sexta-feira, 25 de março de 2016

Justiça derruba exigência de consulta aos índios Waimiri Atroari sobre as obras do Linhão de Tucuruí


Magistrado diz que índios foram consultados em reunião na aldeia, mas sertanista nega. O Ibama anunciou etapa que viabilizará a obra orçada em R$ 1,1 bilhão. 
O desembargador Cândido Ribeiro, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), acolheu recurso da União e derrubou a liminar que suspendia os efeitos da Licença Prévia do processo ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) à empresa Transnorte Energia S/A, responsável pelas obras de construção do Linhão de Transmissão de Tucuruí para abastecer o Estado de Roraima. Um trecho de 125 quilômetros das obras vai passar dentro da Terra Indígena Waimiri Atroari. A etnia diz que não foi consultada previamente pela Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre os impactos socioambientais.
A decisão do desembargador Cândido Ribeiro foi assinada na última sexta-feira (11) e cassou a liminar concedida pela juíza Marília Gurgel Rocha de Paiva e Sales, da 3ª Vara da Justiça Federal do Amazonas, em 19 de fevereiro. Ela acatou pedido do Ministério Público Federal para que os índios Waimiri Atroari fossem consultados sobre o empreendimento energético, como prevê a Convenção no. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Com a suspensão da liminar, o Ibama informou à agência Amazônia Real que a empresa Transnorte Energia já pode elaborar o Plano Básico Ambiental (PBA) para iniciar a etapa de Planejamento da Gestão de Impactos e Medidas Mitigadoras, o que possibilita entregar o pedido da Licença de Instalação (LI) do empreendimento e iniciar a construção das torres de transmissão dentro da terra indígena.
A Licença Prévia nº 522/2015 da empresa Norte Energia para a obra do Linhão de Tucuruí saiu em novembro do ano passado depois que o presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa, concedeu um aval ao Ibama.
Na ocasião, 23 lideranças da Comunidade Waimiri Atroari assinaram uma carta enviada à presidente do Ibama, Marilene Ramos, afirmando que a etnia não foi consultada por João Pedro Gonçalves sobre os impactos socioambientais da obra na terra indígena. Veja reportagem aqui.
Segundo as lideranças, para construir a linha de transmissão serão instaladas cerca de 250 torres de sustentação, o que levará centenas de operários para dentro da reserva onde vivem mais de 1,6 mil índios considerados de recente contato pela Funai.
Os Waimiri Atroari também contestaram o traçado da obra definido na Licença Prévia. E afirmam que não autorizaram o presidente da Funai, João Pedro Gonçalves, falar em nome deles.
Em sua decisão, o desembargador Cândido Ribeiro afirma que os documentos que constam no processo, como protocolos de reuniões de trabalho, atestam que o povo indígena foi consultado pela Funai sobre a elaboração do Estudo do Componente Indígena Waimiri Atroari (EIA-CI-WA) e esclareceram sobre o estudo que seria realizado dentro da terra indígena.
Segundo o magistrado, um documento datado em 08/05/2013 consta o protocolo de intenções no.  001/2013 que foi celebrado entre a Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A – Eletrobrás Eletronorte, a Funai e a Associação Comunidade Indígena Waimiri Atroari (ACWA). Um protocolo assinado em 29/05/2014 do EIA-CI-WA consta as traduções na língua indígena Waimiri Atroari dos índios ouvidos nas aldeias da terra indígena.
No dia 1º/10/2015, conforme o magistrado diz na decisão, outro documento relata uma nova reunião dentro da reserva indígena, na qual estavam presentes representantes do Ministério de Minas Energia, Funai, Ibama, Eletrobras e a governadora de Roraima, Suely Campos (PP), entre outras autoridades.
O desembargador Cândido Ribeiro disse em sua decisão que “como se pode verificar, ao que tudo indica a administração está atenta às normas e vem realizando os estudos e o planejamento traçado para a realização do empreendimento. Segundo os requerentes, é necessário que se conclua o estudo do componente indígena para ser incorporado ao Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA-CI-WA) ”.
“A decisão impugnada implica na paralisação dos estudos ambientais. Ademais, não se pode olvidar que apesar da promulgação da Convenção 169 da OIT, a norma ainda não foi objeto de regulamentação, e independentemente da forma como o processo de consulta vem sendo realizado. O fato é que não está evidenciado a ilegitimidade dos atos administrativos questionados pelo Ministério Público Federal”, justificou o magistrado na decisão.
Segundo o desembargador Cândido Ribeiro, a suspensão da Licença Prévia atrasou o cronograma do empreendimento, “sabidamente de caráter estratégico nacional”. A construção da linha de transmissão terá um total de 721 km, partindo de Manaus, para gerar 500 KV de energia elétrica no Estado de Roraima a partir da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará. Atualmente o Estado depende do fornecimento de energia elétrica da Venezuela.
O magistrado destacou os prejuízos da paralisação das obras do Linhão de Tucuruí para Roraima. O investimento, segundo a Transnorte Energia, é estimado em R$ 1,1 bilhão. Cerca de 505.665 habitantes (dado estimado do IBGE para 2015) serão beneficiados pelo fornecimento de energia, incluindo a capital Boa Vista e mais 14 municípios.
“O custo de contratação emergencial de geração termelétrica, já autorizado, é da ordem de R$ 720 milhões por ano até a entrada em operação do empreendimento na data prevista (fevereiro/2016). O atraso verificado, hoje de 13 meses, irá representar um custo adicional de R$ 780 milhões aproximadamente. A paralisação de todo e qualquer procedimento relacionado à implantação da Linha de Transmissão, conforme liminar concedida, acarretaria o acréscimo de mais R$ 60 milhões por mês de atraso”, afirmou o desembargador Cândido Ribeiro.
 Reunião não foi consulta, disse Porfírio Carvalho
Reunião do dia 1o. de outubro de 2015 dentro da aldeia Waimiri Atroari. (Foto: Mário Vilela/Funai)

A reportagem procurou a Associação Comunidade Waimiri Atroari por meio do gestor do Programa Waimiri Atroari (PWA), José Porfírio Carvalho, para ouvir as lideranças sobre a decisão do desembargador Cândido Ribeiro, mas a entidade não se pronunciou até o término desta reportagem.
Em entrevista concedida anteriormente à Amazônia Real, José Porfírio Carvalho afirmou que a reunião realizada no dia 1º. de outubro de 2015 “não foi uma consulta pública”.
“As autoridades foram acompanhadas de técnicos do Ibama e do Ministério de Minas e Energia e apresentaram aos índios o projeto da obra, mas não houve entendimento com relação ao traçado dentro da terra indígena Waimiri Atroari, que tem 2,5 milhões de hectares. Os índios queriam e querem saber quais as razões concretas da opção de o traçado ser instalado dentro das terras indígenas e não por outra opção. Nem a governadora [de Roraima] nem os técnicos do Ibama e do Ministério de Minas e Energia conseguiram explicar os motivos. Nada ficou acertado”, afirmou José Porfírio Carvalho.
O sertanista disse na entrevista que a passagem da linha de transmissão de Tucuruí pelo território indígena causará grave impacto ambiental e na vida dos indígenas. “O principal impacto é o processo construtivo, onde para cada obra estarão circulando dentro de suas terras 100 homens, máquinas, isto multiplicado por 250 [torres] é um impacto de dimensão violenta”, denunciou Porfírio Carvalho.
 MPF vai recorrer da decisão do TRF1
A nova geração dos Waimiri Atroari (Foto: Mário Vilela/Funai)

O procurador Fernando Merloto Soave, autor da ação que pediu a suspensão da Licença Prévia do processo do licenciamento ambiental, disse à Amazônia Real que a decisão do desembargador Cândido Ribeiro deve ser respeitada, mas o MPF vai buscar revertê-la para garantir os direitos indígenas.
Fernando Merloto Soave afirmou que a suspensão da liminar assinada pelo desembargador do TRF1 é um instrumento jurídico antigo, mas ainda vigente no país. Ele lembrou que o mesmo dispositivo jurídico foi adotado em diferentes momentos para derrubar as liminares que impediam as obras da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
“As obras de Belo Monte, por exemplo, foram liberadas muitas vezes com base neste instrumento. Relatores da ONU (Organizações das Nações Unidas) e organizações internacionais já vieram ao Brasil e estão analisando as implicações deste instrumento na proteção de direitos constitucionalmente garantidos”, disse o procurador da República.
A Procuradoria Regional da República da 1ª. Região disse à reportagem que já foi notificada da decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.  Informou também que o caso não cabe mais recurso no TRF1. “Há ainda uma possibilidade de que o caso seja enviado à PGR [Procuradoria-Geral da República] e seja tramitado no STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Mas por enquanto não temos como saber quando”, diz a nota.
Já a assessoria do MPF no Amazonas, informou que a PRR1 foi acionada, com distribuição ao procurador Regional da República João Akira Omoto para análise das medidas que poderão ser adotadas no intuito de reverter a decisão.
Segundo a assessoria do MPF, “entre as medidas cabíveis, é possível o procurador regional da República interpor agravo regimental para submeter a decisão para julgamento de colegiado do TRF-1 ou representar ao procurador geral da República para análise de possíveis medidas nas instâncias superiores” e que “cabe ao procurador regional decidir a estratégia”.
A reportagem entrou em contato com o procurador João Akira, mas ainda não obteve retorno.

Ibama iniciará o planejamento das obras
À Amazônia Real, o Ibama informou que a decisão do TRF-1 valida a Licença Prévia emitida pelo órgão. Agora, explica, cabe ao empreendedor elaborar o Plano Básico Ambiental (PBA). “Com o documento, o Ibama pode começar a etapa de Planejamento da Gestão de Impactos e Medidas Mitigadoras. O PBA será entregue com o requerimento de Licença de Instalação (LI) e será utilizado para subsidiar esta fase. O documento deve detalhar os programas ambientais necessários para minimizar os impactos negativos já listados no Estudo Impacto Ambiental (EIA), na Licença Prévia e no componente indígena, explica.
O Ibama ainda avaliará se o Requerimento de Licença e o PBA estão aptos para análise. “Caso estejam em conformidade com o descrito na LP, o Instituto solicitará contribuições dos órgãos envolvidos, realizará reuniões e vistorias, e produzirá parecer técnico sobre a emissão ou não da LI”, esclareceu em nota.

Roraima sofre com blecautes
A empresa Transnorte Energia S/A é formada por um consórcio entre a Eletronorte (subsidiária da estatal Eletrobras) e a Alupar, uma holding que atua no sistema energético da América Latina. Procurado pela reportagem, o Ministério de Minas e Energia (MME) não comentou a decisão do desembargador Cândido Ribeiro.
Por meio de nota, o MME disse que a obra da Linha de Transmissão de Tucuruí (oficialmente denominada LT 500 kV Lechuga – Equador – Boa Vista C1 e C2), está em processo de licenciamento ambiental.  “O projeto já possui a Licença Prévia (LP), que voltou a vigorar desde o dia 11 de março, quando o TRF da 1ª Região tornou sem efeito uma liminar da Justiça Federal do Amazonas que suspendia a LP. No momento, os empreendedores estão atuando junto ao Ibama para obterem a Licença de Instalação, que permitirá a realização do Projeto Básico, inclusive na passagem da terra indígena Waimiri Atroari”, afirmou.
Segundo o MME, na semana passado o ministro Eduardo Braga (PMDB-AM) e a governadora de Roraima, Suely Campos (PP-RR), além do secretário-executivo, Luiz Eduardo Barata, se reuniram com a bancada de Roraima no Congresso. O objetivo foi tentar acelerar ao máximo o processo de licenciamento ambiental do Linhão de Tucuruí.
No dia em que o desembargador Cândido Ribeiro decidiu pela cassação da liminar, em 11 de março, o MME também se reuniu para discutir as constantes quedas de energia em Roraima, tendo no encontro a participação de representantes da Eletrobras, da Eletrobras Distribuidora Roraima e da Eletronorte. O objetivo, segundo o ministério, foi “para identificar as razões dos recentes blecautes, ocorridos por problemas em instalações venezuelanas, e definir as medidas que serão tomadas para evitar a repetição destes, entre os quais, o fornecimento de combustíveis para as térmicas de Boa Vista”.
Antes, no dia 7, o estado chegou a ficar 12 horas sem energia elétrica. Em nota divulgada na imprensa, a Eletrobras Distribuição Roraima disse que o desabastecimento ocorreu devido à falha de equipamentos na subestação de Las Claritas, na Venezuela. “As termelétricas da Eletrobras foram acionadas e atenderam parte da carga, priorizando as áreas com serviços essenciais, até que a interligação Brasil-Venezuela fosse normalizada”.
*Fonte: Amazonia Real

Bancada do agronegócio decide apoiar impeachment de Dilma. Kátia Abreu avalia deixar o governo


Bancada do agronegócio decide apoiar impeachment de Dilma. Kátia Abreu avalia deixar o governoApós uma reunião com cerca de 40 deputados, a FPA (Frente Parlamentar do Agronegócio) decidiu apoiar formalmente o processo de impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff, em tramitação na Câmara dos Deputados. Em nota, a bancada chama a atual situação de “vexatória”.

A FPA é uma das bancadas de lobby mais ativa do Congresso, com influencia sobre a maioria dos partidos da base e da oposição. Entre seus 14 diretores, há deputados e senadores de nove partidos, entre eles PMDB, PSDB, PDT e PSB. Nos últimos anos, a bancada tem conseguido fazer modificações legais no Congresso em benefício do setor, mesmo quando enfrentam oposição de outros setores organizados.
De acordo com o presidente da bancada, deputado Marcos Montes (PSD-MG), que é de um partido da base do governo, a decisão de apoiar o impedimento da presidente foi unânime. Segundo ele, o apoio ao impedimento decorre dos problemas que o setor está enfrentando pela falta de governabilidade.
Montes afirmou que a decisão foi tomada na quarta-feira (16), antes da divulgação de escutas telefônicas em que a presidente fala com o ex-presidente Lula sobre sua nomeação. Segundo ele, a nomeação de Lula só piora a situação.
“A nomeação do Lula cria mais insegurança e afugenta os investimentos para o país”, afirmou Montes.
Segundo o deputado, cinco deputados foram nomeados pela FPA para procurar os integrantes da comissão pedindo apoio ao impedimento da presidente. Segundo ele, mesmo que a comissão não aprove, na votação no plenário os parlamentares da frente vão trabalhar para ter a maioria de dois terços necessária para aprovar o afastamento de Dilma.
Kátia Abreu avalia deixar o governo
A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, avalia a hipótese de deixar o governo devido à nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ministro da Casa Civil.

A avaliação de Kátia Abreu é de que, com Lula na Casa Civil, projetos da pasta poderão ser paralisados. Grande parte dos programas dos ministérios precisa passar pelo aval da Casa Civil.

Segundo o G1 apurou, a ministra ainda não tomou a decisão de sair, mas tem consultado sobre isso assessores diretos e integrantes da bancada ruralista no Congresso. Katia Abreu é senadora licenciada do PMDB, partido que decidirá se deixará o governo.

Kátia Abreu tem conduzido o ministério com enfoque no aumento da exportação de produtos brasileiros. Em novembro, por exemplo, esteve na Arábia Saudita para negociar a liberação da importação de carne brasileira. O receio, segundo auxiliares próximos à ministra, é de que Lula queira mudar a atual política do Ministério da Agricultura.

Fontes: Folha de São e g1

domingo, 20 de março de 2016

Avançam projetos para escoar grãos pelo Norte

Por: Danilo Fariello*

Obras envolvem integração intermodal, e custo do frete pode cair em 30%
Com forte impulso dos interesses da China, começa a sair do papel no Brasil uma série de projetos de transportes que deverão encurtar a rota entre a produção agrícola no interior do país e a Ásia, pelos portos da Região Norte. Nos últimos meses, iniciativas em hidrovias, rodovias e ferrovias registraram algum avanço para a abertura da chamada saída Norte, ou Arco Norte, que poderá, segundo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), reduzir em mais de 30% o custo do frete da produção do Mato Grosso enviada ao exterior, o que poderia dar um adicional de renda de 10% para o produtor de soja e de 20% para o de milho. Da porteira da fazenda até o porto, o custo do transporte da produção brasileira é mais de quatro vezes superior ao dos Estados Unidos, o que torna os nossos grãos mais caros na chegada à China, apesar do menor custo de produção, diz a CNA.

AS OBRAS NA REGIÃO: Projetos logísticos no Norte do país

FERROVIA NORTE-SUL
Os trechos entre Açailândia e Barcarena e entre Estrela d’Oeste e Goiânia ainda não foram licitados
FERROVIA PARAENSE
Projeto de R$ 17 bilhões do governo do Pará, e o primeiro trecho deve ir à leilão ainda este ano. São 1.350 quilômetros que cortam o estado, ligando o Mato Grosso até os portos paraenses
FERROGRÃO
Com previsão de investimentos de R$ 9,9 bilhões, a ferrovia liga Lucas do Rio Verde (MT) e Miritituba (PA) e vai correr em paralelo à BR-163. O leilão deve ser este ano
RODOVIAS
BR-163: o trecho entre Sinop (MT) e Miritituba (PA): com valor estimado de R$ 6,6 bilhões, a concessão desse trecho da rodovia já teve audiências públicas. Produtores de soja reclamam do teto previsto para as tarifas de pedágio. De Miritituba e Santarém, a conexão para o litoral pode ser feita por hidrovias
HIDROVIAS
Enquanto a ferrovia Norte-Sul não chega a Barcarena, a hidrovia do Tocantins pode ser uma alternativa para ter acesso aos portos da Região Norte. O edital de derrocamento (retirada de rochas do fundo do leito) do Pedral do Lourenço foi lançado em fevereiro
A lógica econômica da abertura do Arco Norte está no fato de os portos da região serem mais próximos de EUA, Europa e Ásia. A distância em navio entre o Porto de Itaqui (MA), por exemplo, e o Japão, via canal do Panamá, é 23% menor do que o percurso entre o Porto de Santos (SP), de onde saem 85% da produção agrícola do país, e Tóquio. Isso significa menos custo de combustível e menos tempo de viagem.
CHINESES E EUROPEUS INTERESSADOS
Os projetos atraem, obviamente, investidores chineses, que já estão estudando a ferrovia que liga o Mato Grosso ao Pacífico, por exemplo, e querem assegurar uma oferta de bens agropecuários a preços acessíveis de maneira permanente. Mas a onda de projetos também atrai outros estrangeiros, como os europeus. Mais tímidas nesse movimento estão as empreiteiras brasileiras envolvidas na Operação Lava-Jato, mas há um conjunto de grupos menores negociando com estrangeiros.
No dia 31 haverá um leilão de áreas de portos no Pará pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). No último leilão, uma área no estado não teve interessados. Mas, desta vez, o governo promoveu adequações e prevê uma concorrência acirrada. Entre os terminais que serão leiloados, estão áreas para transporte de granéis sólidos vegetais vindos do interior do país.
— Só o terminal de Outeiro (PA) tem potencial para movimentar quase tudo o que já passa por Paranaguá (PR) hoje — disse o consultor de logística da CNA, Luiz Antonio Fayet.
Essa saída pelo Norte, porém, depende de um arranjo logístico multimodal que o governo e os empresários brasileiros tentam destravar há anos. Os projetos, basicamente, procuram conectar por rodovias, trilhos ou hidrovias a produção do Centro-Oeste aos portos do Norte.
O lançamento, em fevereiro, do edital para derrocamento (retirada de rochas do fundo do leito) do Pedral do Lourenço no Rio Tocantins, para que ele seja navegável durante todo o ano, era esperado há mais de uma década pelo porto do Pará, explicou o ministro dos Portos, Hélder Barbalho. A hidrovia, quando perene, tende a ser mais barata e menos poluente do que outros modais.
— Enquanto a (ferrovia) Norte-Sul não chega a Barcarena (PA), essa pode ser a alternativa de ligação entre o ponto atual da ferrovia e Marabá, onde estão os portos — disse Barbalho.
RODOVIA, HIDROVIA E FERROVIA
Segundo Valter Casimiro Silveira, diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit), a abertura da hidrovia do Tocantins, que é licitada pelo órgão, representará uma redução significativa dos fretes do agronegócio daqui a cinco anos, quando a obra deve ficar pronta. O custo é estimado em R$ 560 milhões. A licitação já apontou um vencedor para elaboração de projetos, a DTA Engenharia, e a fase atual é de análise dos documentos da empresa.
— Você diminui o custo do frete e aumenta a competitividade dos nossos fornecedores no mercado internacional — disse Casimiro.
Além da obra que deve perenizar a hidrovia, que hoje só funciona poucos meses do ano, o governo levou a audiências públicas, em fevereiro, a concessão do trecho da BR-163 entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), de onde os grãos podem partir em hidrovia até o exterior. O valor estimado da concessão é de R$ 6,6 bilhões. Também foi anunciado para 2016 o leilão da ferrovia entre Lucas do Rio Verde (MT) e Miritituba, com previsão de investimentos de R$ 9,9 bilhões, a chamada Ferrogrão, que deve correr paralelamente à rodovia.
Os produtores brasileiros veem com animação a saída Norte, mas apontam cuidados a serem tomados na construção e concessão. Edeon Vaz Ferreira, consultor de logística da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja) criticou na audiência pública do leilão da BR-163 o teto das tarifas de pedágio, que fariam o trecho de Sinop a Miritituba custar até R$ 880 por caminhão. A associação criticou também a redução do ritmo das obras de pavimentação da BR-163, enquanto o leilão não ocorre.
Os movimentos pelos modais de transporte no interior do país também vêm estimulando a instalação e a contratação de terminais nos portos nos estados do Amazonas (Itacoatiara), da Bahia (Salvador e Ilhéus), do Maranhão (Itaqui) e do Pará (Santarém e Vila do Conde). A CNA prevê que o fluxo por esses portos quase triplique até 2025.
Segundo Barbalho, essas iniciativas na abertura do Arco Norte representam um avanço logístico no país no sentido da intermodalidade, o uso conjunto e concorrência dos diversos tipos de modais, aumentando a atratividade dos terminais portuários da região Norte. Ferreira, da Aprosoja, destaca, porém, que leva pelo menos cinco anos para os terminais saírem do papel:
— O projeto (de porto) que for licitado agora só começará a operar em 2021.
MAIS DA METADE DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA
A redução do valor do frete na abertura da saída Norte do país está ligada também ao local onde tem se concentrado — e deve avançar — a maior parte da produção agropecuária do país. Segundo estudo de Fayet, é acima do paralelo geográfico 16° Sul de onde sai mais da metade da produção nacional, mas o consumo interno naquela região é de um quinto do verificado na área brasileira mais ao sul. Além disso, um estudo técnico que circulou no governo no ano passado apontou que essa área do Centro-Oeste tem uma produção agrícola menos vulnerável a variações climáticas mais severas.
A articulação dos empreendimentos para abertura do Arco Norte foi acompanhado diretamente pela presidente Dilma Rousseff, que vê nessas ações um potencial legado logístico. Com os soluços do Programa de Investimentos em Logística (PIL), que ainda não conseguiu leiloar uma ferrovia, por exemplo, o governo vem, cada vez mais, concentrando esforços nos principais eixos de transportes, dos quais o Arco Norte é o de investimentos mais vultuosos.

*Fonte: O Globo

Hidrelétricas causarão extinções, diz estudo

Por: Claudio Angelo*

Surto de construção de usinas planejadas na Amazônia vai eliminar habitats de espécies que não existem em nenhum outro lugar do planeta, alertam pesquisadores de EUA, Brasil e Reino Unido
O cascudo-zebra (Hypancistrus zebra) não é empreiteiro nem político, não está denunciado na Lava Jato e não levou um centavo de propina pela usina de Belo Monte. No entanto, recebeu a pena mais dura de todas pela construção da superfaturada hidrelétrica no Pará: a morte. Quando o reservatório encher, secando a Volta Grande do Xingu, os pedrais onde esse pequeno peixe ornamental vive ficarão rasos e quentes demais para ele. Como só ocorre naquela região, o cascudo-zebra poderá ser extinto na natureza.
O mesmo destino aguarda diversas outras espécies que habitam ambientes únicos de rios amazônicos que cederão lugar a hidrelétricas. É o que sugere um estudo publicado no periódico Biodiversity and Conservation por um grupo de pesquisadores dos EUA, do Brasil e do Reino Unido.
Cascudo-zebra coletado para venda a aquários na Volta Grande do Xingu; na capa: espécie ainda não descrita de cascudo endêmica da Volta Grande (Fotos: Leandro Sousa/UFPA)
Segundo o trabalho, que fez uma síntese da literatura científica disponível sobre hidrelétricas e extinções na Amazônia, as 437 usinas construídas, em implantação ou em projeto nos nove países amazônicos (90% delas no Brasil) acabarão com habitats raros dos rios da região, como corredeiras e pedrais. Nesses locais existe alta taxa de endemismo, ou seja, de espécies que não existem em nenhum outro lugar do planeta. Como corredeiras e pedrais também são os lugares que marcam desníveis dos rios amazônicos, é nessas áreas que os planejadores do setor hidrelétrico escolhem fazer barragens, que na maior parte dos casos afogam esses habitats (Belo Monte é uma exceção, pois provocará o efeito oposto).
Isso causa a extinção de peixes e plantas aquáticas que dependem do pulso sazonal dos rios. E leva junto toda a fauna terrestre associada, como morcegos, aves, roedores e anfíbios.
“Estamos, enquanto brasileiros, decretando o óbito de 3% a 5% da biota amazônica”, disse ao OC o ecólogo paraense Carlos Peres, professor da Universidade de East Anglia, no Reino Unido. Ele é coautor do estudo, liderado por seu ex-aluno Alex Lees, hoje na Universidade Cornell, nos EUA. Peres diz que o setor elétrico já mapeou todos os rios com potencial hidrelétrico na Amazônia – que é onde está quase todo o potencial hidrelétrico remanescente no Brasil. “Todos eles são suscetíveis à expansão das usinas”, afirma.
Segundo os pesquisadores, as ameaças das hidrelétricas à biodiversidade não se dão apenas pelo desmatamento induzido, mas também – e principalmente – por mudanças nos ambientes aquáticos. As barragens causam problemas aos peixes migratórios ao desconectar trechos de rios, e a espécies adaptadas ao ambiente de corredeira, como os cascudos, ao reduzir a velocidade da água, criando o que os cientistas chamam de ambientes “lênticos”, ou de remanso. Nesses ambientes, a oxigenação da água é mais baixa, o que prejudica algumas espécies muito especializadas para viver ali e favorece espécies mais generalistas, como as invasoras.
As soluções de mitigação de impactos fornecidas pelos empreendedores não conseguem evitar a formação desses ambientes lênticos e frequentemente falham ao atacar a questão da desconexão. Na usina de Santo Antônio, no rio Madeira, por exemplo, ficou famosa a “crise do bagre” – a antecipada redução dos estoques comerciais de grandes peixes, que não conseguiriam transpor a barragem para se reproduzir rio acima. Os empreendedores gastaram milhões de reais construindo um canal lateral em forma de escada que simulava o ambiente pedregoso do fundo do rio, só para descobrir que os peixes não a utilizavam – seu instinto era seguir o curso principal do Madeira.
No caso de Belo Monte, as principais vítimas são os peixes que evoluíram em micro-habitats, que são achados em alguns pedrais e não em outros dentro da mesma Volta Grande. “Você tem graus incríveis de microendemismo”, diz Lees. O cascudo-zebra, por exemplo, só foi descoberto em 1991 e já está criticamente ameaçado de extinção. Um dos coautores do novo estudo, Jansen Zuanon, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) está neste momento descrevendo uma nova espécie de cascudo ornamental que aparentemente só habita as zonas mais profundas da Volta Grande. As duas espécies podem ser muito impactadas ou extintas com a redução da vazão do rio naquela área.
Em alguns casos, capítulos inteiros da história da vida na Terra podem estar em risco. É o caso das alfaces d’água (Podostemaceae), plantas que dependem dos ciclos de cheia e seca dos rios encachoeirados da Amazônia. Essas plantas formam uma “radiação adaptativa”, ou seja, várias espécies surgiram muito rapidamente a partir de um mesmo ancestral. Todas as espécies endêmicas de Podostemaceae estão ameaçadas nos sítios de hidrelétricas.
Os próprios estudos de impacto das usinas têm revelado espécies novas, como um sapo que acena em vez de cantar – porque ninguém conseguiria ouvir o canto em meio ao som das corredeiras. Os cientistas temem que algumas plantas e animais sejam perdidas antes de serem descritas.
“O que nós vemos no noticiário são preocupações com espécies carismáticas de fauna de grande porte e com seres humanos. Mas as grandes perdas são de peixes e grandes invertebrados”, afirma Lees, um britânico que trabalhou durante seis anos no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, antes de se mudar para os EUA. “Me incomoda que não haja muitos estudos focando em extinções.”
Lees, Peres e colegas apontam o paradoxo de que várias das espécies ameaçadas pelas usinas são protegidas por lei contra caça e comercialização, por estarem na lista vermelha do Ibama – mas há mecanismos legais para permitir sua extirpação completa por projetos de hidrelétricas, sob os rótulos de “interesse social” e “utilidade pública”.
“Nos EUA, a Lei de Espécies Ameaçadas veda qualquer projeto, por mais estratégico que seja, se há uma espécie ameaçada no caminho”, diz Carlos Peres. “No Brasil nós estamos presidindo o processo de extinção de várias espécies.”
“Energia limpa”
As hidrelétricas geram a maior parte da eletricidade do país hoje, e sua expansão é defendida pelo governo como única opção para gerar energia “limpa” e “firme” – embora dúvidas venham sendo levantadas sobre as premissas que baseiam a expansão das barragens. A INDC, o plano climático do Brasil para 2025 e 2030, prevê que 66% da matriz seja hidrelétrica, o que incluiria a construção das polêmicas usinas do complexo Tapajós, no Pará.
Peres e colegas defendem um freio de arrumação a essa expansão, sob pena de os cenários aventados pelo estudo se concretizarem. Segundo eles, todo o processo de licenciamento de usinas deveria ser revisto, incorporando a avaliação ambiental estratégica de toda a bacia – algo que o governo promete desde 2006, mas que nunca aconteceu de verdade no licenciamento de usinas, que começa depois que a decisão de construir já foi tomada. “O licenciamento é um processo sem dentes, para inglês ver”, diz Peres.
Relatórios de impacto ambiental precisam ser melhorados, e “em muitos casos, esses projetos precisam ser cancelados”, afirma o pesquisador paraense. Para ele, a ameaça de extinção a uma espécie endêmica deveria ser razão para cancelar uma hidrelétrica. A demanda adicional de energia poderia ser suprida com novas renováveis e, para a Amazônia, com pequenas centrais hidrelétricas. “Como maior país tropical do mundo e liderança em biodiversidade, o Brasil deveria se comportar de outra forma.”
Procuradas pelo OC, a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), que planeja a expansão hidrelétrica, e a Norte Energia, proprietária da usina de Belo Monte, não se manifestaram até o fechamento deste texto.
*Fonte: Observatório do Clima

Leia ainda: Belo Monte vira realidade, mas caos na cidade da usina está longe do fim (Folha, 20 de março de 2016)

sexta-feira, 18 de março de 2016

MPF/PA pede suspensão do selo FSC, concedido pelo Imaflora às madeireiras Ebata e Golf

Empresas violaram direitos de comunidades em concessões florestais na região do Trombetas e mesmo assim conseguiram a certificação
O Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) ajuizou ação civil pública contra o Instituto Manejo e Certificação Florestal Agrícola (Imaflora) e as madeireiras Ebata e Golf, acusadas de não cumprir as regras do selo FSC (Forest Stewardship Council) na Floresta Nacional de Saracá-Taquera, no rio Trombetas, oeste do Pará. O MPF acusa a instituição certificadora e as duas empresas de propaganda enganosa e práticas abusivas e pede a suspensão da certificação e o pagamento de danos morais às comunidades afetadas.

As madeireiras venceram licitação para explorar florestas em uma região da Calha Norte paraense com forte presença de populações tradicionais. A área é ocupada há gerações pelas comunidades ribeirinhas Acari, Boas Novas, Samaúma II e Bom Jesus, na margem direita do Trombetas.

Uma vez instaladas, em 2011, as empresas passaram a criar sérios problemas de sobrevivência e conflitos com os moradores. Os fatos foram denunciados ao MPF e ao Imaflora, que chegou a suspender o selo FSC de ambas em fevereiro de 2015. Mas, sem resolução de nenhum dos conflitos, o selo foi devolvido cinco meses depois, para revolta dos comunitários e surpresa do MPF. Agora, a questão será discutida na Justiça Federal de Santarém.

“Ao conceder o selo FSC, o Imaflora induz o consumidor a erro fazendo - o crer que todos os princípios legais e éticos de respeito sociocultural estão sendo observados. Mas, conforme largamente demonstrado, há descumprimento deliberado de tais preceitos”, diz a ação assinada pela procuradora da República Fabiana Schneider. “Certificada e certificadora, no caso em análise, estão inteiramente conscientes das mazelas sociais causadas às comunidades ribeirinhas de Saracá-Taquera, e ainda assim sentem-se confortáveis em certificar uma ilusória situação de normalidade”, prossegue.

Para o MPF, a situação claramente viola princípios da certificação florestal do FSC, que determinam “obediência a todas as leis aplicáveis ao país onde opera, os tratados internacionais e os acordos assinados por este país” e também que “comunidades locais com direitos legais ou tradicionais de posse ou uso da terra devem manter controle sobre as operações florestais, na extensão necessária para proteger seus direitos e recursos”.

Todos os problemas causados pela Ebata e pela Golf estão documentados nas auditorias do próprio Imaflora desde 2013. A lista é longa. A pedido do MPF, a pesquisadora Ítala Nepomuceno preparou um Relatório Circunstanciado que mostra os prejuízos econômicos, sociais e culturais da presença das madeireiras.

A pesquisadora registrou prejuízos à segurança alimentar dos moradores, com o bloqueio de áreas de pesca pelas empresas, a violação de locais com valores míticos e até dificuldades de transporte geradas pelo constante movimento de grandes balsas de madeira no canal que liga o lago do Acari e o rio Trombetas, a chamada boca do Acari.

“Insistentemente, a comunidade tem denunciado que a boca do Acari tem sido assoreada pelo trânsito das balsas da empresa, dificultando a navegação por este canal com embarcações de maior calado ou mesmo obstruindo a passagem. Ocorre que, em virtude de sua dimensão, as balsas chocam-se às bordas do canal, causando danos à vegetação, lançando toras e galhos à água e removendo solo”, diz o relatório. Com isso, a locomoção dos ribeirinhos, em barcos muito menores, ficou prejudicada.

Outro problema que o MPF considera grave mas ao qual o Imaflora não deu atenção foi a construção de uma estrada pelas madeireiras, com aterramento de um igarapé que não só era ponto de pesca importante das famílias como um local de importância mítica para as comunidades. O bloqueio do furo do Ajará com a estrada impede a passagem dos ribeirinhos e provocou mortandade de peixes nas águas represadas.

“A revolta da comunidade se justifica a medida que o peixe é recurso vital para a subsistência daquelas famílias. Além do impedimento físico por conta do aterro, os ribeirinhos são ainda constrangidos com placas de proibição de pesca, nas proximidades do porto da empresa, em locais onde pescaram por gerações”, diz o relatório de Ítala Nepomuceno.

O furo do Ajará figura como local habitado por entidades míticas nas várias narrativas do grupo sobre seu mundo. Ante a revolta da comunidade com o aterro do Ajará, o Imaflora registrou em uma auditoria: “este fato gerou um desconforto e uma reclamação formalmente encaminhada à certificadora em 2014”. Mas em vez de exigir a retirada da estrada e a liberação do furo, como pediam as comunidades, o Imaflora considerou que, por ter Licença de Operação da Secretaria de Meio Ambiente, a Ebata e a Golf tinham razão em aterrar o curso d'água.

“Ao tratar as crenças de um grupo como meros desconfortos, subdimensiona os dramas que afligem aquele povo. Sem se importar com as mazelas alheias, a certificadora Imaflora demonstra não possuir a menor qualificação técnica para informar corretamente o consumidor por meio de um selo FSC”, diz a ação do MPF.

Irregularidade Fundiária
Não bastassem os conflitos entre a atividade madeireira e as atividades tradicionais das comunidades, as empresas se instalaram em um imóvel sobre o qual recaem suspeitas de irregularidade fundiária e que está sobreposto a um Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O assentamento Sapucuá-Trombetas tem mais de 1400 assentados. De acordo com o Incra, o título das terras arrendadas pela Ebata e pela Golf têm inúmeras irregularidades. Análise da Procuradoria Federal Especializada do Incra emitiu inclusive recomendação para o seu cancelamento. Tudo foi informado ao Imaflora, que desconsiderou o parecer do Incra e manteve a certificação sem exigir resolução.

“Para além da mera letargia, o que se visualiza é a vontade dirigida à contemporização de um grave problema de esbulho territorial, encoberto pelo manto protetor da certificação FSC, pois aos olhos dos consumidores do produto certificado, não pende qualquer conflito desta natureza”, diz a ação do MPF.

O Selo FSC
A certificação FSC oi criada no início da década de 90, para certificar práticas florestais responsáveis e para prover uma variedade de serviços de auditoria, sendo o Imaflora uma das certificadoras habilitadas a conceder este selo. Para que uma empresa que pratique manejo florestal na Amazônia conquiste o selo e goze das vantagens atreladas a ele, precisa atender aos padrões de certificação do FSC para manejo florestal em terra firme na Amazônia brasileira, aprovado pelo conselho de diretores do FSC internacional.

Este documento consagra os princípios e critérios a serem aferidos pela instituição certificadora credenciada – como o Imaflora – durante o processo de concessão do selo FSC. Assim, a empresa certificada ganha um selo de adequação a este código de conduta estabelecido, passando a ostentar o status de empresa socioambientalmente correta.

Processo nº 778-74.2016.4.01.3902
Íntegra da ação

Fonte: Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação

Amazônia: Desmatamento em assentamentos: 3% desmataram 50% do total em 2014


Faz alguns anos que os assentamentos estão em evidência pela crescente contribuição no desmatamento ilegal da Amazônia. O que não se sabia é que uma parcela muito pequena deles está concentrando a maior parte da degradação: somente 58 assentamentos (2,6%), dos 2.217 mapeados no bioma, foram responsáveis por 50% do desmatamento em 2014 dentro da categoria fundiária. Os números são do livro realizado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) disponível para download aqui.

Os dados podem indicar “um possível processo de reconcentração ou acúmulo de lotes por agentes externos aos assentamentos da região (médios fazendeiros e/ou pecuaristas não registrados na lista do registro de beneficiários do Incra)”, afirma o documento.

Se reunir os dados de desmatamento em assentamentos somente 28% é localizando dentro de áreas menores que 10 hectares. O restante (72%) é composto por polígonos maiores que 10 ha.

Em 2014, os assentamentos foram responsáveis por 30% do desmatamento da Amazônia. Esse percentual representa uma diminuição de 13% na área desmatada dentro dessa categoria em relação ao ano anterior. As principais atividades nessas áreas são a pecuária extensiva e a extração madeireira ilegal, seguidas pela prática de agricultura de corte e queima.

Solução depende da reestruturação do Incra
Um dos caminhos apontados passa pela reestruturação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Conforme aponta o documento seria preciso “capacidade de fixação de novos servidores na Amazônia, a modernização e integração dos sistemas de gestão de informação, a agilidade na execução orçamentária para reduzir o passivo dos investimentos de Ater (Assistência Técnica e Extensão Rural) e crédito, e a revisão das normativas legais que facilitem o processo de consolidação e emancipação dos assentamentos.”

Outra constatação do estudo é que assentamentos diferenciados e aqueles relacionados ao reconhecimento de populações tradicionais tendem a desmatar menos. Investir em projetos de assentamento florestal, extrativistas e de desenvolvimento sustentável pode ser um caminho também, além de fortalecer as populações que vivem neles com infraestrutura e apoio.



Fonte: Amazonia.org

Delcídio revela superfaturamento em fazendas da reforma agrária em MS

As Fazendas Itamarati e São Gabriel, desapropriadas em Mato Grosso do Sul para a reforma agrária, foram superfaturadas. É o que denunciou o senador Delcídio do Amaral na delação premiada homologada nesta terça-feira, 15 de março, pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

O senador explicou que a fazenda São Gabriel, na região de Corumbá, foi vendida ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) por quase o dobro do valor de mercado, R$ 4,5 mil o hectare quando o valor real por hectare seria de R$ 2,5 mil. “Essa aquisição gerou vários processos pelo verdadeiro absurdo praticado”, consta no documento. Delcídio explicou que tem conhecimento sobre o assunto, pois sua família possui propriedade vizinha da fazenda São Gabriel.

Delcídio do Amaral também cita a desapropriação da Fazenda Itamarati, como uma "incursão ilícita relevante”, com valor de venda superfaturado. “A venda da Fazenda Itamarati, ainda no primeiro governo Lula, com discurso ufanista de 'maior projeto de assentamento do país', teve direito até a passeio de trator do ex-presidente. A venda da propriedade rural foi um dos maiores negócios fundiários do Brasil, no valor de R$ 245 milhões”, consta na delação.

Lava Jato
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Teori Zavascki, homologou nesta terça-feira (15) a delação premiada do senador Delcídio do Amaral, contendo diversas denúncias de corrupção e desvio de recursos públicos.

A homologação é a confirmação pela Justiça dos termos do acordo entre Delcídio e a Procuradoria-Geral da República. A partir de agora, as informações dos depoimentos do senador passam a poder ser usadas nas investigações.

A delação foi costurada com a Procuradoria após o senador ter sido preso em novembro sob suspeita de tentar interferir na Lava Jato.

Fonte: TPNews, Campo Grande. 15 de março de 2016.

Corte na carne negra: Política de titulação de territórios quilombolas tem encolhimento orçamentário de 80% em 2016


Por Fernando G. V. Prioste, assessor jurídico da Terra de Direitos*

A destinação de verbas federais para a titulação de territórios quilombolas em 2016 sofreu corte de 80%, se comparada com a destinação de 2015. Assim, passados 484 anos do início da escravidão negra no Brasil, outros 128 anos da sua abolição formal e inconclusa e, ainda, outros 28 anos da promulgação da Constituição Federal que finalmente reconheceu às comunidades quilombolas direitos às suas terras tradicionais, para o ano de 2016 estão destinados para titulação de territórios quilombolas apenas 5 milhões de reais, em contraposição aos 25 milhões destinados ano passado. Mais uma vez é a população negra que sofre no momento de arrocho econômico do Estado: o corte orçamentário mais profundo é na carne negra.

A destinação orçamentária para a política quilombola nunca esteve à altura das necessidades da política federal, ainda que em alguns momentos históricos tenha apresentado pequenos avanços. O quadro abaixo apresenta a evolução da destinação orçamentária da política de titulação de territórios quilombolas desde sua criação.

Fonte: Lei Orçamentária Anual
Como se vê, a destinação orçamentária iniciou com 5 milhões em 2009, pouco recurso frente à demanda nacional. Cresceu até chegar ao patamar de 51 milhões em 2012, quando então iniciou uma queda vertiginosa até este ano de 2016, com um orçamento de 5 milhões de reais. Qual a justificativa política para esse rebaixamento inaceitável da destinação de recursos para desapropriação de áreas quilombolas?

Realizando uma avaliação da eficiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) quanto ao trabalho realizado, isto tendo em referência o recurso a este órgão destinado para a titulação dos territórios quilombolas de 2009 a 2015, observa-se que, conforme o quadro abaixo, apenas nos anos de 2012 e 2015 a execução orçamentária esteve aquém do quanto disponível para desapropriações, quando foram executados, respectivamente, 92% e 57% da verba disponível.
Fonte: Lei Orçamentária Anual
Logo, a diminuição do valor disponível para desapropriação de terras em favor das comunidades quilombolas não tem como fundamento a baixa execução orçamentária do INCRA. Isto, apesar do crescente sucateamento da autarquia agrária, que conta a cada ano com menos servidores, com menores recursos para atividades meio e pouco apoio político do alto escalão do Governo Federal. Os motivos da não priorização da ação quilombola são políticos e estruturais, e seus reflexos são sentido diretamente pelos quilombolas que têm seus direitos violados.

Assim, apesar de desde 1988 a Constituição Federal garantir às comunidades quilombolas o direito fundamental de acesso aos seus territórios tradicionais, o INCRA titulou por completo apenas 30 comunidades, sendo que outras 23 foram parcialmente tituladas, não abrangendo a totalidade das áreas das comunidades. Abaixo segue um quadro que evidencia o ritmo das titulações de territórios quilombolas ao longo do tempo, analisando-se o desenvolvimento a partir das principais fases dos processos de titulação.

Fonte: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
Pelo quadro se observa que houve algum crescimento da política de titulação até o ano de 2009, havendo uma acentuada queda a partir de 2010, com uma pequena recuperação em 2014 e nova aceleração em 2015, principalmente quanto aos RTIDs. Se o atual ritmo de titulações permanecesse estável, e fossemos levar em conta que as titulações dos territórios quilombolas iniciaram apenas no ano de 2004, logo após à edição do Decreto Federal 4887/03, tendo ainda como referência que hoje oficialmente existem 2.648 comunidades quilombolas reconhecidas pelo Estado, seriam necessários mais de 970 anos para que o Estado brasileiro cumprisse com a determinação constitucional de titular todos os territórios quilombolas. A simples evidência de que o Estado brasileiro poderia levar quase mil anos para titular todos os territórios quilombola no Brasil é gravíssima prova do profundo racismo institucional que persiste em nossa sociedade.


Relevante destacar que atualmente existem 36 territórios quilombolas em fase final de avaliação para desapropriação pelo INCRA, situação que levaria a desapropriar cerca de 800 imóveis em favor de comunidades quilombolas. A estimativa do INCRA para o pagamento das indenizações dessas desapropriações é de R$ 425 milhões. Assim, com um orçamento de apenas 5 milhões de reais, que corresponde a apenas 1,17% da demanda já existente para desapropriações, são os quilombolas que pagarão, muitos com a vida, pela falta de priorização política do Governo Federal.

Essa dinâmica de desaceleração da já insuficiente ação do Estado para titular os territórios das comunidades quilombolas impõe o estabelecimento de um Plano Nacional de Titulação dos Territórios Quilombolas. Isto, pois atualmente o Estado não tem metas claras para a titulação de territórios, muito menos um plano estratégico para que se monitore a execução da política. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LXXVIII, reconheceu a duração razoável do processo como direito fundamental. Sabendo que a política pública de titulação dos territórios quilombolas se dá através de processos administrativos, é possível afirmar que o Estado brasileiro viola frontalmente a Constituição também nesse quesito. A adoção de um plano estratégico nacional para as titulações dos territórios com metas, indicadores e prazos de execução é juridicamente impositiva, politicamente necessária e moralmente indispensável.

Ademais, à restrição orçamentária que praticamente inviabiliza o trabalho do INCRA neste ano de 2016, somam-se outras ameaças aos direitos das comunidades quilombolas. Neste ano de 2016 a PEC 215 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239 serão, novamente, foco de atenção e mobilização das organizações quilombolas, pois podem desconstituir, ou mesmo restringir, a base jurídica que sustenta a titulação dos territórios das comunidades quilombolas. Assim, a falta de priorização política do Governo Federal, somada à grande ofensiva ruralista no Judiciário e no Legislativo, compõe o cenário desalentador para a política de titulação de territórios quilombolas neste ano de 2016.


Logo, a dura restrição orçamentária da política pública de titulação dos territórios quilombolas não é fruto do acaso. No momento de arrocho financeiro do Estado os cortes são mais profundos onde não há prioridade política. Esse é o principal fundamento que relegou a política de titulação de territórios à total inoperância neste ano de 2016, dado seu orçamento pífio. O projeto político de país do Governo Federal não tem como prioridade resolver o histórico problema de excessiva concentração fundiária no Brasil, muito menos viabilizar condições reais para a reprodução física, social, econômica e cultural das comunidades quilombolas. Assim, apesar da existência de diversas políticas e programas federais para a população negra, a falta de recursos impede o avanço real na efetivação de direitos para a construção da dignidade social do povo negro.

A prioridade do Governo Federal é alavancar um processo neoextrativista baseado na exportação de commodities agrícolas e minerais que supostamente equilibram a balança comercial brasileira. Nesse contexto ainda estão mega projetos hidrelétricos, ferroviários, hidroviários e portuários, entre outros, que se destinam a viabilizar a expansão de uma cultura econômica reprimarizada e subalternizada na geopolítica mundial. Na escala social e econômica mundial cabe ao Brasil o papel de fornecedor de matéria prima barata para os países desenvolvidos, sendo que os capitais nacional e internacional são os principais responsáveis por empurrar o Estado brasileiro para essa degradante posição na estrutura produtiva mundial.

O setor agropecuário ligado ao grande capital já tem disponível neste momento R$ 10 bilhões em financiamento de pré-custeio para a safra 2016/2017. Ou seja, o Governo Federal antecipou 10 bilhões de reais para financiamento da produção de commodities agrícolas do plano safra que só deve ser anunciado em julho deste ano. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a antecipação desse recurso tem o objetivo de estabilizar a economia e recuperar o crescimento e o emprego”.

Ou seja, a política quilombola de acesso à terra não é vista, nem de longe, como ação social e política de combate às desigualdades sociais estruturais. Ao mesmo tempo, no final do ano de 2015, no auge da austeridade fiscal seletiva do Governo Federal, foram disponibilizados R$ 1,5 bilhão apenas financiar o plantio de 400 mil hectares de cana-de-açúcar. Ainda hoje, a mesma indústria açucareira que utilizou por quase quatro séculos a mão de obra escrava de negros e negras tem financiamento e apoio político absolutamente desproporcional quando comparada com as demandas quilombolas. A escravidão ainda não acabou.

Para Isabela da Cruz, jovem liderança da comunidade quilombola Paiol de Telha, “o corte no orçamento do INCRA vai afetar diretamente o andamento dos processos de titulação que já estão em fase final de desapropriação. Com isso, apesar da luta quilombola e do fortalecimento do movimento social, a presente geração do povo quilombola pode não viver para ver o resultado”. No ano de 2015 faleceu a liderança quilombola Domingos Gonçalvez dos Santos, aos 86 anos. Após lutar por mais de quarenta anos pela titulação de seu território e ver, em outubro de 2014, o INCRA assinar a portaria de reconhecimento das terras da comunidade Paiol de Telha, não viveu para ver a titulação do território, que até hoje não se efetivou.

Esse não é o primeiro grande desafio que os povos e comunidades quilombolas enfrentam, pois são mais de quinhentos anos de lutas, vitórias e derrotas contra o colonialismo racista que oprime o povo negro nas Américas. Os capitais nacionais e internacionais turbinam e determinam a priorização política estatal relativa às atividades neoextrativistas, como se este fosse um suposto modelo de desenvolvimento para a nação. Nesse contexto, o achatamento do orçamento quilombola é sintoma de uma política que deve ter como foco de luta popular a superação do atual modelo macroeconômico capitalista, que subordina os interesses do povo e do Estado brasileiro aos interesses do capital. Que Xangô nos guie nessa luta!

Fonte: Terra de Direitos, 22 de fevereiro de 2016.

*Leia ainda:Cortes orçamentários comprometem a titulação de terras quilombolas (Comissão Pró-Indio de São Paulo)