segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Pistoleiros e execuções voltam a assombrar Anapu, onde foi assassinada Dorothy Stang


Em quatro meses, sete pessoas foram executadas nas ruas da cidadezinha. Crimes podem estar ligados à disputa por um lote de terras públicas onde atuam grileiros

Dez anos depois do assassinato da irmã Dorothy Stang, a pequena cidade de Anapu, às margens da rodovia Transamazônica no Pará, volta a ser assombrada por assassinatos e atuação de pistoleiros. Entre julho e outubro de 2015, sete pessoas foram executadas por assassinos com carapuças ou capacetes de viseiras escuras. Todas as mortes ocorreram na área urbana de Anapu mas, para a Comissão Pastoral da Terra, a estratégia de matar na cidade é uma tentativa de disfarçar a motivação agrária dos crimes: o lote 83, uma área de terras públicas disputada por posseiros e grileiros.

A CPT enviou carta ao Ministério Público Federal em que relaciona os crimes à Regivaldo Pereira Galvão, conhecido na região como Taradão, assassino condenado a 30 anos de prisão pela morte de irmã Dorothy que nunca chegou a cumprir pena, porque recebeu do Supremo Tribunal Federal o direito de recorrer em liberdade. De acordo com a CPT, o lote 83 é terra pública, mas ficou conhecido na região como Fazenda do Taradão.

A CPT informou ao MPF a existência de um grupo de homens armados trafegando pelas vicinais da região em caminhonetes com armas em punho e ameaçando pequenos agricultores e posseiros que vivem na região do Lote 83. As violências, para a CPT, estão relacionadas com a atuação de Regivaldo Galvão, que até hoje não cumpriu pena pelo assassinato de Dorothy Stang. “Em janeiro do ano passado sua sócia e esposa, Rosângela Galvão, intimidou vizinhos no local, dizendo que eram 'proprietários', 'com papéis desde 2001', que não tolerariam perder a terra, se 'na lei não funcionasse' tinham 'seu jeitinho' como 'naquele outro caso'”, diz a carta enviada pela CPT ao MPF.

O documento menciona, além dos sete posseiros já executados, a existência de uma lista com mais de 30 nomes de moradores que estariam marcados para morrer. “Inaceitável a falta de diligências, a conivência ou inação”, diz a carta da CPT, que acusa autoridades agrárias e policiais de ignorar e negligenciar a escalada de violência em Anapu.

As denúncias da CPT vão ser investigadas pelo MPF em um inquérito civil que correrá na Procuradoria da República em Altamira.

Veja trecho da carta da CPT

Sete execuções em Anapu de julho a outubro 2015

Cinco delas mostram claras ligações com grupo armado flagrado no lote 83 desde maio.

5 de julho. Edinaldo Alves Moreira, conhecido por Lourinho ou Lourim. Na área urbana de Anapu, local conhecido como “Prainha”, poucos minutos após chegar de visita ao lote 83. Um indivíduo chegou numa moto preta sem placa, sem tirar o capacete, acercou-se de Edinaldo e atirou. Pânico no local.

11 de agosto, Jesusmar Batista de Farias (conhecido como Suis ou Zuis). Nascido em Anapu de uma das primeiras famílias a instalar-se na localidade. Assassinado na própria oficina de motocicletas no Bairro Alto Bonito voltando de visita ao lote 83. Denunciou a amigos que estava recebendo “avisos” de morte por supostamente apoiar os agricultores nos conflitos do lote 83. Disse que se “algo acontecesse” seria responsabilidade “dos chefes dos pistoleiros do 83”. Disse estar sendo vigiado na oficina e apontou ligações com policiais civis. O assassino chegou em moto preta sem placas, desceu sem tirar o capacete e atirou em Jesusmar. A família inteira fugiu atemorizada no dia seguinte ao enterro.

21 de agosto, conhecido como Choca ou Choque. Agricultor, saiu do lote 83 dizendo que ia para Marabá porque a situação estava muita perigosa por pistoleiros. Informação não oficial de dentro da polícia civil de Anapu relatou que vítima foi encontrada morta em Marabá no dia seguinte a saída do lote 83.

22-23 de agosto. Cosmo Pereira de Castro, idoso, assassinado entre bar da vila do Surubim – Grotão e sua casa próxima. Várias testemunhas relatam Cosmo estavea conversando no bar sobre as ocupações - teria dito que sabia que o lote 83 eram terras federais e públicas diante de grupo de homens armados que acompanhavam alguém que se apresentava como “pai de Debs antonio Rosa, suposto dono do lote 83. Este personagem seguiu Cosmo saindo do referido bar. Cosmo foi encontrado morto a tiros. Nada tinha a ver com conflito no lote 83, viúvo vivia da agricultura em seu lote. A população já havia denunciado que o bar era frequentado à noite pelos pistoleiros acantonados na sede do lote 83, denominados pelos locais de escolta armada de Taradão. Para entender a denominação basta ver a foto do site da empresa Atalaia – segurança patrimonial rural. Ouvidoria Agrária recebeu a informação que Debs Antonio Rosa contratou tal empresa de Araguaína, que deslocou pessoal “operacional” para a região.

10 de outubro, Hércules Santos de Souza, de apenas 17 anos, filho de Vagno Alves de Souza e Francisca Resplandes dos Santos. Assassinado em uma praça no centro de Anapu saindo de uma festa. Quatro homens em duas motos, um deles atirou e matou o jovem no local e levaram a moto da vítima diante de testemunhas. Família dele vinha sendo ameaçada após denunciar pistoleiros a mando de “se-dizem-donos” do lote 46 da mesma gleba Bacajá. Registraram inclusive a pistolagem para Ouvidoria Agrária em Anapu.

27 de outubro, José Nunes da Cruz Silva (conhecido como Zé da Lapada). Nove horas da noite na rua Oscar Dantas, Bairro Alto Bonito, saindo de local de comida de rua com a esposa Socorro. Dois homens numa moto pop, se acercam e o da garupa atira acertando a perna e derrubando Zé. Em plena rua movimentada matadores dão volta e seguem atirando na cabeça da vítima, poupando Socorro.

Em agosto Zé da Lapada recebeu Debs Antonio Rosa em casa, a pedido do último, exigindo que “fosse sem a escolta armada”. Debs foi deixando uma caminhonete com capangas estacionada de modo visível. Debs ameaçou José Nunes e até a esposa no encontro, e disse “quem mais sofre (nestes casos) são as mulheres”. “Fique certa que nada acontece para sra.”. Depoimento registrado de José em setembro de 2015.

31 de outubro, Claudio Bezerra da Costa (conhecido como Ivanzinho). Dois homens chegaram numa moto na área trabalhada pela família conhecida como parte da fazenda de João Jorge. O casal estava afastado, filho jovem estava só. Um dos matadores encostou arma no menino dizendo que estava à “procura de serviço”. Ivan e a esposa se acercam e o mesmo indivíduo disse: “meu serviço chegou”. Começou a atirar contra Ivanzinho que atingido, correu. Sua esposa atracou-se com o outro matador, foi golpeada ficando inconsciente. O filho que tinha corrido para casa voltou para defender o pai com arma de caça, acertou um tiro no matador que atacava sua mãe. O outro matador matou Ivanzinhono local. Saíram na moto. Alguém telefonou ao hospital local anunciando chegada de um ferido a bala, que nunca se apresentou.


Fonte: Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação

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