Vista geral de Anapu
Agora, como antes, apresenta-se um quadro de conflitos entre perspectivas antagônicas de projetos sócio-territoriais.
A trama que cerca o conflito atual tem bases na invasão do PDS Anapu I, mas conhecido como Esperança, por grupos madeireiros no final do ano de 2009.
Desde o início do ano passado, denúncias davam conta disso. A resistência desencadeada localmente era apresentada nos meios de comunicação como um enfrentamento entre assentados e madeireiros, simplificando a complexidade de atores, situações e interesses.
Em agosto de 2010, assentados revoltados com o roubo de madeira no projeto incendiaram um trato e um caminhão de uma madeireira no interior do PDS.
Importante ressaltar que neste momento o Incra em Santarém e o Ministério Público Federal solicitaram a presença da Força Nacional de Segurança e órgãos ambientais no município, mas os pedidos não foram atendidos. Provavelmente, o quadro eleitoral foi o motivo para isso, já que a então governadora Ana Júlia Carepa (PT) contava com amplo apoio do setor madeireiro do município e a presença de forças policias e de fiscalização ambiental poderiam repercutir negativamente na sua tentativa de reeleição.
Outros fatos devem ser situados para entender o conflito atual. O primeiro deles é a tomada da associação do assentamento por um grupo ligado ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu (STR), entidade ligada à Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Pará e parte da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Este processo é desencadeado quando se inicia o debate no assentamento para capacitação das famílias para manejo florestal comunitário, sem a presença de madeireiras comerciais.
O segundo fato é a entrada de aproximadamente vinte famílias em área do chamado Lote 55 (3.000 hectares), na reserva legal do imóvel onde fora assassinada a irmã Dorothy. O grupo teria sido orientado por madeireiras, interessada na parte do lote que ainda possui uma reserva florestal, já que a outra parte da área fora desmatada quando era controlada por Vitalmiro Bastos (o Bida) e Regivaldo Galvão(o Taradão), mandantes do crime contra Dorothy.
A revisão ocupacional promovida pelo Incra nos lotes no PDS deveria ser uma rotina administrativa para coibir ocupações irregulares nos assentamentos. No PDS Esperança, a revisão ocupacional teve início em maio de 2010 e é também uma tentativa de coibir a extração, compra e venda de madeira, amplamente denunciado. Mas, nem mesmo a presença do Incra no assentamento foi capaz de impedir a extração de madeira. Técnicos que atuaram no assentamento descrevem que nos dias que nos dias que estiveram no local, tratores abriam ramais e extraiam toras de madeira em plena madrugada, ao lado do acampamento dos servidores.
Tem-se em seguida a segunda fase deste processo de revisão ocupacional, um momento um definidor do combate da extração de madeira. Essa fase consiste na retirada de ocupantes irregulares (com lotes concentrados, vendidos e com ocupantes sem perfil para beneficiários do programa de reforma agrária). Também neste processo que se dar início a retirada dos ocupantes da reserva legal e daqueles que irregularmente extraiam e vendiam madeira do assentamento.
Neste processo, o Incra tentou promover o reassentamento das famílias com perfil de beneficiários do programa nacional de reforma agrária que ocuparam a reserva legal do projeto. A proposta era instalar as famílias nos próprios lotes do assentamento, aqueles vagos e que seriam disponibilizados a partir da revisão ocupacional. Cinco ocupantes inclusive foram reassentados neste processo, mas o STR de Anapu assegurou aos demais ocupantes que não deixassem o local e que advogados da entidade impediram qualquer ação judicial que viesse ocorrer. E esses ocupantes permaneceram na área. Ao final de 2010, a Vara Agrária de Altamira deferiu pedido de liminar solicitada pelo Incra contra os ocupantes.
Estes episódios irão desencadear as duas mobilizações de trabalhadores rurais ocorridas no município.
A primeira delas consistiu na formação de uma barreira em uma das entradas do PDS Esperança formada por alguns assentados e apoiada pela Comissão Pastoral da Terra que reivindicava a conclusão dos trabalhos de revisão ocupacional pelo Incra e a construção de guaritas para impedir a entrada de madeireiros no projeto. O bloqueio teve início em 10 de janeiro. Trata-se de uma luta que lembra em muitos aspectos os empates promovidos pelos seringueiros do Acre nos anos oitenta e que projetaram Chico Mendes e outras lideranças. Destaca-se que a barreira impedia unicamente a passagem de caminhões madeireiros, não havendo impedimento de circulação de outros veículos e pessoas.
Empate dos assentados contra o roubo de madeira
Essa manifestação ganhou repercussão em alguns meios de comunicação e localmente se refletiu numa reação em cadeia de hostilidades, incluindo ameaças de morte contra assentados e agentes da CPT, como o Padre Amaro e o assentado Fábio Lourenço de Souza.
Neste quadro de tensão, o STR de Anapu e a Prefeitura local anunciaram que iam promover o bloqueio da rodovia Transamazônica para repudiar a atitude dos assentados. A pauta deste setor negava a existência de qualquer conflito no município, busca a desqualificação da CPT e dos assentados que realizam o “empate”, nega até a existência de madeireiras no município e pede a permanência das famílias irregulares e que entraram na reserva legal do assentamento. Embora não conste no documento, também é exigido a saída do servidor do Incra responsável pelo posto do órgão em Anapu, o engenheiro Antônio José Ferreira.
É neste momento que é anunciado a realização de audiência pública pela Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, órgão do governo federal ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. O evento é apresentado localmente como uma vitória do setor pró-madeireiros.
A mobilização desse setor coincidiu com a chegada da Força Nacional de Segurança e da Polícia Federal. O trancamento da rodovia Transamazônica por grupos locais ligados à prefeitura e sindicato dispersou-se ainda no mesmo dia, a partir de uma negociação com a Polícia Rodoviária Federal, na sexta-feira, 21 de janeiro.
A esta altura informações que circularam por correios eletrônicos, blogs e matérias na grande imprensa traziam a público o envolvimento o STR e do prefeito Chiquinho do PT, contrários às medidas de combate a extração ilegal de madeira no assentamento.
Leia: Madeireiros fecham rodovia em Anapu e Batalha à vista em Anapu
Entidades de trabalhadores rurais de Anapu apoiadas pela CPT divulgam carta no dia 22 de janeiro em que relatam todo o processo de roubo de madeira no PDS, a continuidade do bloqueio da entrada do assentamento e exigem presença de órgãos de fiscalização ambiental e de segurança, bem como a construção de guaritas nas entradas do assentamento. A carta denuncia ainda que com o apoio da prefeitura e do STR, a associação dos assentados foi desfigurada com a presença de não-assentados, sendo a sua diretoria destituída.
Leia:Carta dos Comitês em Defesa de Anapu
Os dias seguintes são caracterizados pela forte expectativa entorno da audiência. É sob forte presença policial e com intensa chuva que ela tem início num galpão localizado atrás do STR...
Com muita chuva e com grande presença policial, tem início a audiência.