrompido ao longo dos últimos anos. Sejam os sistemas estaduais de controle, como o Sisflora, ou o federal, como o DOF, a credibilidade de qualquer um para determinar onde a madeira foi extraída é nula.

A realidade é que qualquer madeira de qualquer lugar da Amazônia pode hoje receber um selo de legalidade. Não importa a rede de ilegalidades. Nem a série de assassinatos contida. O atual selo de credibilidade seria a orelha de um assentado – pois é a parte do corpo que os pistoleiros cortam para comprovar o serviço. É mais fácil descobrir quem morreu para a madeira chegar até uma mesa de jantar em São Paulo ou Nova York do que comprovar que sua extração foi feita de forma "sustentável".

Alguns anos atrás, em 2008, quando o sistema de comércio de madeiras começava a ser digitalizado para o "DOF", criado em 2006, eu publiquei, na revista RollingStone, uma reportagem na qual chamei de "Madeiras de Sangue" esse mercado que, movido a ganância, tem como principal característica a violência. Violência que opera tanto contra os humanos como contra o ambiente.

O início do texto pode ser lido nesse 
link. Pouco antes, também na RollingStone, publiquei uma reportagem sobre Colniza, violento município no norte do Mato Grosso, na qual entrevistei um madeireiro que assim justificou sua atividade: "Quero preservar a floresta, e o único meio de trazer progresso para cá é vendendo madeira". Mas e quando ela acabar? "Daí a gente vai embora, porque não vai ter mais nada para fazer aqui."

É transtornante constatar, como mostra o Greenpeace, que depois de quase uma década e tantas promessas de "sustentabilidade", de "modernização", de "progresso", de "aceleração do crescimento", o comércio de madeira continua produzindo uma imensa mancha de sangue na Amazônia.

E é pouco provável que as coisas mudem nesse ano eleitoral. Ao contrário. São raros os políticos e políticas na Amazônia, não importa qual partido, que não beijam a mão de madeireiros ou ruralistas. Essa estreita relação entre poder político e ganância econômica é um desastre que se reconfigura, se ressignifica, e que sempre muda para permanecer igual.

O Greenpeace explica, tim tim por tim tim, como é feita a "lavagem" da madeira. Foram escolhidos alguns casos de estudo no Pará, e que bastam para demonstrar como todo o sistema de comércio de madeira no Brasil está corrompido. A situação não seria melhor se os estudos de caso fossem realizados no Maranhão, no Mato Grosso ou em Rondônia, nem no Sul do Amazonas, nem em Roraima.

Infelizmente, até no Acre, que alguns anos atrás de gabava de ter controlado o mercado, a situação degringolou, como já mostrou o blogueiro Altino Machado, sobre 
crimes ambientais  e como a extração de madeira triplicou na última década no estado da "florestania"  ou ainda como denuncia o líder seringueiro Osmarino Amâncio Rodrigues, antigo companheiro de luta de Chico Mendes: "No Acre, extração de madeira é desordenada e o seringueiro não pode tirar madeira para a sua casa".

Diante da anuência dos governos, nesses últimos anos, dezenas foram mortos, como Adelino Ramos, Zé Cláudio e Maria, João Chupel Primo, Diana Nink, 13 mortos em 2010 no assentamento Cururuí, em Pacajá. Detalhes podem ser encontrados nos relatórios de violência no campo da Comissão Pastoral da Terra, onde transparece que o Brasil é o país mais violento do mundo nesse quesito – como mostrou a ONG inglesa Global Witness.

Em outubro de 2010, quando estive com o castanheiro José Cláudio Ribeiro da Silva caminhando na floresta, dentro do seu lote, no interior do Pará, ele me contou que tinha uma coisa que ele, "um caboclo aqui da mata", não entendia: "como é que esse pessoal compra madeira sem ver a origem?" Neste sábado completaram-se três anos do assassinato de Zé Cláudio e sua esposa, Maria.

O corte da motosserra produzia, segundo ele, um "gemido", as folhas tremiam "como quem vão dando adeus". Zé Cláudio sentia como "se o cara matou alguém, porque é um ser vivo". Enquanto ligavam a motosserra, a árvore ficava "quietinha, no lugar dela". E, para ele, "o que a natureza levava para fazer, acaba em menos de uma hora. Põe fim naquilo tudo". Tudo isso, disse ele, "em nome do capital". Fácil ganhar dinheiro assim, ainda por cima driblando a fiscalização e trabalhando ilegalmente "só a ponto de enriquecer".

E seguiu Zé Cláudio:

"E por que compram? Por que não procuram a origem? São coisas que eu procuro entender, como caboclo aqui do mato, e não consigo. Não consigo mesmo. Como é que sai daqui de Nova Ipixuna, daqui do sudeste do Pará, e vai parar nos portos do Espirito Santo, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, uma madeira proibida. E daí embarca e vai para a Europa, vai para fora. Como pode? Ninguém entende. Isso é de doer. Aqui fica o estrago, fica o buraco. E lá fora, a burguesia, os caras que tem poder aquisitivo, ficam morando no seu chalé, a custa de madeira ilegal que sai da Amazônia. E ainda ficam fazendo comercial dizendo que são protetores da natureza. O protetor da natureza sou eu, que vivo aqui no meio delas (as árvores) e não pretendo vendê-las".

Neoliberalismo florestal
Por trás do DOF e desses sistemas modernos de extração de madeira está o neoliberalismo. Sim, ele não só ainda existe e domina o mundo como hoje é a regra de governo no Brasil, segundo a qual a melhoria da qualidade de vida pode ser alcançada pela liberdade do empreendedorismo individual, com um suporte institucional que proteja os direitos privados, o mercado e o livre comércio. Posto em prática esse sistema, de forma autoritária, bastaria sair jogando.

Na última década, cada vez mais, essa ideologia expandiu-se para os domínios tidos como "naturais", com a privatização de ambientes comunitários. A criação de mercados sempre foi tida como a salvação: o que estaria fora do mercado, seria consumido barbaramente; e lá dentro, em módicas mordidas. Acontece que isso é justamente o contrário da própria formação da Amazônia

A Amazônia, como uma enorme fronteira, é um dos grandes espaços do mundo onde esse jogo do neoliberalismo tem sido travado, de forma bastante cruel e violenta. É um espaço de expansão do neoliberalismo, na terra, no ar, na mata, na água, nas ideias, em tudo onde for possível. Na Amazônia, o teatro do neoliberalismo ocorre ao ar livre, e os atores são expostos sem metáforas. É mais fácil perceber a violência do sistema. Principalmente no Brasil, onde o sangue jorra.

A exploração madeireira na Amazônia é um dos casos mais criativos da expansão do neoliberalismo sobre a natureza. Não apenas criou-se uma grossa maquiagem para tapar cicatrizes profundas, como produziu-se discursos que parecem sem sentido se tirados de contextos – talvez justamente porque não fazem sentido. O DOF, o Sisflora e afins são instrumentos neoliberais em essência, criados e postos em prática na última década.

Nessa ideologia, o mercado regularia tudo. Construindo um mercado eletrônico de madeiras, isso iria resolver os principais desafios da Amazônia, uma vez que a exploração madeireira é uma tradicional frente pioneira de expansão do capitalismo na floresta. O mercado iria "proteger" a floresta com uma exploração "sustentável" e todo mundo iria ganhar com isso. Só que não é bem assim que a última década passou. Ao menos para as pessoas mortas em conflitos pela exploração madeireira.

É difícil imaginar que qualquer sistema de mercado consiga oferecer madeira nativa suficiente para alimentar o metabolismo global, ou mesmo a ganância da elite nacional. Para a população que leva a vida junto da floresta, não há dúvidas de que o uso das madeiras é sustentável, pois não apenas protege, como constrói e molda a própria floresta.

Mas alimentar luxo mundial destruindo o ambiente não vai melhorar a vida do povo brasileiro, principalmente daqueles que vivem na Amazônia. Não vai ser colocando os móveis na fogueira que a vida dentro de casa vai melhorar, para usar analogia pensada pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro para descrever, de forma sintética, esse crescimento devastador em marcha. Só uma democracia radical, onde aquelas populações afetadas pela extração de recursos possam decidir sobre o seu futuro, é que talvez mude alguma coisa.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Estudantes fazem paralisação no Chile com barricadas e bloqueio de vias


Governo chileno anunciou que invocará lei de segurança do Estado contra os responsáveis pela queima de um ônibus
O primeiro dia da nova paralisação convocada pelo movimento estudantil chileno, que pede por reformas no sistema educacional do país, foi marcado por distúrbios. Testemunhas afirmaram à BBC que a polícia usou gás lacrimogêneo e jatos de água para dispersar a manifestação, enquanto estudantes mascarados lançaram bombas caseiras, montaram barricadas com fogo perto de universidades e queimaram um ônibus.
As manifestações, que tomam as ruas do Chile há cinco meses, são as maiores desde que o país tornou a ser democrático em 1990. O governo prometeu algumas reformas, mas os estudantes alegam que não foram suficientes, então, pediram por uma paralisação de dois dias depois que o diálogo fracassou.

No início do mês, os estudantes romperam o diálogo que mantinham com o governo para solucionar o impasse estudantil no país e acusaram o governo do presidente Sebastián Piñera de ser "intransigente" e não garantir a gratuidade da educação, um dos principais temas debatidos nessas reuniões.
Nesta terça-feira, as vias em torno da Universidade do Chile e da Universidade de Santiago ficaram congestionadas por conta dos protestos. Os manifestantes jogaram bombas de coquetel molotov, enquanto a polícia os dispersava com jatos de água e dava tiros para o ar. Alguns dos estudantes atearam fogo em um ônibus nos arredores da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade do Chile. O motorista ficou ferido, mas todos os passageiros saíram ilesos.
O governo chileno anunciou que invocará a lei de segurança do Estado, uma rígida norma usada em casos excepcionais, contra os responsáveis pela queima do ônibus. "O governo resolveu apresentar uma ação criminal pela lei de segurança do Estado contra aqueles que interceptaram um ônibus, aterrorizaram e fizeram os passageiros e o motorista descerem, e depois o incendiaram", disse o ministro do Interior Rodrigo Hinzpeter.
Ao recorrer a essa lei, as penas para os eventuais condenados são maiores na comparação com a legislação comum.
Líderes estudantis estão pedindo por uma reforma no sistema educacional chileno, o qual, segundo eles, é desigual e precisa de investimentos. O sistema é dividido entre escolas públicas e privadas, e críticos têm rotulado essa forma como um "apartheid educacional".
Os manifestantes querem que o governo central tome o controle total da educação e aumente os investimentos em escolas e universidades públicas. Piñera prometeu uma reforma limitada, com um investimento extra de US$ 4 bilhões, mas rejeitou que o governo controle plenamente a educação.
Ainda nesta terça, os dirigentes educacionais entregarão no Palácio La Moneda, sede da Presidência, os resultados finais do Plebiscito Nacional Pela Educação, realizado na quinta-feira e no sábado da semana passada. A consulta contou com a participação de 1,5 milhão de cidadãos, dos quais 88,8 % se mostraram favoráveis ao fim dos lucros com fundos na educação.
As autoridades permitiram para quarta-feira duas das quatro marchas estudantis programadas. De acordo com o porta-voz da Coordenadoria Nacional de Estudantes Secundaristas, Rodrigo Rivera, há um compromisso para que os policiais "não interfiram" no desenvolvimento da mobilização. "De antemão, rechaçamos qualquer ato de violência da parte de qualquer setor que queira se infiltrar nessa marcha e, assim, denegrir a imagem das atividades da grande maioria da sociedade que hoje está apoiando o movimento."
Fonte:  Último Segundo, com informações da AFP, ANSA e BBC

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Chile: Estudantes voltam ás ruas após governo não atender exigências




Uma nova mobilização levou milhares de estudantes chilenos às ruas, nesta quinta, 22 de setembro. O protesto, realizado na capital, Santiago, reuniu 150 mil pessoas, segundo a Confech (Confederação de Estudantes do Chile). A imprensa destacou a presença de 100 mil e comparou com grandes atos anteriores.

Palavras de ordem como: “e vai cair, e vai cair, a educação de Pinochet”, voltaram a serem ouvidas nas ruas. A manifestação foi pacífica, mas ao final, a polícia atacou com bombas de gás lacrimogêneo e jatos d'água para dispersar grupos de jovens. Cerca de 50 pessoas foram detidas.

A grande mobilização revela que o movimento não está desgastado, como afirma o governo Piñera e a grande imprensa. O protesto, além de ser uma prova da força contra o governo, também mostrou a disposição dos estudantes em se manter mobilizados até o atendimento de suas reivindicações.

No entanto, se por um lado a mobilização tende a ser retomada com força, por outro é preocupante a política levada a cabo pelo Partido Comunista Chileno, expresso pelas palavras de Camila Vallejo, presidente da FECh e principal líder dos protestos. Segundo o jornal El Mercúrio, Vallejo reconheceu que no interior do movimento estudantil se está avaliando a possibilidade de seguir mobilizados, mas retornando às aulas.

"A proposta que se está discutindo é fechar o semestre e passar ao segundo, e está a opção de que seja sem aulas ou com aulas, mas com horários resguardados para poder realizar as assembleias estudantis, as discussões e o calendário de mobilizações", , disse a dirigente.

O retorno as salas de aula significariam, na prática, o sepultamento de todo o processo de mobilização, e ainda tiraria do movimento estudantil um dos seus principais trunfos para forçar o governo a aceitar suas reivindicações. Por outro lado, a proposta sequer foi apresentada seriamente às bases do movimento estudantil do país. Ou seja, é mais uma manobra burocrática, sem passar nos fóruns do movimento.

Os rumos da revolta dos estudantes chilenos estão em franca disputa. Novas mobilizações e marchas estão previstas para os próximos dias 29 de setembro e 7 de outubro, sendo que esta última é a data limite estipulada pelo governo para a retomada das aulas.


Fonte: PSTU

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Sinais dos tempos: Ministro da Justiça autoriza Mato Grosso a rever demarcação de terras indígenas


Por Márcio Gomes*

Estava eu quieto no meu canto, já sem vontade de protestar contra os inauditos desmandos políticos e administrativos da atual direção da Funai, do horripilante conluio entre as Ongs, os antropólogos neoliberais, as teologias messiânicas, conluio este que vem provocando o desmesurado desleixo com que vive a Funai atualmente — estava eu assim, pensante,  – quando recebi  uma matéria publicada no jornal eletrônico OlharDireto, de Cuiabá, sobre uma reunião recém-acontecida, entre 11 e 12 horas de hoje, entre os políticos do Mato Grosso, os fazendeiros e seus advogados e o próprio e atual ministro da Justiça.


De que tratou essa reunião, cujos resultados já são comemorados pelos fazendeiros e políticos em Cuiabá e cidades do Mato Grosso?


Tratou-se nada mais nada menos do que o pedido dos fazendeiros para rever a demarcação de terras indígenas. Seu resultado: uma autorização dada pelo atual ministro da Justiça à Assembleia Legislativa e ao governo do estado do Mato Grosso para rever os planos de demarcação de terras indígenas e até as terras indígenas já demarcadas!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Nada poderia ser pior para a questão indígena do que essa atitude do ministro da justiça. Que “autorização” seria essa? (Será que não foi engano do jornalista?) Pois, com que direito alguém, tanto mais o ministro da Justiça, pode se arvorar de árbitro da Constituição, do Estatuto do Índio, do Convênio 169, ao ponto de autorizar revisões de demarcações?

Qual o pano de fundo, qual a situação atual da Funai, quais os protagonistas da questão indígena, quais as visões antropológicas e indigenistas que estão levando o ministro da Justiça a tomar tal atitude em alguns minutos de conversa com os políticos e advogados do Mato Grosso?

Onde está a Funai diante desse fato? Onde está a Associação Brasileira de Antropologia? Onde o Ministério Público Federal?

Levantem-se indigenistas, os iracundos e também os abúlicos! Parem de abulia! Já não podem deixar as coisas rolarem enquanto os povos indígenas e a Funai vão afundando oprimidos e reprimidos pelos ataques de fazendeiros, políticos, madeireiros, enquanto falsos indigenistas, antropólogos deslumbrados e tolos, e missionários messiânicos vivem de fomentar planos escalafobéticos que redundam unicamente na fraqueza da causa indígena no Brasil.

Levantem-se populações indígenas, através de suas lideranças de raiz, aqueles que não foram corrompidos pela política neoliberal!

Assim como a sociedade civil brasileira está cheia da corrupção impune que acomete o nervo moral do país, e está se levantando em protestos, está na hora, há que se fazer hora (e não esperar acontecer) para revertermos a situação calamitosa por que passa a Funai, o indigenismo nacional e a defesa dos povos indígenas.


Entregar a sorte dos índios aos governos estaduais é inaceitável! Acabar com a Funai para criar uma reles secretaria especial dos povos indígenas será um crime contra os índios e um retrocesso na história brasileira.


*Fonte: Blog do Márcio Gomes

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O loteamento da Amazônia Legal por "corretores ambientais"

Por Edélcio Vigna*
 
O capitalismo atinge sua máxima expansão e os espaços financeiros globalizados se restringem. O padrão de exploração tecno-industrial dos séculos passados chega ao limite e não mais reproduz o capital na medida necessária para manter o sistema. O capitalismo em suas contrações sistêmicas, por meio de seus agentes, procura criar novos mercados para expansão do capital.

As crises cíclicas de 10 em 10 anos, previstas por Marx, se reduzem no espaço e se prolongam no tempo. Atualmente, as crises se sobrepõem. A crise financeira e de especulação de preços dos alimentos mobilizam multidões. Mas, a crise da mudança climática é a mais crítica, pois altera a qualidade das demais crises e pré-anuncia uma situação de catástrofe para a humanidade.

Este é o contexto em que se processam as propostas de redução de emissões por desmatamento e degradação (REDD) e a chegada dos “corretores ambientais” na Amazônia Legal.

Até então, as terras públicas, as unidades de conservação, as áreas de proteção ambiental, as terras indígenas e de povos tradicionais não entravam no jogo mercantil.

O mercado trabalhava com bens regularizados e nunca com bens imateriais. Nesta nova era de negócios o produto que é colocado no mercado são as névoas secas da mistura de gases nocivos (smog), os gases poluentes provenientes do excesso do uso automóvel, os das indústrias, as toneladas de carbono emitido pelas derrubadas das florestas, queimadas e pela agricultura em geral.

A proposta de mecanismo de REDD como compensação para as atividades poluidoras teve uma ascensão meteórica na pauta internacional. O debate ganhou corpo entre os negociadores internacionais e, em menos de uma década, o mecanismo já havia ganho um “plus” (REDD+) - acrescentando em seu portfolio o manejo florestal, recuperação de áreas degradas, reflorestamento e monocultura de árvores plantadas.

O debate sobre o REDD+ ganhou proporções em 2010 na COP-17, em Cancun/México. A proposta apresentada pelos “carbon boys” não foi apoiada pelo Brasil que argumentou “ingerência em sua soberania e não aceitava certificação que não fosse pública”. Em Cancun, os fóruns sociais internacionais se colocaram contra “uma nova dimensão do controle de terras e territórios pelo capital, configurando uma crescente ameaça aos direitos dos povos”.

O grande problema é que o REDD + não é um instrumento de efetivação de direitos humanos. Ao contrário, flexibiliza a legislação ambiental e trabalhista, não tem responsabilidade com a preservação da biodiversidade nem com o bem-estar das comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais. A lógica que rege o capital “empreendedor” é captar o maior crédito de carbono a baixo custo e negociá-los a um maior preço.

O que o REDD promove é um mercado para “corretores ambientais” que propagam a existência do “consenso da saída única” ambiental, assim como o pensamento único neoliberal, na economia. No Brasil, o mecanismo de REDD+ dialoga com a proposta de alteração do Código Florestal, com o projeto Terra Legal e o processo de regularização fundiária da Amazônia. Os estudiosos não acreditam que o REDD beneficiará os amazônidas e os povos da floresta e convencerá as multinacionais a mudar sua lógica econômica.

As contradições da política brasileira não garantem a possibilidade de se colocar um freio de arrumação nos grandes projetos nacionais que ameaçam os biomas e os povos da floresta. O Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), o maior financiador do agronegócio e responsável pelas obras que mais desmatam na Amazônia, será o gestor do Fundo Amazônia que vai financiar os projetos de REDD e REDD+. A sociedade civil organizada tem como responsabilidade exigir a visibilidade dos contratos de REDD e monitorar os fundos públicos, privados ou mistos, como o BNDES.

Atualmente se fala em mercado de carbono sem o menor estranhamento. A naturalização e o efeito da “política de fato consumado” disponibilizam o debate. A Bolívia na COP-10, em Copenhague, realizou um trabalho de educação política ao manter uma postura crítica contra os mecanismos de pagamentos ambientais. Por sua vez, a Constituição do Equador de 2008, coloca a natureza como sujeito de direitos.

O avanço da devastação dos diversos biomas nacionais, as violações dos direitos das populações da floresta ocorrem sob o silêncio de uma esquerda ortodoxa ou reformista. O movimento sindical e os partidos políticos sócio-democráticos fracassaram na tentativa de construir uma unidade contra-hegemônica.

As grandes centrais sindicais sequer estão inseridas no debate de REDD, REDD+ e pagamentos de serviços ambientais. Poucas lideranças partidárias têm noção onde e como é articulado o novo espaço comercial que vai acomodar os mercados de créditos de carbono.

A proposta que institui o sistema nacional de REDD+ foi aprovada na Comissão de Meio Ambiente e as tímidas manifestações não foram suficientes para alertar e incluir no debate a sociedade civil sobre este novo mercado que se está de olho nos recursos naturais da Amazônia Legal.

*Assessor do Inesc

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Paulo Renato de Souza morreu: a educação agradece

Repressão na UFRJ durante a greve de 2001.
Morreu o ex-ministro da Educação da era FHC, Paulo Renato de Souza. Paulo Renato foi um dos fundadores do PSDB. Foi professor e reitor da Unicamp (1987-1991). Economista, foi também diretor do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), organismos multilateral co-responsável por várias políticas de ajustes econômicos neoliberais em toda a América Latina. 

Responsável por implantar inúmeras políticas neoliberais na educação brasileira, Paulo Renato está longe ser o “melhor ministro da educação da história”, como afirmou o ex-governador de São Paulo, José Serra (PSDB) ou um homem público com “relevantes serviços ao País” como afirmou a presidente Dilma Roussef em nota.

Instrumentos como o “Provão” e o Enem (Exame do Ensino Médio); reformas curriculares que quase acabaram com o ensino técnico no país; paralisação na expansão de vagas no ensino público federal superior e grande expansão do ensino privado; suspensão de concursos públicos para professores; retirada de verbas para assistência estudantil; instalação de incubadoras tecnológicas e parcerias público-privadas no interior das universidades; foram marcas na gestão de Paulo Renato à frente do MEC (1995-2002).

Derrota política
Em 2001, na greve das 52 instituições de ensino superior existentes até então, Paulo Renato adotou um estilo truculento que faria escola anos mais tarde no governo Lula. Cortou por mais de sessenta dias o salário de professores que acabaram conseguindo liminarmente e nos últimos dias de greve, o pagamento dos salários. Com o descumprimento da decisão, Paulo Renato de Souza entrou com um hábeas corpus preventivo, pois havia sérios riscos de sua prisão ser decretada pelo STF. 

O ministro que sonhara em disputar um grande cargo político (falava-se na época que ele era inclusive um presidenciável) foi derrotado pela maior greve de professores, técnico-administrativos e estudantes que as universidades federais tinham vivenciado até então.
Apesar disto, suas medidas de privatização da educação, não só foram mantidas como aprofundadas nos oito anos de governo Lula e agora no governo Dilma. Não é à toa, portanto, que figuras do PT venham a público lamentar a “perda” de Paulo Renato. 

Protesto contra Paulo Renato de Souza na Greve de 2001 (Centro de Convenções de Fortaleza)

Por isto, a palavra de ordem puxada durante a greve de 2001 deve ser lembrada agora que a mídia e os políticos da direita e neo-direita tanto saúdam o ex-ministro: “Educação de fato, Fora Paulo Renato!”

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Frases


O acadêmico inovador, o político habilidoso, o ministro-arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação e o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica.

Trecho da carta de Dilma Rousseff ao ex-presidente Fernando Henrique que completou 80 anos de idade na semana passada.

Saiba mais: As correspondências do lulismo

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Ufopa - Ciclo básico: a fábrica de diplomas

Por Dennis Scherch*

A grande promessa Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), nascida no seio da Amazônia, que deveria ser um instrumento para o desenvolvimento da região, está na iminência de se tornar uma mutação de políticas populistas com fabrica de diplomas. Para entendermos como surgiu a brilhante idéia de criar uma universidade com ciclos de formação, precisamos analisar todo o contexto no qual ela foi formada.

Em 2007, o governo Lula editou o Decreto 6.096/2007, no qual foi criado o chamado “PAC de educação”, seguindo recomendações do Banco Mundial de: dar um ensino pobre aos pobres. Para garantir a emissão de diplomas foram elaboradas duas linhas a serem seguidas: a primeira de expansão do ensino a distancia, e a segunda da criação de graduações minimalistas e seu desdobramento em ciclos (no qual estamos prestes a ser incluídos). Em nenhum desses modelos propostos pelo MEC a qualidade do ensino foi priorizada, o mais importante é a quantidade de alunos.

“O programa prevê, em linhas gerais, a quase duplicação do número de estudantes de graduação, mas de uma graduação minimalista, própria do capitalismo dependente. Isso sem recursos relevantes, sem garantir a assistência estudantil e a garantia de recursos estatais para a manutenção e desenvolvimento da ampliação das IFES.” [1]

Durante os ciclos ao qual o aluno deve se submeter ocorrerá cortes, mas o aluno sairá da universidade com um diploma de ensino superior em conhecimentos interdisciplinares (ainda não foi esclarecido qual a utilidade desse diploma), esses alunos cortados formarão um vasto mercado a ser disputado pelas Universidades particulares, garantindo assim a lucratividades dos partidários do governo (os tubarões da educação, donos de universidades particulares que compõe expressiva bancada no congresso).

A criação dessas graduações curtas são um meio de garantir que os países periféricos e semi-periféricos não pensem, não produzam conhecimento, não transmita esse conhecimento a comunidades, tornando-se sempre fadados a estarem à margem do conhecimento.

*Dennis Scherch é acadêmico de Direito da UFOPA e militante do movimento estudantil. Texto publicado originalmente no blog da União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém - UES
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[1] LEHER, ROBERTO. Desenvolvimento da educação de Lula é por decreto. Jornal da AdUFRJ, maio de 2007.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Conlutas: Nota sobre o golpe militar em Honduras


Abaixo o Golpe Militar em Honduras
Todo apoio à resistência e luta dos trabalhadores e do povo Hondurenho!
Construir a solidariedade e o apoio Internacional!

No último domingo o Exército hondurenho, deu um golpe militar de Estado, seqüestrando e enviando para a Costa Rica Manuel Zelaya, presidente eleito de Honduras.
Nas últimas semanas o acirramento do conflito em torno da realização do plebiscito proposto pelo presidente Manuel Zelaya sobre a convocação ou não de uma Assembléia Nacional Constituinte era o prenúncio da articulação dos setores reacionários pró imperialistas de Honduras que resultou no golpe militar.
A luta para derrotar o golpe militar em Honduras é uma luta que se travará nas ruas de Honduras e de todo o continente. O golpe militar pró imperialista, efetuado pelo exército Hondurenho se insere na crise gerada pela implementação da política neoliberal em todo o mundo em particular na América Central.
A implantação do TLC, a abertura do país para o capital internacional, a apropriação dos recursos naturais e os ataques contra o povo hondurenho vem tendo sua contrapartida nas lutas e mobilizações em defesa da água, do emprego, da educação, das florestas e do nível de vida.
É preciso organizarmos em todos os países, e em especial no Brasil, manifestações e solidariedade que dêem sustentação a resistência que o povo hondurenho está desenvolvendo nas ruas neste momento.
-Abaixo o golpe militar em Honduras!
-Não reconhecimento e bloqueio continental diplomático e econômico ao golpista Roberto Michelletti!
-Julgamento e prisão de todos os responsáveis pelo golpe!
-Todo apoio necessário para a vitória da resistência dos trabalhadores e povo hondurenho.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Reforma Agrária: do ruim ao ainda pior

Cândido Neto da Cunha*

A realização nesta semana do “Seminário Internacional: O Desafio da Regularização Fundiária na Amazônia” pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, com a participação de governadores, Incra-Ministério do Desenvolvimento Agrário, ONGs, e Banco Mundial, não deve causar surpresa para quem vem acompanhando o processo de (contra)-Reforma Agrária no governo Lula. Analisemos os atores deste evento como um critério de comprovação.

Desde que a pasta ocupada pelo ministro Mangabeira Unger assumiu o controle do PAS (Plano Amazônia Sustentável), a tônica de “regularização fundiária” como tábua de salvação da Amazônia vem sendo apontada. Seria a única saída para deter ou pelo menos identificar os responsáveis pelo desmatamento. A idéia ganha força num momento em que o Brasil e o mundo voltam-se novamente para a região, não obstante os crescentes índices de desmatamento. A idéia de uma nova autarquia chegou a ganhar força, inclusive com uma minuta de Medida Provisória entregue a Lula e com o pomposo nome de “Instituto de Regularização Fundiária da Amazônia – Irfam”, que concorreria com o Incra em recursos e dele retirava inúmeras atribuições, além de numerosos cargos comissionados. A idéia de que sem privatizar as terras públicas não é possível multar o proprietário que comete crimes ambientais funcionou como uma meia verdade, que esconde a grande deficiência do Estado na região e a falta de servidores e de estrutura nos órgãos que já existem. Além disto, um dos alarmes midiáticos usados por Mangabeira é que em apenas 4% da Amazônia era conhecido seus “donos”, não entrando nesta conta do ministro as Terras Indígenas, as Unidades de Conservação, os Projetos de Assentamentos e as áreas arrecadadas pela União e pelos Estados para execução de ações previstas no Estatuto da Terra. Portanto, a falta de controle do Estado sobre suas próprias terras só poderia ser superada com a entrega destas terras para a iniciativa privada, ideologia que coroou o ideário de privatizações no Brasil nos anos noventa. Mas, provavelmente as pessoas que moram nestas áreas são não dignas das políticas do Estado, ou são um “entrave”, como diria Lula.


A criação do Irfam teve no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e no Ministério do Desenvolvimento Agrário uma reação inusitada: a dose exagerada do mesmo veneno. O plano “Terra Legal: Regularização Fundiária na Amazônia Legal” tem sido apresentado como um contraponto à divisão do Incra e o órgão vem buscando apoio entre entidades, movimentos sociais e servidores que anteriormente haviam se manifestado contrários à divisão. Contudo, matéria publicada em setembro na Folha de São Paulo demonstrou que a “regularização fundiária” acelerada na Amazônia Legal correrá mais solto ainda, com ou sem Irfam. Segundo a matéria, as novidades propostas pelo Incra e MDA são: a) Rito sumário para regularização fundiária; b) Doação não-onerosa de terras da União para áreas de até 100ha; c) Exclusão da necessidade de vistoria para áreas de até 4 módulos com títulos emitidos em 60 dias; d) Áreas entre 4 e 15 módulos: título emitido em 90 dias e terras pagas no valor de mercado; e) Acima de 15 módulos e até o limite constitucional se manteria a necessidade de licitação. Um outro “trunfo” apresentado no documento é a não-necessidade de contratação de novos servidores, o que significa que os já escassos recursos humanos do Incra que trabalham com assentamentos rurais serão necessariamente deslocados para as ações da “regularização fundiária”: “Segundo a pasta, o orçamento em 2009 para suprir tal estratégia seria de R$ 179 milhões, dos quais cerca de R$ 130 milhões já estariam garantidos. Em virtude da parceria com os governos estaduais e municipais e da contratação de empresas privadas para o georreferenciamento, sustenta-se que não há necessidade de contratação de novos funcionários”, afirmou matéria do “Repórter Brasil”.


Importante citar que estamos num cenário em que pelo segundo ano seguido o Incra “assenta” menos famílias que o previsto. Segundo matéria d’O Estado de São Paulo, de janeiro a outubro apenas 18,6 mil famílias haviam sido beneficiadas com o programa de Reforma Agrária do governo Lula, contabilizando assentamentos criados em 2008 e computado também vagas preenchidas em assentamentos criados em anos anteriores. Ao se manter esta perspectiva, 2008 será um dos anos mais magros em famílias tidas assentadas no atual governo, perdendo apenas para 2003, ano do primeiro ano do primeiro mandato de Lula, quando estava ainda sendo gestado (e abortado) o II Plano Nacional de Reforma Agrária.

Desde o surgimento da proposta do Irfam, os governadores dos estados da Amazônia tem sido os maiores entusiastas da proposta de “regularização fundiária”. Na semana passada, os representantes dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins estiveram reunidos no “3º Fórum dos Governadores da Amazônia Legal”, em Manaus (AM). “O presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, foi escalado para apresentar os planos elaborados pelo governo federal com relação à regularização fundiária das posses na Amazônia de até 15 módulos fiscais (que varia entre municípios, mas não ultrapassa 1,5 mil hectares) durante o evento” (Repórter Brasil). A tônica dos representantes estaduais, de Blairo Maggi à Ana Júlia Carepa, tem sido a “flexibilização da legislação”, proposta esta emendada pelo MDA: "Se a legislação está errada, temos que achar a saída pela porta da frente, que é a mudança na legislação. E o Incra e os institutos de terra dos estados, que têm conhecimento nessa área, poderão então fazer essa regularização com facilidade. É neste sentido que estamos trabalhando e defendendo que o governo trabalhe", acrescentou o chefe do MDA.

No “Terra Legal”, somente o estado do Pará teria 89.786 posses passiveis de regularização, a maior parte (58.942) em áreas de até 1 módulo fiscal, no máximo de 100 hectares (Terra Legal). Contudo, a titulação privada destas áreas de forma individualizada não impedirá a médio e longo prazo a reconcentração fundiária e poderemos vê em dez ou quinze anos a União desapropriando antigas terras públicas para assentar famílias sem-terras. Outra possibilidade será o clássico uso de laranjas para titulação de áreas de até quatro módulos rurais, situação facilitada pela ausência da necessidade de vistoria. O empenho da governadora Ana Júlia Carepa para privatizar as terras do seu estado não encontrou correspondência na criação da Resex Renascer, em Prainha. Com um discurso de “um melhor desenho e respeito aos direitos das comunidades que vivem no local e dos produtores, pecuaristas e madeireiros que estão instalados na área há décadas”, a governadora do Pará deixou bem claro para as comunidades em luta no rio Uruará “devem se contentar com um pedaço menor de terra e os madeireiros e grileiros podem continuar atuando na região, agora legalizados” (Língua Ferina).

As entidades da sociedade civil a participar do evento como expositores são o Imazon, a “Pinheiro Neto e Advogados” e uma tal Associação de Notórios e Registradores do Brasil. A primeira entidade tem sede em Belém e há um bom tempo pesquisa e publica trabalhos sobre a região. Deverá representar o posterior discurso neoliberal: “se algo foi feito errado, foi feito com a participação da sociedade civil”. Já a segunda entidade, decorrerá sobre “Simplificação Normativa para Regularização Fundiária na Amazônia”, tema que estranhamente não será abordada pela Advocacia Geral da União ou especificamente pela Procuradoria Especializada do Incra, mas por uma entidade privada. Na página da entidade na internet está bem descrito o foco de trabalho da “Pinheiro Neto e Advogados”: “é um escritório de advocacia especializado em Direito Empresarial que atua por meio do aconselhamento de seus clientes, visando exclusivamente o melhor para seus negócios. Seu posicionamento é resultado da observação atenta das novas necessidades do mercado, própria de um profissional com vasta experiência adquirida em um escritório de advocacia de grande porte e posteriormente em uma organização internacional”.

Banco Mundial

Este órgão multilateral é um dos maiores responsáveis pela atual crise econômica mundial. Nos anos noventa, o receituário neoliberal de privatização e redução do papel do Estado destruiu sistemas educacionais, de saúde, de previdência em praticamente todos os países de economia dependente. Para o meio agrário, o Banco Mundial sempre apregoa a “reforma agrária de mercado”, como política compensatória de “combate à pobreza”. Esta política tem na formação de um mercado de terras a saída para a crise agrária aguda. Privatizem as terras públicas e com um mercado não haverá sem-terra, essa é a lógica. Programas para tal foram feitos no México, onde os “ejidos”, comunidades formadas a partir da Reforma Agrária revolucionária de 1910 foram desmantelados (“A reforma agrária mexicana: do ejido à privatização”, Lauro Saldivar Tanaka). Hoje, o México passa por uma grave crise alimentar, assim como outros países onde o mesmo receituário foi aplicado. Aliás, o palestrante Keith Bell do painel “O estado da arte da regularização fundiária e adaptações potenciais para a Amazônia brasileira/ Instituições fundiárias no Sudeste Asiático e na Austrália”, foi um dos responsáveis pela privatização de terras na Tailândia, Indonésia, Índia e Filipinas, ação apresentada pelo Banco Mundial como “ um sucesso”. Contudo, “os agricultores foram impedidos de entrar em suas terras comunitárias, ao redor das quais se construíram cercas. Em 1990, habitantes de Sritia, no distrito de Baan Hong, vendo as terras que eles usavam tradicionalmente sendo demarcadas e cercadas, protestaram coletivamente contra a transferência ilegal para forasteiros. Um jovem líder envolvido na manifestação levou um tiro na nunca e nunca se esclareceu a situação jurídica das terras”, como explica o artigo “Titulação da Terra na Tailândia” de autoria de Rebeca Leonard e Kingkorn Narintarakul Na Ayutthaya no livro o “Banco Mundial e a Terra: ofensiva e resistência na América Latina, África e Ásia”, organizado pela professora Mônica Martins em 2005.

No Brasil, os programas “Cédula da Terra” e “Banco da Terra” no governo Fernando Henrique e a continuidade dos programas de “Crédito Fundiário” no governo Lula mostram que a influência do organismo persistiu mesmo com a mudança de governo. Os financiamentos do BIRD foram ampliados, sendo inclusive contabilizada como meta do II Plano Nacional de Reforma Agrária o “assentamento” de 130 mil famílias pelo “mercado de terras”. Um dos eixos do Banco Mundial para o meio rural foi muito bem explicado por Marcelo Resende e Maria Luisa Mendonça no artigo “A Contra-reforma agrária no Brasil”, também no livro organizado pela professora Mônica Martins. A tal regularização fundiária já estava prevista desde então, como revela trecho do artigo:

“Outra meta do Plano Nacional de Reforma Agrária, anunciada pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, que visa facilitar a implementação do “mercado de terras”, é o cadastramento/georeferenciamento do território nacional, com a regularização de 2,2 milhões de imóveis rurais e a titulação de 500.000 posseiros.

Esse programa acaba com o conceito de terras públicas e comunitárias e pode contribuir com o aumento da concentração fundiária. A titulação pode beneficiar latifundiários e grileiros, através da venda das posses que podem ser compradas dos antigos posseiros. Esse mecanismo deve causar uma maior concentração da terra, além de fortalecer os governos estaduais na concessão de terras públicas e devolutas para madeireiros e grandes empresas agrícolas. Por exemplo, o governador do estado Roraima tem pressionado o INCRA para a cessão de terras públicas, com o objetivo de destiná-las ao agronegócio, principalmente para a expansão da monocultura da soja na região amazônica.

Tanto na região amazônica como no cerrado já se verifica a expansão da monocultura da soja, que pode ser facilitada pela privatização das áreas georreferenciadas. O projeto permite ainda que o Banco Mundial tenha acesso a dados estratégicos sobre a malha fundiária brasileira.

Em relação à proposta de georreferenciamento do território rural, seria mais fácil e menos oneroso para o Estado estabelecer um prazo para que todos os latifundiários apresentassem o laudo de produtividade, o registro do imóvel e a área georreferenciada. Dessa forma, o ônus da prova seria invertido e passaria a ser de responsabilidade dos proprietários.

O programa de georreferenciamento deve estar centrado nas demandas do conjunto dos atores sociais do campo como a regularização das comunidades quilombolas, extrativistas e ribeirinhas, a aquisição de áreas para reassentamento dos atingidos por barragens, a demarcação e homologação das terras indígenas e para proporcionar aos posseiros o direito de uso da terra, com todas as condições sociais e econômicas asseguradas, e não o título que permite a venda e posterior reconcentração da terra. Dessa forma, se preservariam as terras dos posseiros como áreas públicas, de uso comunal.

Como podemos observar, as políticas do Banco Mundial no meio rural brasileiro não são mais experimentais. Elas tiveram início a partir de 1996, já utilizaram em torno de 1,5 bilhões em recursos financeiros, atingiram cerca de 70.000 famílias e têm perpassado governos.
Em diversos países, os projetos do Banco Mundial têm apresentado problemas econômicos, sociais e ambientais. Entretanto, eles permanecem como parte estratégica de um projeto maior de garantir as bases para a expansão do neoliberalismo.”
Portanto, o Seminário deverá ser uma grande convergência de interesses contrários aos povos da floresta, aos sem-terras, às terras da Amazônia, ao patrimônio público e à Reforma Agrária. Não é de se estranhar à ausência nele dos movimentos sociais de luta pela terra, trabalhadores do Incra e dos amazônidas. Um consenso vale mais que um “entrave”.

*Engenheiro Agrônomo e diretor da Associação dos Servidores da Reforma Agrária – Assera/ Oeste do Pará.


Referências:

Ana Júlia quer enterrar Resex Renascer, Blog Lígua Fereina, publicado em 22.06.2008.

Governo federal estuda doar 4% da Amazônia a posseiros – Folha de São Paulo, 25.09.2008.

Número de famílias assentadas cai 68% em relação a 2007 – O Estado de São Paulo, 16.11.2008.

O Banco Mundial e a Terra: ofensiva e resistência na América Latina, África e Ásia – Mônica Martins (org.) – São Paulo: Viramundo, 2004.

Polêmica sobre Incra "esconde" importância da participação – Repórter Brasil, acessado em 21.11.2008.

Terra Legal: Regularização Fundiária na Amazônia Legal (Apresentação em PowerPoint).

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O fim dos tempos está chegando...

Tá no sítio da BBC:

FMI defende intervenção para impedir recessão

Depois da Globo, agora são os paladinos do livre mercado e das privatizações que querem o Estado! Para salvar bancos e seguradoras falidos, que fique bem claro.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Governo Lula, CUT e a escandalosa intervenção no movimento sindical-docente


No último sábado ocorreu na sede da CUT em São Paulo uma das mais escandalosas intervenções do Estado no movimento sindical brasileiro. Nem mesmo a legislação varguista, que atrelou profundamente os sindicatos ao Ministério do Trabalho, destroçando a autonomia e a espontaneidade do então sindicalismo anarco-socialista, foi tão ousado.

No momento, o ataque se dá sob o Andes-SN, sindicato dos docentes de ensino superior, uma das entidades associativas e posteriormente sindical das mais combativas, desde a luta pela abertura política, passando pelas greves pela defesa da Universidade Pública contra os ataques neoliberais no governo FHC e uma frente de resistência às políticas também neoliberais de Lula.

Primeiro, numa manobra burocrática, o registro sindical da entidade foi cassado. Agora, uma nova entidade é criada a portas fechadas, dentro do prédio da CUT e impedindo a participação da própria base que o pretenso sindicato diz representar. O mais curioso de tudo é a transformação de uma ONG que atua diretamente no interior do MEC em sindicato e a fundação da entidade com 425 votos por procuração, numa assembléia que durou 15 minutos!

"A iniciativa para criação desse sindicato, apesar de ser uma ameaça à unidade do movimento docente, não anula a representatividade do ANDES-SN. Nossa entidade continua firme e combativa, lutando pelo restabelecimento do seu registro sindical arbitrariamente suspenso pelo governo apoiado pela CUT. Sempre soubemos da represália que poderíamos sofrer ao permanecermos críticos e independentes em relação ao governo e ao nos desfiliarmos da CUT para construir um movimento verdadeiramente combativo, portanto, não nos sentimos abatidos, mas cada vez mais motivados à luta que temos defendido nos últimos 27 anos", afirmou Ciro Correia, presidente do ANDES.


Leia sobre o assunto em:
Docentes rechaçam tentativa de constituição de sindicato da CUT/Proifes

Manifesto de apoio ao ANDES-SN é subscrito por várias personalidades acadêmicas

ANDES-SN recebe apoio de várias entidades

Governo paulista reconhece legitimidade do ANDES-SN ao liberar Ciro Correia

CUT quer quatro dias de salário do trabalhador

segunda-feira, 9 de junho de 2008

O neo-neoliberalismo do governo Lula


por Antônio Júlio de Menezes Neto *

O governo petista sempre aponta, com toda razão, que o governo tucano era neoliberal, pois privatizou diversas empresas estatais. Estas denúncias são importantes, pois apontam a ideologia presente na idéia privatizante, qual seja, a da superioridade da esfera privada em detrimento da pública.

A idéia neoliberal ganhou força nos anos 70, um período de crise do capitalismo, no qual os empresários começaram a questionar os impostos que pagavam, dizendo ser o Estado ineficiente para gerir estes recursos. Questionaram, principalmente, os gastos sociais, como a previdência pública; diziam que, se o dinheiro ficasse com a iniciativa privada, eles seriam mais competentes na gestão econômica. Propuseram o desmanche do Estado de bem-estar social-democrata.

Assim, com o apoio de governos como Reagan e Margareth Thatcher, a nova ideologia ganhou o mundo e, especificamente, países como o Brasil. Collor iniciou este período e Fernando Henrique deu continuidade. Quando Lula assumiu, esperava- se, no mínimo, uma auditoria das privatizações. Mas, para surpresa, o governo não tomou nenhuma atitude, apesar de continuar denunciando as privatizações de FHC no palanque eleitoral.

Mas é importante relembrar que o único argumento que o governo Lula usou para dizer que não era neoliberal era o de que não havia privatizado as empresas que os tucanos também não privatizaram (Petrobras, Banco do Brasil, Correios etc.).

E, para surpresa ainda maior, o governo Lula continuou com privatizações, sob outros nomes, como Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Pro-Uni, Parcerias Público-Privadas (PPP). Deve ser um neo-neoliberalismo. Vejamos estes exemplos:

1) Privatização do ensino superior: ao invés de investir no ensino superior público, preferiu beneficiar as escolas particulares, através do Pro-Uni. Esta política visou "ajudar" as faculdades particulares, através de troca fiscal por vagas, muitas vezes em escolas de duvidosa qualidade. Alguns estudos mostram que, com os recursos do Pro-Uni, poderiam ser abertas mais vagas no ensino público do que nas privadas.

2) Parcerias Público-Privadas: o projeto do governo federal propõe a criação de PPPs, começando com a privatização de nossas estradas.

3) Privatização de florestas: o governo passa a permitir a concessão de florestas públicas para manejo privado. Assim, o governo defende a superioridade da gestão florestal privada sobre a pública. Os riscos são evidentes, pois podemos ceder riquíssimos recursos naturais a empresas privadas, inclusive para multinacionais.

4) Reforma agrária de mercado: o governo tucano privatizou a reforma agrária através da compra de terras (Banco da Terra) pelo governo com empréstimos realizados junto ao Bird. O governo Lula continuou com a mesma lógica política, só que agora com o nome de "Consolidação da Agricultura Familiar". Planeja oferecer financiamento público para os sem-terra para a compra de terras privadas.

Os exemplos são muitos. Assim, o governo Lula necessita assumir, publicamente, sua nova face: a de neo-neoliberal.

*Antonio Julio de Menezes Neto é sociólogo, doutor em Educação e professor universitário.
Fonte: Correio da Cidadania

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Governo Lula respalda-se cada vez menos na classe trabalhadora organizada

por Valéria Nader*
08-Abr-2008


O Correio publica abaixo a segunda parte da entrevista que o sociólogo Ricardo Antunes, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concedeu ao Correio. Na primeira parte, publicada na edição de número 595, analisaram-se os aspectos nefastos da aprovação do projeto de lei 1.990/07 pelo Câmara Federal no dia 11 de março, reconhecendo legalmente as centrais sindicais como entidades gerais de representação dos trabalhadores.
Inserindo essa medida na lógica do governo Lula, Antunes não tem nenhuma complacência: em um processo de grandes avanços e pequenos recuos, o sociólogo destaca que o governo vem devastando a classe trabalhadora organizada, amenizando o caminho para o avanço do grande capital.
Confira abaixo.

Correio da Cidadania: Em sua última entrevista ao Correio, você mencionou que o governo Lula fala com os pobres muito bem, mas garante mesmo é a boa vida dos ricos - uma situação, no mínimo, capciosa, já que os governos burgueses não dialogam com os pobres. Que governo é esse?

Ricardo Antunes: Com o Lula é diferente mesmo, há uma espécie de semibonapartismo, onde os interesses de cima estão absolutamente preservados e garantidos, e a relação com as massas pode prescindir dos partidos. É nítida também uma migração da base social do governo Lula. Esse governo foi eleito com o apoio da classe trabalhadora organizada, sindical e politicamente. Hoje é cada vez menos ancorado na classe trabalhadora organizada e cada vez mais respaldado pelas parcelas mais empobrecidas da classe trabalhadora, que não têm emprego, trabalham sem organização sindical e política e vivem da esmola vergonhosa que o governo dá sob o nome de Bolsa Família, que hoje atinge 11 a 12 milhões de famílias, cerca de 60 milhões de pessoas.
É nesse pólo, por isso o traço semibonapartista, que o governo Lula investe pesadamente. Eu me lembro que, há 4, 5 anos atrás, o Lula esteve no ABC e disse que os operários de São Bernardo do Campo eram uma elite, pois pagavam o imposto de renda. Foi vaiado. É comum esse tipo de gafe quando Lula vai a um encontro operário organizado. Em compensação, nos rincões miseráveis, para uma família paupérrima, que não tem trabalho, alimento, produção, nada, receber 50, 60, 70 reais por mês permite a compra da ração mínima necessária para a sobrevida.

CC: Vivemos um momento muito esquizofrênico, não?

RA: É um momento difícil, porque, digamos assim, a tragédia brasileira é que o governo Lula deu certo para os de cima, para as classes dominantes. Quem ganha dinheiro com esse governo? O sistema financeiro, o capitalismo financeiro, os bancos e o grande capital produtivo; Vale do Rio Doce, Telefônica... O governo Lula é o reino desses grandes capitais produtivos e do sistema financeiro. E perdem com isso os assalariados médios, os de base. Claro, se você comparar com o governo Fernando Henrique, é evidente que o atual significa uma pequena melhora. Mas ninguém votou no Lula pensando num governo um pouquinho melhor que o de Fernando Henrique. Votou-se em Lula, pelo menos nos setores organizados, por uma mudança substancial, e isso passou longe.
Essa chance nós perdemos, o governo Lula jogou fora a chance de fazer algo como está sendo feito na Venezuela, onde começaram a desmontar as engrenagens da dominação burguesa, oligárquica; as mudanças que se fazem no Equador, que têm um certo respaldo político do governo; as lutas da Bolívia, onde indígenas, camponeses e trabalhadores de certo modo têm alguma ressonância no Estado. Daí a política desses respectivos governos de nacionalização das riquezas minerais, de petróleo, gás, minérios, e a preservação da água não como mercadoria privatizada. Tudo isso o Brasil jogou fora.
O governo Lula tem sido capaz de fazer privatizações que o governo FH não fez. E não fez a revisão de nenhuma delas. Lembre-se que, quando o MST fez a importante campanha pelo plebiscito da Vale, o governo Lula disse que a situação era intocável, que a história não andava para trás, e isso não entrou sequer na pauta de governo. É um governo tíbio, servil, que está completamente embasbacado com as vantagens do país "grande potência".
Nesse sentido, é curioso que, nos últimos anos, Lula tem reiteradamente feito referências à ditadura militar, sempre elogiosas. É o governo Geisel, o governo Médici, o Brasil cresceu... Quer dizer, recorre à ditadura militar como se aquele fosse um período positivo da nossa história. Isso mostra a tragédia em que nos enfiamos.
E há uma diferença do primeiro mandato para o segundo que temos de ter claro. Depois do destroçamento interno do governo que foi o mensalão, que devassou o PT, chegou à Casa Civil e atingiu o alto comando do partido e do governo, aconteceu que a oposição centro-direitista errou redondamente. Imaginou que podiam deixar o Lula seminocauteado o ano de 2005 inteiro, para chegar em 2006 e dar o golpe final na eleição, fazendo a sucessão. Erraram rotundamente. Porque a população percebe: entre um governo pífio como o do Lula e um governo pífio, ultra-elitista e anódino como o do Alckmin, era melhor o primeiro. A população tapou o nariz, não votou nele no primeiro turno, depois tapou o nariz mais ainda e disse: "Bom, vamos votar no menos nefasto", e deu uma chance para o Lula.
E também, por motivos mais ou menos conhecidos, havia uma impossibilidade de gestação de uma oposição de esquerda ampliada. Houve um processo eleitoral, a Heloísa Helena teve 7 milhões de votos - o que é muito expressivo para uma candidatura à esquerda da esquerda -, mas, com todas as dificuldades encontradas naquele momento, era mais uma candidatura para marcar um contraponto do que para empolgar as massas do país. Até porque a presença do Lula conquistada em 30 anos de lutas sociais ainda tem força no imaginário popular.

CC: Esse prestígio histórico do Lula acaba atravancando muito a resistência?

RA: Claro, porque a população diz: "Pelo menos ele está tentando fazer e não consegue". Não é isso, ele não está tentando. O Lula não tentou nenhuma medida substantiva contra a ordem. Ao contrário, o que ele faz - digo o governo, o Lula em si é parte dessa história - magistralmente bem é o que o governo Fernando Henrique fez razoavelmente bem, pela ótica das classes dominantes.
O governo Lula é aquilo que as classes dominantes nunca imaginaram que seria. Não sei se você se lembra, nas eleições de 2006, perguntaram ao ex-presidente do Itaú, Olavo Setúbal, quem ele preferia. Ele disse: "É a mesma coisa, tudo igual. O Lula está sendo o melhor dos mundos, estamos ganhando dinheiro como nunca, o Alckmin também é isso, então estamos tranqüilos, é questão de gosto, quase como time de futebol". Um ou outro, a garantia é a de que a política econômica dos juros altos, do receituário externo, aquela política balizada pelo FMI, das privatizações, da garantia dos recursos financeiros estrangeiros que vêm aqui, saqueiam o país e voltam, tanto o governo Alckmin como o Lula podem garantir.

CC: Mas essa história começou lá atrás, já no primeiro mandato.

RA: E a expressão disso é que, já em 2002, quando Lula ganhou a eleição, o presidente do Banco Central seria ninguém menos que Henrique Meirelles, que era presidente do Banco de Boston, recém eleito deputado federal pelo estado de Goiás, sem provavelmente nunca ter posto o pé lá, porque ele estava no jet-set internacional. Isso dá a dimensão da privatização dentro do Estado e do governo Lula.
Para dar um segundo elemento, que foi absolutamente surpreendente, há a liberação dos transgênicos, que foi uma imposição das mais nefastas transnacionais, com a Monsanto sempre à frente. Eu imagino o que não passou dentro do governo para que a liberação dos transgênicos fosse aprovada...

CC: Ou seja, é uma capitulação atrás da outra, a exemplo também da reforma trabalhista e sindical, que vem vindo de mansinho.

RA: Exato. Mas há um elemento também importante: naquela votação da emenda 3 - que proibia os auditores fiscais da Receita Federal de autuar ou fechar as empresas prestadoras de serviço quando entendessem que a relação de prestação de serviços com uma outra empresa era, na verdade, uma relação trabalhista, em prejuízo dos contratos de trabalho pela CLT -, que significaria um passo muito grave no processo de terceirização e precarização do trabalho, nesse momento, o governo Lula foi contrário. Porque o Lula, que é uma figura política muito inteligente, percebeu o momento.
No ápice da crise do mensalão, tenho a impressão que deve ter faltado muito pouco para ele renunciar. Quem convive lá, com o dia-a-dia do palácio, deve ter sentido que faltou pouco para o Lula fazer como o Collor: tirar o chapéu. Não sei se você se lembra quando ele deu uma entrevista a uma jornalista em Paris, assumindo que tinha mensalão, mas não tinha, que era, mas não era...
Quem segurou o governo Lula na crise do mensalão foi o grande capital, que deu a ordem de ninguém pensar em apagar o governo Lula, porque, com a economia estável, os bancos e o grande capital ganhando como nunca, quem seria louco de abrir uma crise política que podia detonar uma crise econômica? Portanto, a ordem do grande capital era não tocar no governo, daí o PSDB e o PFL não assumirem a luta pelo impeachment de Lula.
Nesse sentido, a rejeição da Emenda 3 foi muito pensada. O governo Lula deve ter feito um balanço de que estava perdendo muito rapidamente sua base social de trabalhadores e estava nas mãos integralmente do grande capital. Era preciso segurar algumas pontas de apoio, porque, numa segunda crise do mensalão, ele podia não ter mais o suporte desses setores de cima.
Mas, mesmo na primeira crise, era assim: "Vamos deixá-lo seminocauteado, o nocaute será nas eleições. Erraram feio. E em 2006 o que o Lula faz? Continua garantindo a boa vida para os ricos; lembre-se que uma vez ele disse que "nunca os ricos ganharam tanto dinheiro nesse país como no meu governo". Ele diz isso com orgulho, quer dizer, esse lado nefasto, trágico, que é a cara do governo Lula, ele destaca com orgulho.

CC: São os pequenos recuos para avançar na mesma direção...

RA: Suponha-se que haja uma crise do segundo governo numa situação econômica de instabilidade. Bom, aí as classes dominantes não teriam mais o que garantir. Por isso que, no meu entender, o presidente faz uma pequena inflexão em algumas medidas. Amplia o Bolsa Família, coopta centrais sindicais e aceita algumas das suas reivindicações, nesse caso justas, como, por exemplo, ser contra a "pejotização", que tiraria poder dos fiscais do trabalho.

CC: O apoio que foi dado às convenções 151 e 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) - que, respectivamente, institui a negociação coletiva no setor público e proíbe as demissões imotivadas na iniciativa privada - viria também nesse pacote de recuos para segurar a base social e não ficar só nas mãos do capital?

RA: Em parte sim, em parte não. Quanto à convenção da OIT que obriga a justificação para as demissões, sim. Mas com relação à outra, lembre-se das medidas que também foram tomadas e que impedem o direito pleno de greve do funcionalismo público, claramente uma imposição do FMI, do sistema financeiro, que quer detonar o funcionalismo. E uma das formas de impedir a organização do funcionalismo público é decretar a ilegalidade da greve.
Essa restrição ao direito de greve mostra o caráter anti-republicano do governo Lula. Então veja, ele caminha assim, uma vez ele cede, na outra ele bate.
Esta negociação coletiva estava atada, portanto, a uma segunda medida. Qual a segunda medida? Como o funcionalismo público passa a ter negociação coletiva, passa a ter direito restrito de greve. Algo do tipo "agora que vocês têm quem os represente, o direito de greve não é mais pleno". Uma concessão e uma cacetada.
No frigir dos ovos, tornar ilegal o direito de greve ao funcionalismo é um getulismo nos anos 2000. O que Getúlio fez com o decreto lei 19770/1931? Proibiu os sindicatos no setor público e o direito de greve, de todos os trabalhadores, incluindo o setor público. A Constituição de 88 concede o pleno direito de greve. Diz que vai haver uma regulamentação posterior, mas o preceito constitucional é o direito de greve. O governo Lula, por sua vez, está dando passos - e ainda vai tentar, pois não desistiu disso - no sentido de tentar coibir, restringir e, em certo sentido, impedir mesmo o direito de greve em vários setores do funcionalismo público.

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.
Fonte: http://www.correiocidadania.com.br/content/view/1651/47/