sexta-feira, 17 de junho de 2016

MPF pede suspensão da concessão de novas áreas da floresta do Crepori, no Pará

Fotografia: Juan Doblas/ICMBio
Licitação das primeiras unidades de manejo foi suspensa pela Justiça até publicação de laudo antropológico sobre comunidades locais
O Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA) ajuizou ação para pedir a interrupção da segunda licitação de áreas da floresta nacional (flona) do Crepori, no sudoeste do Pará. O objetivo é garantir direitos de comunidades locais, o mesmo motivo que levou a Justiça Federal a suspender os contratos da primeira licitação.
A nova ação foi encaminhada à Justiça Federal em Itaituba nesta segunda-feira, 13 de junho. O MPF pede a suspensão imediata do procedimento de concessão florestal dos 250 mil hectares do chamado lote leste ou lote 2 da flona, que abrange as unidades de manejo florestal I e IV.
Também foi pedida a manutenção da suspensão até a elaboração de estudo antropológico que defina as características dos povos existentes na floresta. Se ficar comprovado que áreas da flona são ocupadas por indígenas, ribeirinhos ou outras comunidades tradicionais, essas áreas não poderão fazer parte de concessões florestais.
Em decisão liminar (urgente) de abril deste ano, a Justiça Federal suspendeu os contratos que permitiam a exploração dos 194 mil hectares das unidades de manejo II e III, áreas licitadas em 2013. A suspensão vale até a conclusão do laudo antropológico.
“Trata-se de mesma área exatamente porque a floresta nacional é um organismo unitário e os traços antropológicos que se pretende analisar estão, possivelmente, espalhados por toda a unidade, inclusive nas novas unidades licitadas, e não só naquelas já licitadas”, destaca o MPF na nova ação.
Flonas de Itaituba I e II 
Em outro processo em que pediu a suspensão de concessões florestais para defender direitos de comunidades indígenas e tradicionais – a concessão dos 295 mil hectares das unidades de manejo I, II e III das flonas de Itaituba I e II, também no sudoeste paraense – o MPF informou a Justiça sobre a publicação oficial do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da Terra Indígena Sawré Muybu.
No processo, em que a Justiça não acatou o pedido do MPF de suspensão das concessões por decisão liminar, a União havia defendido que as concessões não podiam ser suspensas porque não havia declaração oficial da existência de indígenas na flona.
Além de suprir essa alegada falta de dados oficiais, o RCID, publicado em abril, afirma expressamente que “a área identificada incide em sua totalidade, sobre a Flona Itaituba II”.
Para o MPF, o conteúdo do RCID impõe que a União, por meio do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), reavalie a concessão florestal da flona, e que, por meio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), faça a readequação do plano de manejo florestal para prever a existência desses povos no interior da unidade e, se for o caso, reclassificá-la, além de realizar os estudos antropológicos necessários para a identificação de todas as populações residentes nas unidades.
Manifesto 
Para não compactuar com o que consideram apenas a simulação de um diálogo e não um diálogo real, no último dia 9 os Munduruku decidiram não participar de reunião do conselho consultivo das flonas de Itaituba I e II. Divulgada com três dias de antecedência, a pauta da reunião incluía o tema da concessão de exploração madeireira.
Em vez de ir ao evento, os Munduruku divulgaram um manifesto contra a postura de descaso do ICMBio, do SFB e do Ministério do Meio Ambiente em relação aos direitos dos índios e dos demais povos tradicionais. "Sabemos que o ICMbio convocou essa reunião às pressas para cumprir exigências legais e legitimar suas decisões, passando mais uma vez por cima do povo Munduruku e mentindo que dialoga com a gente", destaca o texto.
"Questionamos a origem e a imagem de 'protetores da floresta' que o ICMBio insiste em sustentar. (...) Vocês afirmam que essa terra não é 'tradicionalmente ocupada por nós' e vocês quererem leiloar uma grande área de florestas ao nosso redor para madeireiros. Querem fazer isso sem saber o impacto que isso trará pra nós, sem nos consultar como a lei obriga e, ainda, sabendo que essa floresta que vocês querem entregar pra madeireiro tem nossas marcas. São terras de ocupação ancestral indígena e ribeirinha, que vocês decidiram chamar de flona. Fazendo isso, vocês, Ministério do Meio Ambiente, ICMBio e Serviço Florestal Brasileiro se assumem como parte do processo colonizador que extermina povos e pensamentos. Estão usando de violência, desprezando nosso conhecimento e desrespeitando nossos locais sagrados, bens de natureza imaterial, que são também parte do Patrimônio Cultural Brasileiro, segundo o artigo 216 da Constituição", critica o documento.

O manifesto cita um dos pontos abordados pelo MPF na ação judicial pela suspensão das concessões florestais: a violação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que assegura a consulta prévia, livre e informada aos povos interessados, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente.

"Nosso manifesto é pela falta de respeito com que as instituições governamentais vêm nos tratando, contrariando nossas decisões e passando por cima do nosso direito à consulta. Fizemos um protocolo de consulta que mostra a nossa forma de dialogar e decidir. Se não recebemos informações e nem fomos consultados sobre a concessão florestal, nos termos que exigimos nesse documento, não temos por que participar de um conselho que nada decide e de uma reunião que somente 'informa'. (...) Então, é melhor vocês aprenderem a falar a nossa língua, se querem MESMO dialogar. Temos que usar as suas palavras, para fazer ouvir nossas vozes, mas elas não podem dizer o nosso mundo. Enquanto vocês falam em 'madeira', nós conhecemos cada uma das árvores, sabemos de sua origem, como nos ajudam a curar e até mesmo a construir nossas casas."


Fonte: Ministério Público Federal no Pará  - Assessoria de Comunicação
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