domingo, 1 de junho de 2008

A MP 422 revela a aliança entre Lula e os grileiros na Amazônia

Ariovaldo Umbelino*

As ações do agrobanditismo na Amazônia não saem da mídia, e elas vão revelando a aliança entre o poder judiciário, o legislativo e o executivo com o agronegócio. Novos fatos vão se juntando à tresloucada MP 422 do governo Luis Inácio da Silva sobre a legalização das terras públicas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) ocupadas pelos grileiros na Amazônia.

O poder judiciário absolveu o fazendeiro Vitalmiro Bastos Moura, o Bida, mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang em 2005, no segundo julgamento a que foi submetido. Por mais absurdo que possa parecer, o tribunal do júri do Pará reformou a sentença que o condenava a 30 anos de prisão. Embora a promotoria e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) tivessem impetrado junto ao Tribunal de Justiça do Estado o pedido de anulação do julgamento, o fato mostra que a justiça estadual do Pará continua protegendo os assassinos. O mesmo procedimento está ocorrendo também, no caso do Padre Josimo Tavares, que mesmo depois de 22 anos de seu assassinato em Imperatriz (MA), em 1986, o ex-juiz João Batista de Castro Neto, acusado de ser um dos mandantes deste assassinato, pela quinta vez conseguiu se esquivar de comparecer a interrogatório que seria realizado no ultimo dia oito de maio.

Outra aliança entre poder judiciário e agronegócio, refere-se ao episódio da retirada dos arrozeiros da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol. Se já não bastasse a absurda decisão do Supremo de suspender a ação da polícia federal de retirada dos grileiros da terra indígena demarcada, os pistoleiros do prefeito de Pacaraima (RR) atiraram contra os indígenas ferindo dez deles. O prefeito mandante da ação foi preso e depois solto, e é acusado de suspeita de tentativa de homicídio, formação de quadrilha e posse de artefatos explosivos em terra indígena. Além deste episódio, finalmente o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) também lhe aplicou uma multa de R$ 30.6 milhões, por ter praticado na fazenda Depósito, crimes ambientais tais como - desmatamento ilegal de terras, bombeamento de água do rio Sururu sem autorização ambiental e degradação de área de preservação permanente. Aliás, o prefeito de Pacaraima, que possuía autorização do Ibama para desmatar apenas 850 hectares para o cultivo de arroz, entretanto, desmatou 2.5 mil hectares. Ou seja, os dois episódios acontecidos na Raposa/Serra do Sol, mostram que é exatamente a autoridade pública que deveria cumprir a lei, quem não a cumpre.

Mas a ação do governo Lula de apoio aos grileiros do agrobanditismo mais contundente continua sendo a MP 422. No último dia 13 de maio, ela foi aprovada na Câmara dos Deputados, transformando-se em Projeto de Lei (PL) de Conversão nº 16, de 2008. Seguiu para o Senado para votação. Ou seja, a bancada ruralista do Congresso Nacional, em tempo recorde, aprovou a MP 422, pois ela foi um presente de Lula para os grileiros das terras do Incra na Amazônia Legal.

Esta aprovação revela que a Constituição Brasileira está sendo absurdamente mais uma vez revogada por uma lei. Nem o governo Lula e muito menos o Congresso Nacional estão respeitando à Carta Magna, pois está claramente colocado no artigo 188 que “a destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária”. E mais, afirma também em seu artigo 191 que “aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.” Afirma também, em parágrafo único deste mesmo artigo, que “os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.” Como a legislação complementar indica que o tamanho mínimo dos imóveis rurais adotado pelo Incra tem que ter um módulo fiscal, e como ele vai até 100 hectares, esta dimensão passa a ser a área máxima que a legislação federal permite legalizar.

Entretanto, o que estão fazendo o governo Lula e o Congresso Nacional? Eles criminosamente e de forma inconstitucional estão utilizando a Lei 8.666, para dispensar de licitação para alienar os imóveis públicos da União até 15 módulos fiscais, ou seja, até 1.5 mil hectares. Trata-se, pois, de flagrante desrespeito à Constituição, uma vez que as terras públicas do Incra têm que ser destinadas à reforma agrária. É evidente que os imóveis com área de até 100 hectares onde o módulo fiscal do município permita, devem ser regularizados, pois a reforma agrária pressupõe esta ação. Mas, não é o que está acontecendo. Vamos aos fatos.

O crime contra o patrimônio público é tão escabroso que o próprio Incra trata de forma diferenciada a verdadeira regularização fundiária destinada a conceder o título de terra aos igualmente verdadeiros posseiros e a ação ilegal de legalização das terras dos grileiros. Foi por isso que ele publicou no Diário Oficial da União do último dia 27, a Resolução nº 11 que aprova a Instrução Normativa nº 45 que "fixa os procedimentos para legitimação de posse em áreas de até cem hectares, localizadas em terras públicas rurais da União". Entretanto, no mesmo Diário Oficial, publicou também, a Resolução nº 12 que aprova a Instrução Normativa nº 46 que por sua vez, "fixa os procedimentos para regularização fundiária de posses em áreas rurais de propriedade da União superiores a 100 hectares e até o limite de 15 módulos fiscais, localizadas na Amazônia Legal”.

Dessa forma, com base na MP 422, Lula está transformando os grileiros de terras públicas de até 1.5 mil hectares em “falsos posseiros”. Não há base legal e muito menos social para tornar iguais, legal e socialmente, quem é desigual. É por isso que a justificativa da Resolução toma de forma mentirosa e equivocada o II PNRA que, aliás, terminou em 2007, e o combate à grilagem das terras públicas, para sua fundamentação: “considerando-se as diretrizes do II Plano Nacional de Reforma Agrária, de promover, a regularização fundiária de forma sustentável, combater a grilagem de terras públicas, o desmatamento ilegal e a violência no campo.”

Assim, por meio destes instrumentos legais, Lula vai legalizar a grilagem de mais 30 milhões de hectares de terras públicas do Incra na Amazônia Legal. E inclusive, ela vai permitir que os grileiros que tomaram áreas maiores façam a divisão em áreas menores do que 1.5 mil hectares para serem beneficiados pela legalização.

É por isso que a ABRA, Via Campesina, MST, CPT, MAB, MMC, CIMI, CUT entre outras organizações já encaminharam carta aberta ao Presidente da República e ao Congresso nacional solicitando a revogação imediata da Medida Provisória 422.

(*) Professor titular de Geografia Agrária pela Universidade de São Paulo (USP). Estudioso dos movimentos sociais no campo e da agricultura brasilera, é autor, entre outros livros, de "Modo capitalista de produção (Ática, 1995)", "Agricultura camponesa no Brasil" (Contexto, 1997).

Fonte: RadioAgência Notícias do Planalto
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