Por Gerson Freitas Jr.
Com a aproximação das obras de pavimentação da BR-163 de Itaituba
(PA), empresas privadas começam a tirar do papel os planos para a criação de um
novo sistema logístico, capaz de escoar até 20 milhões de toneladas de grãos de
Mato Grosso pelos portos da Bacia Amazônica. Ao todo, os investimentos na construção
de estações de transbordo, armazéns, terminais portuários, empurradores e
embarcações devem consumir mais de R$ 3 bilhões até o fim da década.
O corredor abre uma nova rota para a exportação da soja e do milho
colhidos no entorno dos municípios de Sinop, Sorriso, Nova Mutum e Lucas do Rio
do Verde, cortados pela BR-163. Hoje, mais de 70% da safra mato-grossense é
escoada pelos portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR), a mais de 2 mil
quilômetros da origem. Alguns caminhões vão ainda mais longe, até São Francisco
do Sul (SC) e Rio Grande (RS).
Boa parte dos recursos privados deve ser investida no município
paraense de Itaituba, especificamente no distrito de Miritituba, localizado à
margem direita do Rio Tapajós e próximo ao entroncamento entre as rodovias
BR-163 e BR-230, a cerca de 900 quilômetros desse cinturão agrícola. O objetivo
é transformar o município em uma espécie de "hub", capaz de receber a
produção do Médio-Norte de Mato Grosso e distribuí-la em comboios de barcaças
para os portos exportadores de Santarém (PA), Vila Rica (PA) e Santana (AP). A
expectativa é que os primeiros carregamentos de Mato Grosso passem por esse
corredor a partir da safra 2014/15.
Pelo menos oito empresas já adquiram terrenos em Miritituba para a
construção de estações de transbordo à margem do Tapajós, um rio naturalmente
navegável para barcaças. Destas, ao menos quatro - as tradings americanas Bunge
e Cargill e as operadoras logísticas Hidrovias do Brasil e Cianport - possuem
projetos em estágio final de licenciamento ambiental e com obras a iniciar
ainda em 2013.
Segundo o vice-presidente da Associação dos Terminais Privados do
Rio Tapajós (ATAP), Geraldo Affonso, as quatro companhias devem investir, ao
todo, R$ 600 milhões apenas em Miritituba e outros R$ 1,4 bilhão na construção
dos comboios de barcaças e em aumento de capacidade em seus terminais nos
portos exportadores. "Os investimentos já conhecidos somam R$ 2 bilhões,
mas o valor será muito maior", afirma.
Composta por oito empresas, a ATAP foi criada em novembro do ano
passado com o objetivo de representar os interesses das empresas com planos de
investimento no novo sistema. Além das quatro empresas citadas, fazem parte da
associação Brick Logística, Chibatão Navegações, Reicon e Unirios.
A Cargill, que há 10 anos opera um terminal graneleiro no Porto de Santarém (PA), é uma das
maiores interessadas no projeto. Segundo o gerente de portos da companhia,
Clythio Buggenhout, a múlti pretende investir cerca de R$ 200 milhões para
receber a produção em Miritituba e transportá-la, pelo Tapajós, até o porto.
Com isso, a empresa quer triplicar o volume de soja exportado por Santarém, das
atuais 1,9 milhão de toneladas para 4 milhões por ano.
"Miritituba é um entreposto óbvio de interligação
rodo-hidroviária, é um curinga. De lá podemos ir a qualquer porto grande da
Região Norte. O projeto abre uma matriz de alternativas logísticas",
afirma Buggenhout. "Estamos falando de investimentos totais de R$ 3 bilhões
a R$ 4 bilhões nesse eixo".
O executivo afirma ainda que o investimento vai mitigar o
"impacto socioambiental" que a chegada de milhares de caminhões
carregados com soja teria sobre Santarém após a conclusão da BR-163 - cada
comboio de barcaças pode transportar até 30 mil toneladas de grãos,
substituindo mais de 800 caminhões. Hoje, a soja exportada do terminal da
Cargill em Santarém é transportada de caminhão até Porto Velho (RO), de onde
segue por barcaça até Santarém.
Comboios de barcaças que vão operar nos rios da bacia amazônica
para os portos de Vila do Conde e Santana podem transportar até 30 mil
toneladas de grãos, substituindo mais de 800 caminhões
A Bunge não comenta seus
investimentos na região, mas o Valor apurou que a companhia deve aportar cerca de R$ 500
milhões na construção de uma estação de transbordo em Miritituba e de um
terminal portuário no porto de Vila do Conde, no município paraense de
Barcarena. Segundo as fontes ouvidas pelo jornal, a empresa pretende construir
uma capacidade para movimentar até 5 milhões de toneladas pelo novo corredor.
Só o investimento em barcaças para operar o trecho deve demandar outros R$ 300
milhões.
A Hidrovias do Brasil, empresa controlada pelo fundo P2 Brasil -
criado pelos grupos Pátria Investimentos e Promon - teria planos de investir um
montante semelhante ao da Bunge em seu eixo, também ligando Miritituba a Vila
do Conde.
O presidente da Hidrovias do Brasil, Bruno Serapião, não confirma
os valores, mas afirma que o sistema operado pela companhia terá capacidade para
movimentar 4,4 milhões de toneladas de grãos. "Pretendemos iniciar a
construção dos dois terminais [Miritituba e Vila do Conde] ainda no primeiro
semestre e entrar em operação na safra 2015/16", afirma.
Segundo ele, a companhia deve escoar até 1,5 milhão de toneladas
no primeiro ano de operação e atingir a capacidade total na temporada 2020/21.
O executivo revela ainda que a companhia deve contratar a construção de pelo
menos sete comboios de barcaças, com capacidade individual para transportar até
700 mil toneladas anuais.
Serapião afirma que a Hidrovias do Brasil vai construir e operar o
sistema, mas não descarta a entrada de um sócio. "Há interesse de empresas
no mercado em desenvolver parcerias e estamos estudando essa
possibilidade".
Para ele, a entrada em operação do novo eixo logístico deverá
resultar em uma "queda significativa" nos custos de frete, mas ainda
é cedo para fazer projeções. "Trata-se de um sistema novo e ainda
precisamos saber qual será a base tributária desses investimentos, o que é
determinante para o cálculo do preço final".
Já a Cianport, uma joint venture entre as mato-grossenses Fiagril
Participações e Agrosoja (ver matéria ao lado), prevê investir entre R$ 350
milhões e R$ 380 milhões na construção de estruturas de recebimento e embarque
em Miritituba e no Porto de Santana, no Amapá. O objetivo é transportar até 3
milhões de toneladas pelo corredor. Na primeira fase, com implantação entre
2014 e 2018, a empresa deve movimentar 1,8 milhão de toneladas. A empresa
captou um empréstimo de R$ 73 milhões do fundo da marinha mercante, operado
pelo BNDES.
O secretário de Desenvolvimento do Pará, Sydney Rosa, diz que mais
de 15 empresas podem se instalar em Miritituba nos próximos anos.
"Precisamos garantir um processo ordenado, pois crescerão as demandas
sociais na região", afirma.
*Fonte: Valor Econômico