domingo, 19 de junho de 2016

“Passava bala por cima de nós. Foi terrível”

Em vídeo, índios que sobreviveram ao ataque no Mato Grosso do Sul contam que fazendeiros usaram fogos de artifício para disfarçar o som dos tiros

Índios que sobreviveram ao ataque em uma fazenda no Mato Grosso do Sul afirmam que fazendeiros que tentavam expulsá-los do local usaram fogos de artifício para mascarar o som dos tiros. Na última terça-feira, Clodiode Aquileu Rodrigues de Souza, um guarani-kaiowá de 26 anos, foi morto depois que um grupo de produtores rurais cercou uma fazenda que havia sido ocupada dois dias antespor indígenas que reivindicam a área. Outros cinco índios, incluindo uma criança de 12 anos, ficaram feridas com balas de armas letais, segundo o hopital que os atendeu.
Os depoimentos estão em um vídeo feito por Ana Mendes e Ruy Sposati, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), e publicado com exclusividade pelo EL PAÍS. Nele, os indígenas que haviam entrado dois dias antes na fazenda Yvu, em Caarapó, a 273 km da capital Campo Grande, afirmam que os fazendeiros chegaram ao local atirando. "Começou às 10h o tiroteio e acabou às 14h", diz um deles. "Chegaram com o rojão dando para cima e embaixo do rojão já atirando nas pessoas", confirma outro.

A fazenda Yvu é alvo de uma disputa territorial. Ela faz parte da área já estudada pela Fundação Nacional dos Índios (Funai) para compor a Terra Indígena Dourados Amambaipeguá I, que está em processo de demarcação. Segundo um relatório publicado pelo órgão federal em 13 de maio, os guarani-kaiowá foram expulsos dessa área há décadas pelo próprio Governo, para que fossem feitas fazendas. Os fazendeiros possuem a titularidade da terra e dizem que não saem do local sem serem indenizados plenamente, o que o Governo Federal afirma que é impedido de fazer pela Constituição. Os índios, muitas vezes vivendo em situação de precariedade em reservas superlotadas ou acampamentos improvisados, cansaram de esperar pela resolução do impasse  e passaram a fazer a chamada "retomada" dessas terras habitadas por seus ancestrais. Entram nas fazendas, onde montam acampamentos, e acabam sendo expulsos por grupos de fazendeiros, muitas vezes com truculência.

Foi o que aconteceu nesta última terça-feira. Os índios afirmam que tiveram motos, bicicletas e roupas queimados por fazendeiros e enterrados em um buraco, cavado com a ajuda de um trator. Josiel Benites, de 12 anos, e Jesus de Souza, de 29 anos, foram feridos a bala no abdômen. Vaudilho Garcia, de 26 anos, no tórax. Os três passaram por cirurgia. Lubésio Marques, de 43 anos, recebeu três tiros: um no ombro, um no tórax e outro no abdômen. E Norivaldo Mendes, de 28 anos, também foi atingido no tórax. "Passava bala por cima denós. Foi terrível. Não sei como é que eles não acabaram com nós. Porque armamento eles tinham. Arma pesada eles tinham".

A família dona da fazenda confirma que esteve no local com outros produtores rurais, mas disse que houve uma discussão e nega que alguém estivesse armado com algo além de fogos de artifício.

Fonte: El Pais

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