Em meio à tensão de conflitos fundiários, sul e sudeste do Pará debatem a criação do Estado de Carajás, que vai a plebiscito até o fim de novembro. O possível novo Estado cobre 39 municípios do atual Pará, abrange justamente a área de conflitos de terra e teria como capital a cidade de Marabá. O principal articulador pela criação de Carajás é o deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA), pecuarista e fundador do Sindicato Rural do Pará, que reúne os grandes fazendeiros da área. A população local tem aprovado a pretensão do deputado, que ensaia aproximação com os movimentos sociais, em permanente luta com os pecuaristas e madeireiros. Na semana passada, os organizadores do pró-Carajás convidaram lideranças dos movimentos da reforma agrária para participar de um seminário sobre o tema. O convite foi recusado. O assunto ainda está sendo tratado de forma superficial na direção dos movimentos.
Na tentativa de ganhar o voto a favor da criação de Carajás, o deputado diz apoiar o acampamento de cerca de 5 mil sem-terra e assentados rurais de 43 dias na frente da superintendência do Incra de Marabá, que acabou na terça-feira. "Eles estão reivindicando só o que o governo prometeu: condições mínimas de subsistência. O novo governo deve intermediar recursos para atender essa demanda, de quem é cliente e quem não, da reforma agrária, porque metade não é, são favelados das periferias das cidades", diz o deputado ao Valor.
Por outro lado, Queiroz reclama da falta de repressão às invasões de terra. Os três movimentos de trabalhadores rurais - MST, Fetagri e Fetraf - contabilizam 70 ocupações no sul e sudeste do Pará, além dos 500 assentamentos. Para o deputado, o governo do Pará deveria "garantir a segurança jurídica", sugerindo o uso das forças policiais. "O Estado do Pará tem sido omisso. Acovardado pelo Estado, o Poder Judiciário não pede intervenção federal para cumprir os seus mandados de reintegração de posse para retirar os invasores", afirma. Entre os sem-terra, a ideia de Carajás é bem aceita. "Sou paraense e sou a favor, o governo do Estado fica muito longe. A capital ficará mais perto de nós. Já era para ter feito há muito tempo", diz José Amujaci, que ocupa uma fazenda há oito anos em Marabá. "Vai melhorar a vida de quem vive aqui", completa Francisco Evangelista, outro sem-terra vivendo em área invadida de São João do Araguaia. "Deve melhorar as condições do novo Estado", disse Francisco da Silva Alves, há quatro anos em uma invasão no sul do Estado.
O plebiscito que vai decidir pela existência do novo Estado é alvo de controvérsias jurídicas. O grupo à frente da emancipação da área defende que a escolha se dê apenas entre os eleitores dos 39 municípios de abrangência de Carajás. Outra interpretação afirma que todos os eleitores do Estado do Pará devem participar da consulta, o que dificultaria a sua aprovação. O governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), evita falar sobre o assunto, mas já encomendou estudo sobre os impactos de Carajás. A principal fonte de receita do Estado, a mineradora Vale, deixaria de contribuir para o Pará. A maior parte das minas e das siderúrgicas que usam o minério da empresa está na área de Carajás. O Pará ainda ficaria sem receber receitas advindas da economia gerada com os empreendimentos de Belo Monte, que ficaria para Tapajós, no oeste do Pará, mais um Estado que será alvo de plebiscito até o início de dezembro.
O Pará perderia praticamente a metade de sua receita de ICMS, segundo estimativa do grupo a favor da divisão do Estado. Com base em dados da arrecadação de 2008, 34,5% de ICMS paraense migraria a Carajás e 14,8% a Tapajós. Com base nos dados disponíveis do IBGE, Carajás teria o dobro do PIB per capita do Pará já dividido. Tapajós seria o Estado mais pobre dos três, com um PIB por habitante um pouco maior que a terça parte do referente a Carajás.
O deputado Queiroz, um mineiro de família de fazendeiros que chegou ao Pará nos anos 70 como médico, defende a causa de Carajás usando como exemplo Tocantins, criado em 1988 e que, segundo ele, apresenta dados socioeconômicos acima da média brasileira. "O braço do Estado do Pará não atinge Carajás. A divisão territorial é uma alavanca de desenvolvimento", diz. Além de pecuária, minério e siderurgia, predomina na economia do possível novo Estado o setor madeireiro. "Queremos acelerar o processo de desenvolvimento da região amazônica e integrá-la ao contexto nacional", completa o deputado do PDT.
O movimento pela criação de Carajás é bem organizado. O publicitário baiano Duda Mendonça prometeu fazer gratuitamente a campanha na TV e no rádio pela criação do Estado. Duda tem 30 mil cabeças de gado na região de Redenção, um dos maiores centros da pecuária do Pará. Um grande escritório de assessoria de imprensa foi contratado em Brasília para ajudar no trabalho de comunicação. Ontem, fizeram uma apresentação específica aos jornalistas de Marabá sobre o projeto de separação. No dia anterior, organizaram encontros com prefeitos e vereadores dos 39 municípios abrangidos na área de Carajás.
A articulação com prefeitos e vereadores ficou a cargo do prefeito de Pau D"arco, Luciano Guedes, presidente da Associação dos Municípios do Araguaia, Tocantins e Carajás (Amat). "É uma questão de justiça social", sentencia Guedes, veterinário e pecuarista. Para ele, por melhor que seja o governo do Pará, jamais será possível atender a demanda por serviços públicos. Guedes diz que a região tem potencial para tornar-se o maior polo de investimento do Brasil, diante de suas riquezas naturais. Também afirma existir capacidade para dobrar a quantidade de frigoríficos. A região possui nove deles.
Guedes, assim como 75% dos habitantes da região da pretensa Carajás, não nasceu no Pará. O prefeito de Pau D"arco veio de Belo Horizonte para o sul paraense nos anos 70, quando o governo militar instituiu o Plano de Integração Nacional na Amazônia, cujo lema era "integrar para não entregar", com o objetivo de povoamento por meio do incentivo à pecuária e ao pasto. "Não era integrar para não entregar? Viemos integrar a última fronteira do desenvolvimento nacional. Só que a criança cresceu e precisa da emancipação", diz o prefeito.
Há críticas quanto aos custos de mais máquinas administrativas no Brasil. O economista do Ipea Rogério Boueri contabiliza que restará à União arcar com R$ 1 bilhão ao ano para cobrir o rombo das contas de Carajás. Para Tapajós, o governo federal teria que destinar R$ 900 mil. "É um dreno de recursos federais", diz o economista, que compara a criação de Estados ao fenômeno de municípios emancipados nos últimos anos, por interesse em receber mais recursos da União. Boueri cita que o déficit fiscal de Tocantins foi bancado pelo governo federal durante dez anos. O deputado Queiroz contesta as contas do economista do Ipea, chama o estudo de superficial e nega que Tocantins tenha recebido dinheiro federal. "Se a União não teve que bancar no Tocantins, que era o corredor da miséria de Goiás, porque teria que bancar uma região tão pujante como a nossa?", questiona.
O economista Célio Costa, que elaborou estudo sob encomenda do grupo pró-Carajás, fez cálculos que diferem dos do Ipea. Costa afirma que Carajás teria superávit fiscal de R$ 919 milhões ao ano, segundo as receitas de 2008 dos municípios que formariam o novo Estado e as despesas do governo do Pará de 2007. Já o estudo de Boueri, do Ipea, utiliza metodologia que calcula o custo do governo estadual de acordo com os dados estaduais de PIB, população, área geográfica e número de municípios. Para as receitas, Boueri tomou como base a receita total do Pará de 2009 e calculou a participação do novo Estado a partir da arrecadação dos municípios sob sua abrangência.
*Fonte: Valor Econômico