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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

MPF vai à Justiça em 6 estados para obrigar o planejamento do uso de recursos hídricos

Na Amazônia, onde está a maior parte da água do país, a Agência Nacional de Águas nunca exigiu o planejamento do uso dos rios e mesmo assim concede outorgas

O Ministério Público Federal apresenta hoje à Justiça Federal em seis estados da Amazônia um pacote de ações para proteger os recursos hídricos da região, até agora usados sem nenhum planejamento. A Agência Nacional de Águas vem outorgando direitos de uso de recursos hídricos de maneira ilegal, porque, em nenhum rio amazônico, foram instalados os comitês de bacia que são responsáveis por planejar o uso das águas. Sem os comitês e sem planejamento, de acordo com a legislação brasileira, a ANA não poderia emitir nenhuma outorga.

Nas ações, o MPF pede que a ANA seja proibida de emitir a chamada Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica para quaisquer empreendimentos que estejam em licenciamento nas bacias dos rios Tapajós, Teles Pires, Madeira, Ji-Paraná, Negro, Solimões, Branco, Oiapoque, Jari, Araguaia, Tocantins e Trombetas. A necessidade de planejamento no uso dos recursos hídricos é uma preocupação incluída na Constituição brasileira e, mesmo assim, nunca foi aplicada na Amazônia, onde está o maior volume de águas do país, tanto em corpos subterrâneos (aquíferos) quanto superficiais (rios).

O MPF cobra o cumprimento da Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei das Águas (9.433/97). A Política trouxe, como principais fundamentos, a convicção de que “a água é um recurso natural limitado” (art. 1º, II) e de que, “em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais (art. 1º, III)”. E tem, como objetivos, “assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos”; “ a utilização racional e integrada dos recursos hídricos”; e “a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais”.

A Política Nacional também instituiu que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades. Na Amazônia, onde boa parte da população tem a sobrevivência baseada nos rios, essa participação se torna ainda mais relevante. Mas sem comitês de bacia instalados, não há participação, nem planejamento, os principais pilares da política. São os comitês de bacia, constituídos com participação social, que podem fazer o plano de uso dos recursos hídricos.

O Conselho Nacional de Recursos Hídricos, ciente dos riscos com a intensificação das atividades econômicas nos rios amazônicos, aprovou, em 2011, o que o MPF classifica de “arremedo” de planejamento, o Plano Estratégico de Recursos Hídricos dos Afluentes da Margem Direita do Rio Amazonas (PERH-MDA). O Plano previa que fossem instalados os comitês de bacia para que planejamentos fossem formulados para cada bacia. Mas até hoje, passados três anos, nenhum comitê foi instalado.

Questionada pela organização International Rivers Network, a ANA admitiu, em documento datado de setembro de 2014, que “não dispõe de acompanhamento sistemático da implantação do PERH-MDA”. “De acordo com a Lei nº 9.437/97, em seu art. 37, cabe ao Comitê de Bacia o acompanhamento da execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia e sugestão das providências necessárias ao cumprimento de suas metas. Como inexiste tal colegiado com atuação que abranja toda a região da MDA, foi criado pela Resolução CNRH nº 128/2011, um Colegiado Gestor com responsabilidade de auxiliar na implementação do PERH-MDA. Destaca-se que tal colegiado ainda não foi instalado.”, diz o documento.

Mesmo assim, a agência vêm concedendo normalmente outorgas para usinas hidrelétricas, mineradoras e empreendimentos agropecuários, em flagrante violação da legislação. “A consequência das omissões e do arremedo de Plano de Bacia é que a ANA vem concedendo, no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos na Amazônia, Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH), e sua posterior outorga, sem levar em consideração a participação dos usuários e das comunidades e o uso múltiplo das águas, fato de graves repercussões”, diz o MPF nas ações.

Diz a Lei de Águas: “Toda outorga estará condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos Hídricos e deverá respeitar a classe em que o corpo de água estiver enquadrado e a manutenção de condições adequadas ao transporte aquaviário, quando for o caso. A outorga de uso dos recursos hídricos deverá preservar o uso múltiplo destes.” Tudo vem sendo desrespeitado, principalmente em empreendimentos hidrelétricos na Amazônia.

“A falta de comitês de bacia e de planos de recursos hídricos de cada bacia hidrográfica na Amazônia faz com que a decisão administrativa seja centralizada, sem qualquer controle social. As águas da bacia ficam asseguradas a apenas um uso: para o setor elétrico. Todos os demais, como, por exemplo, transporte, turismo, abastecimento, dessedentação, etc ficam prejudicados. O prejuízo será sentido não só por esta geração, mas compromete a utilização da água pelas futuras gerações”, dizem os procuradores da República nas ações iniciadas hoje.

Para o MPF, o fato de vivermos atualmente uma crise de abastecimento de água de graves proporções no sudeste do país, assim como o desaparecimento de trechos inteiros do rio São Francisco, no nordeste, são alertas para o que pode ocorrer na Amazônia, a maior bacia hidrográfica do país e do mundo, se for mantido o atual padrão de total falta de planejamento e precaução.

“O que ocorre no sudeste e no nordeste é um vislumbre do risco que correm os rios da bacia Amazônica, em pior situação por nem sequer se observar a precaução obrigatória da gestão participativa dos recursos. E a Amazônia, como demonstra o conhecimento científico mais recente, é um ecossistema que funciona como regulador hidrológico para o continente sul-americano e principalmente, para as regiões sul, sudeste e centro-oeste do Brasil, diretamente beneficiadas pela umidade transportada da floresta”, dizem as ações judiciais.

O MPF cita o recente relatório do professor Antônio Donato Nobre, que posiciona o ecossistema amazônico como o coração do ciclo hidrológico brasileiro, fornecendo umidade sobretudo para as regiões sul, sudeste e centro-oeste, que poderiam ser desérticas se não fosse a existência da floresta tropical ao norte. Para os procuradores da República, beira a irresponsabilidade o comportamento do governo brasileiro ao insistir em grandes empreendimentos nos rios amazônicos sem nenhuma espécie de planejamento sobre o uso dos corpos d'água.

No caso da bacia do rio Madeira, o MPF lembra que estão previstos mais três usinas hidrelétricas em um momento em que não se sabe ainda a influência das duas barragens já existentes (Jirau e Santo Antônio) na trágica enchente de 2014, que está sob investigação. “Se com apenas dois desses empreendimentos os desdobramentos chegaram a patamares nunca antes observados e ainda não se tem certeza da exata influência da construção das barragens nos acontecimentos, que dirá do impacto sinérgico deles com mais outros três (um deles, inclusive, com porte semelhante)? Qual o tamanho da irresponsabilidade governamental?”, diz a ação ajuizada em Rondônia.

Além da ação em Porto Velho, sobre a bacia do rio Madeira, foram ajuizadas ações em Manaus, sobre as bacias do Negro e do Solimões, em Boa Vista, sobre a bacia do rio Branco, em Cuiabá, sobre a bacia dos rios Tapajós e Teles Pires, em Oiapoque e Laranjal do Jari, sobre os rios Jari e Oiapoque, em Redenção, sobre a bacia Araguaia-Tocantins e em Santarém, sobre o rio Trombetas.

Veja a íntegra de todas as ações


Fonte:  Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A próxima vítima: Bacia do Rio Negro entra no mapa de hidrelétricas na Amazônia

Foto: corredeiras no Rio Negro. Amazônia Real
A bacia do rio Negro, no Estado do Amazonas, entrou no mapa de hidrelétricas na Amazônia do governo federal. Desde julho deste ano, a empresa Igplan Inteligência Geográfica Ltda., cuja sede é em Curitiba (PR), realiza levantamento na área. A empresa foi contratada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia.
Conforme contrato firmado com a EPE, a IGPlan realizará em 360 dias “serviços técnicos especializados para elaboração de estudos para o diagnóstico socioambiental e dos usos múltiplos da água da bacia do rio Negro”. O estudo, chamado de pré-inventário, tem orçamento de R$ 1 milhão. O levantamento, segundo o edital da EPE, abrange “desde a região das cabeceiras inseridas no território nacional até a confluência com o rio Amazonas”.
A nascente do rio Negro é na Colômbia e sua foz é na capital amazonense, Manaus. O Negro é considerado o segundo maior rio do mundo em volume de água, atrás do rio Amazonas. Suas corredeiras, contudo, estão localizadas apenas nas cabeceiras, localizadas no Alto Rio Negro, fronteira do Brasil com a Colômbia, onde estão situadas várias terras indígenas e unidades de conservação. O local também é rico em substâncias minerais, como ouro e nióbio. O principal município do Alto Rio Negro é São Gabriel da Cachoeira (a 858 quilômetros de Manaus), onde 90% da população são de indígenas.
No mês passado, Igplan e EPE solicitaram da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn) um “banco de dados” com informações sociais, ambientais e demográficas. O pedido não foi atendido, segundo Nildo Fontes, da etnia tukano, e um dos diretores da Foirn.
Em entrevista ao Amazônia Real, Fontes disse que o pedido “chegou por email e de surpresa” e deixou os indígenas apreensivos com a possibilidade de construção de uma hidrelétrica na região. Ele afirmou que a Foirn ainda está estudando se responde ou não o pedido de informações das empresas.
“Chegou para a Foirn uma solicitação sem muita clareza, mas nos pareceu um projeto pronto para ser implementado e executado. O pedido está na nossa assessoria jurídica para avaliação”, disse Fontes.
O diretor da Foirn afirmou que a realização do estudo é “uma preocupação a mais” que os indígenas do Alto Rio Negro terão que enfrentar. “Uma das nossas maiores preocupações atuais é o projeto de regulamentação de mineração em terra indígena. Agora nos surpreendemos com esse estudo para a possível construção de hidrelétrica”, disse Fontes.
Fontes disse que o pedido de informações também foi enviado para o Instituto Socioambiental (ISA), organização que desenvolve trabalho junto aos indígenas do Alto Rio Negro. O Amazônia Real tentou falar com a assessoria jurídica do ISA, mas esta não retornou ao contato feito por telefone e por email.
Inviável
O cientista Philip Fernside, que há vários anos vem estudando os impactos de hidrelétricas na Amazônia, disse ser “inviável” uma hidrelétrica na bacia do rio Negro.
“O rio é muito profundo. Só restariam as corredeiras do Alto Rio Negro, mas ali não tem grandes centros urbanos e demandaria custos altos. Agora, obviamente dizer que isto é inviável não quer dizer muita coisa, pois sobre Balbina (hidrelétrica que abastece Manaus) se dizia a mesma coisa e ela foi construída”, disse.
Segundos dados da Foirn, a região do Médio e Alto Rio Negro tem 30 milhões de hectares de extensão. Desta área, 11 milhões de hectares são demarcados como terras indígenas ocupadas por 23 grupos étnicos das famílias Tukano Oriental, Arawak e Maku. É a área de maior diversidade indígena e linguística do país.
Oficina em Manaus
No início do mês passado, EPE e Igplan realizaram em Manaus uma oficina intitulada “Indicação de Alvos e Metas de Conservação na Bacia do Rio Negro”. No convite enviado para especialistas em fauna e flora que atuam no Amazonas, as empresas informam que um dos objetivos do evento é o “mapeamento de áreas críticas para conservação da biodiversidade na bacia através da metodologia do Planejamento Sistemático da Conservação”.
Um dos participantes da oficina que pediu para não ter seu nome publicado nesta matéria disse ao Amazônia Real que o representante da EPE informou que o estudo feito pela Igplan é um pré-inventário cujo objetivo é analisar relevo e hidrometeorologia do Alto Rio Negro. Um mapeamento das faixas de fronteira em escalas menores já estaria sendo realizado pelo Exército com o objetivo de ajudar no pré-inventário. O levantamento também avaliaria melhor o potencial dos afluentes do rio Negro.
“O representante da EPE nos disse que após todos esses levantamentos o Ministério de Minas e Energia vai definir se haverá abertura para realizar inventários e estudos de viabilidade. A EPE admite que o entrave é justamente as terras indígenas e o isolamento da área que geraria problemas logísticos para escoar a energia gerada para outras regiões”, disse o participante.
Durante a oficina, o representante da EPE também teria informado que outras bacias já estão sendo avaliadas. Uma delas é a do rio Branco (afluente do rio Negro) onde o inventário foi aprovado e a fase atual é de avaliação de potencial. A etapa seguinte é uma decisão política do governo federal.
“Na minha opinião, apesar da presença de corredeiras, construir barragens naquela área do Negro é inviável, sem falar que é tudo terra indígena. Talvez para as pequenas barragens sim, mas não é essa a intenção da EPE, que quer exportar energia para fora da Amazônia. A área não tem aptidão para receber grandes empreendimentos. O problema é que este governo está numa busca ensandecida por potencial energético na Amazônia que não me surpreenderia se alguma hidrelétrica fosse construída naquela região”, disse.
O portal também apurou que a EPE tentou realizar inventários em afluentes do rio Negro localizado no território demarcado dos índios Yanomami, mas estes não deixaram.
O Amazônia Real entrou em contato com a direção da IGPlan, mas esta orientou o portal a procurar a EPE. Apesar dos contatos por telefone e por email, a EPE não atendeu pedido de informações e de entrevista feito pelo portal.
Procurada pelo portal, a assessoria de imprensa do Exército disse que se manifestaria até nesta segunda-feira (11).
Fonte: Amazônia Real via Adital