sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Construtora de Belo Monte descumpre condicionantes socioambientais e Ibama não pune

Órgão ambiental aponta atrasos e descumprimentos de medidas de prevenção de impactos e de obrigações de compensação por danos sofridos pela população afetada por Belo Monte, mas não adota sanções legais contra empreendedor

Por Verena Glass*

Mais caro projeto de infraestrutura do país em andamento, a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA), tem sido alvo, nos últimos anos, de uma série de ações na Justiça em função dos problemas sociais e ambientais da obra – levantamento do Movimento Xingu Vivo para Sempre, sediado em Altamira (PA), aponta que tramitam atualmente 56 processos contra Belo Monte. Apesar dos problemas, porém, as ações de mitigação e compensação dos impactos – as chamadas condicionantes e o Plano Básico Ambiental  (PBA) –, previstas no licenciamento ambiental, têm sido negligenciadas pelo Consórcio Norte Energia, responsável pela usina.

Publicada na última semana, uma análise do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) sobre o status do cumprimento das condicionantes da Licença de Instalação e do PBA de Belo Monte mostra um quadro grave de irregularidades na implantação tanto das medidas antecipatórias (que deveriam ter sido realizadas antes das obras para evitar a ocorrência de impactos) quanto de mitigação (compensação de danos sofridos).
De acordo com o documento do Ibama, passados quase três anos do leilão da obra, a Norte Energia ainda não concluiu o Cadastro Socioeconômico (CSE) das famílias afetadas pelo empreendimento – não sabendo, portanto, quantos e quem são os atingidos por Belo Monte –, não implantou os aterros sanitários em Altamira e Vitória do Xingu, não fez as obras de saneamento básico nesses municípios e nas comunidades afetadas por Belo Monte, não construiu hospitais e não implantou equipamentos de saúde e educação, não reassentou famílias de comunidades desapropriadas, não fez a recomposição das atividades produtivas de áreas remanescentes, não terminou o sistema de transposição de embarcações no local onde o barramento do Xingu impede a navegação do rio, não informou a população como se dará esse processo, e não implementou os projetos de recomposição da infraestrutura viária como previsto, entre inúmeras outras irregularidades.
Norte Energia não completou cadastramento de ribeirinhos afetados (foto: Verena Glass)
Grosso modo, apenas 9,7% das obrigações da Licença de Instalação foram devidamente cumpridas, avalia o corpo de advogados do Instituto Socioambiental (ISA), que tem monitorado o andamento das condicionantes das licenças prévia e de instalação de Belo Monte desde o início das obras. Muitas delas tiveram seus prazos renegociados e, de acordo com o relatório do Ibama, outras foram postergadas pela Norte Energia sem prévio conhecimento ou concordância do órgão ambiental, o que é grave tendo em vista as consequências sobre a população afetada.
Ou seja, como as condicionantes foram estipuladas como medidas prévias às obras justamente para evitar impactos mais graves, explica a advogada Biviany Garzón, do ISA, estender prazos deixa os afetados pela usina numa situação de extrema vulnerabilidade. “O Ibama deveria embargar a obra até o cumprimento das condicionantes e do Plano Básico Ambiental. Não terem cumprido as ações referentes ao saneamento, por exemplo, afeta diretamente a saúde da população”, afirma a advogada.
Na área rural, as principais vítimas da negligência são famílias que, desapropriadas, não foram reassentadas ou indenizadas devidamente. Em um trecho do documento, os técnicos do Ibama chegam a considerar a situação de uma das comunidades desapropriadas – Santo Antônio, localizada no epicentro das obras do sítio Belo Monte – como “traumática”. “O processo por que passa a comunidade da Vila Santo Antônio é traumático. A demora em proceder ao reassentamento deixa as famílias em meio a casas demolidas, terrenos antes cuidados pelos antigos moradores que agora estão tomados por mato, e trânsito de caminhões e pessoas estranhas à comunidade, que tornam mais dolorida a mudança de vida nesta fase”.
De acordo com a Defensoria Pública de Altamira, correm atualmente 67 ações contra a Norte Energia por problemas referentes a Santo Antônio. Algumas famílias, explica a defensora Andréia Barreto, chegaram a receber apenas R$ 3,1 mil pelas suas casas e terras, valor com o qual claramente não puderam recompor a vida em outra localidade, sobretudo diante da especulação imobiliária nos municípios afetados pela hidrelétrica.
Já outros atingidos sequer foram reconhecidos como tal. “É o caso do seu Amadeu. Um dos moradores mais antigos de Santo Antônio, o pescador não tinha título de propriedade e a Norte Energia se negou a indenizá-lo até que entramos com um processo. Ele finalmente foi incluído no Plano de Atendimento à População Atingida e hoje vive de aluguel em uma casinha paga pela empresa”, conta a defensora. Segundo ela, foram impetradas sete ações somente envolvendo casos de famílias agroextrativistas excluídas do Plano de Atendimento, mas, no total, até dezembro de 2012 estavam correndo 20 processos por reparação de danos a famílias ribeirinhas ajuizados pela Defensoria. A maioria pede revisão dos valores pagos a título de indenização.
Seu Amadeu em meio a destroços de casa derrubada em Santo Antônio: dificuldades de receber indenização (foto: Verena Glass)
Responsabilidade do Ibama
Procurado pela reportagem, o Ibama não quis comentar os atrasos e não cumprimentos das condicionantes de Belo Monte. Segundo a assessoria de imprensa, o órgão apenas “encaminhou ofício notificando o empreendedor a resolver as pendências apontadas no parecer técnico 168/2012, estabelecendo prazos para que sejam atendidas”, mas não estipulou nenhuma penalidade à Norte Energia.
Além de não aplicar medidas cabíveis previstas por lei, como o embargo das obras da usina, o Ibama sinaliza que considera fato consumado a instalação de outro projeto que deve multiplicar os impactos socioambientais da região afetada por Belo Monte: a mineradora Belo Sun, que pleiteia licença de lavra de ouro por 12 anos na Volta Grande do Xingu, exatamente a região mais impactada pela usina. No documento sobre as condicionantes, o órgão recomenda à Norte Energia atenção “à influência que o empreendimento de mineração da Belo Sun pode causar à região da Transassurini, evitando que famílias que optem por carta de crédito adquiram suas novas propriedades em área que possa ser diretamente afetada pela Belo Sun”. A mineradora está em fase de licenciamento pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado, mas já foi alvo de duas recomendações contrárias por parte do Ministério Público Federal e de um pedido de declaração de inviabilidade por parte do ISA.
Segundo o procurador do Ministério Publico Federal no Pará, Ubiratan Cazetta, o MPF ainda está estudando o documento do Ibama, mas a princípio a conclusão cabível é que condicionantes e licenciamentos ambientais têm sido tratados como mera formalidade pelo Consórcio Norte Energia e pelo órgão ambiental, afirma o procurador. “Parece que temos dois mundos aqui: o teórico, onde as condicionantes resolveriam todos os problemas da obra, e o concreto, onde não se cumpre as condicionantes e, mesmo se cumprisse, os problemas persistiriam.”
Segundo Cazetta, o MPF pode responsabilizar e requerer punição tanto ao empreendedor, que falha no cumprimento das condicionantes, quanto ao Ibama, que falha na fiscalização e autuação das irregularidades. “A postura leniente do Ibama não apenas enfraquece a instituição da condicionante, como também deixa os afetados sem nenhuma defesa em seus direitos”, afirma o procurador.
Procurada pela reportagem, a Norte Energia, através de sua assessoria, comunicou que a diretoria da empresa está em planejamento e incomunicável.
*Fonte: Repórter Brasil
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