quinta-feira, 23 de junho de 2016

2015 teve um ambientalista morto a cada dois dias, aponta relatório; Brasil lidera


Por Pierre Le Hir* 
Para os ativistas do meio ambiente e os povos indígenas que lutam contra a apropriação e a destruição de suas terras, de suas florestas e de suas águas, 2015 foi um ano funesto. Foi o que revelou o relatório "On Dangerous Ground" (Em terreno perigoso) publicado, na última segunda-feira (20), pela ONG Global Witness, especializada na denúncia de conflitos, de corrupção e de violações dos direitos humanos associados à exploração dos recursos naturais.
Em todo o planeta, o relatório levantou nada menos que 185 assassinatos associados a questões ambientais —ou seja, uma morte a cada dois dias— perpetrados em 16 países, um número 59% maior que em 2014 e jamais atingido desde que a ONG começou a fazer esse levantamento macabro, em 2002.
O balanço real "certamente é mais elevado", ressalta a Global Witness, uma vez que a coleta de informações é muito difícil.
"Para cada assassinato que conseguimos documentar, outros não puderam ser verificados ou não foram notificados", relata a ONG. "E para cada vida perdida, muitas outras são arruinadas pela onipresença da violência, de ameaças e da discriminação."

"Grilagem de terras"

No ano passado, o maior número de mortes entre defensores do meio ambiente foi no Brasil (50 mortes), nas Filipinas (33) e na Colômbia (26). Eles foram mortos em conflitos associados em sua maior parte à extração de minérios, mas também a atividades agroindustriais, madeireiras, hidrelétricas ou de caça ilegal.
Quanto aos autores desses assassinatos, o relatório indica que grupos paramilitares são "suspeitos" de envolvimento em 16 casos; o Exército, em 13; a polícia, em 11, e serviços de segurança privados, em outros 11.
"Enquanto a demanda por produtos como minérios, madeira e óleo de palma continua, governos, empresas e bandos criminosos se apropriam de terras ignorando as populações que ali vivem", denuncia Billy Kyte, responsável pelas campanhas na Global Witness.
Só que o relatório aponta que "poucos elementos indicam que as autoridades tenham investigado plenamente os crimes, ou tenham tomado medidas para que os responsáveis sejam punidos."
Diante desse crime quase organizado, as populações indígenas são as mais vulneráveis.
"Devido à insuficiência de seus direitos à terra e a seu isolamento geográfico, elas ficam particularmente expostas à apropriação de suas terras para a exploração de recursos naturais", aponta a ONG.
Quase 40% das vítimas registradas em 2015 pertenciam a comunidades indígenas. "Estas se encontram cada vez mais ameaçadas pela expansão territorial das empresas mineradoras ou madeireiras", constata Billy Kyte.
Os Estados amazônicos do Brasil, em particular, viveram "níveis de violência sem precedentes".
"Fazendas, plantações ou gangues de madeireiros ilegais invadem terras de comunidades," descreve o relatório da Global Witness. "A floresta tropical deu lugar a milhares de acampamentos ilegais, enquanto a fronteira agrícola está sendo empurrada para dentro de reservas indígenas que antes permaneciam intactas."
A pressão é muito forte: 80% da madeira proveniente do Brasil seria extraída ilegalmente, e essa madeira representaria um quarto dos abates ilegais que alimentam os mercados mundiais, destinados sobretudo aos Estados Unidos, à Europa e à China.
O fim brutal de certos defensores do meio ambiente foi coberto pela mídia. Em setembro de 2015, na ilha de Mindanao (sul das Filipinas), a jovem ativista Michelle Campos assistiu um grupo paramilitar assassinar seu pai e seu avô —líderes da comunidade autóctone— e um diretor de escola, na frente do Exército regular.
Eles se recusavam a ser expropriados por companhias mineradoras que cobiçavam o carvão, o níquel e o ouro do subsolo. Cerca de 3 mil indígenas tiveram de fugir de seus vilarejos, onde 25 assassinatos foram registrados só nesse ano. Mas muitas pessoas que morreram por suas terras permanecem anônimas.
Segundo dados coletados pela Global Witness, a África continua relativamente livre desses abusos, com exceção da República Democrática do Congo, onde 11 guardas de parques nacionais foram mortos.
É uma constatação "ainda mais surpreendente pelo fato de que muitos países africanos estão sujeitos a uma violência profunda, e que os conflitos parecem muitas vezes ligados à terra e aos recursos naturais", observa a ONG. A explicação poderia ser uma falta de informações provenientes de zonas rurais isoladas, onde as organizações humanitárias são pouco representadas.

"Escolha dos consumidores"

No entanto, o relatório ressalta um "aumento no número de casos de criminalização de ativistas em toda a África", como a prisão do diretor de uma ONG em Camarões que combate a extração do óleo de palma; ameaças na República Democrática do Congo contra o coordenador de uma ONG que atua na proteção de florestas comunitárias; prisão de um ativista ambiental em Madagascar que denunciava o tráfico de pau-rosa; condenação em Serra Leoa do porta-voz de uma associação de proprietários de terras afetados pelo domínio das palmeiras para extração de óleo, etc
A situação no continente africano não é a única a ser mal documentada. "As informações são falhas para países como a China e a Rússia, onde ONGs e a mídia sofrem repressão", explica Billy Kyte.
Para ele, "as agressões que vitimam os defensores ambientais são sintoma de uma repressão mais ampla que atinge os atores da sociedade civil, em países onde os interesses dos governos e os das companhias privadas entram em conflito."
Como proteger mais os ativistas da causa ambiental? "Os governos e as empresas precisam acabar com os projetos que desprezam os direitos das comunidades de usufruir de suas terras, para conter a espiral da violência", alega a Global Witness.
"Os assassinatos que continuam impunes nos vilarejos mineradores remotos, ou em pleno coração das florestas tropicais, são alimentados pelas escolhas que os consumidores fazem do outro lado do planeta."
Fonte: Le Monde – Tradução: UOL
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