quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Campanha de Dilma destaca comunidades duplamente prejudicadas por ela


Candidata impediu criação de Reserva Extrativista pedida pelas comunidades de Montanha e Mangabal quando era ministra. Governo planeja duas hidrelétricas para o local.

O sítio da campanha presidencial da candidata Dilma Rousseff (PT) trouxe no último fim de semana a notícia da transferência de mais de 3 milhões de hectares de terras do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para a ampliação de assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e para o Ministério do Meio Ambiente (MMA). A medida envolveria áreas nos estados do Amazonas, no Pará, no Acre e em Rondônia.

A matéria da campanha ressalta a cerimônia em que estes atos ocorreram no último dia 27 de agosto, evento oficial do governo, com a presença dos ministros Miguel Rosseto (MDA) e Izabella Teixeira (MMA), mas com a ausência da presidente e candidata a reeleição, Dilma Rousseff.

No sítio do Incra, a notícia institucional do evento  destaca que dos “(...) 3,28 milhões de hectares, 86 mil são para a reforma agrária e 3,19 milhões para a “conservação ambiental”.

Como durante o governo Dilma não houve a criação de nenhuma unidade de conservação (UC) na Amazônia Legal - ao contrário, o seu mandato motorizou-se pela redução de UCs  –  e como a matéria não detalha nada sobre estas áreas “destinadas para conservação”, fica a dúvida de tratar-se de transferência formal de terras federais para depois serem criadas as unidades de conservação ou se ocorreu a formalização da transferência de terras da União em áreas de unidades de conservação já criadas em governos anteriores. Nesse segundo caso, não haveria nenhum acréscimo de novas áreas protegidas e sim um passo (necessário) para a regularização fundiária de unidades antigas.

Em relação aos 86 mil hectares para a “reforma agrária”, as dúvidas também permanecem. Em matéria da Agência Brasil reproduzida pelo jornal Valor, é informado que dos 86 mil hectares transferidos do programa “Terra Legal” para a reforma agrária, 62,5 mil seriam para a ampliação da reserva legal do Projeto de Assentamento Acari, nos municípios de Borba, Novo Aripuanã e Apuí, no Amazonas.

Não é informado  na matéria do Valor e muito menos na matéria publicada no sítio do Incra , para onde iriam os 23,5 mil hectares de terras públicas federais  “destinadas para a reforma agrária” restantes. É sabido também que a reforma agrária no governo Dilma apresentou os números mais vexatórios desde o governo Collor.

E eis que  o sítio de campanha da Presidenta Dilma Rousseff, além de repetir todos os números acima, sem detalhá-los, traz as seguintes informações:

“As terras cedidas em cerimônia realizada na última quarta-feira (27) servirão para a ampliação da reserva legal do Projeto de Assentamento Acari, nos municípios de Borba, Novo Aripuanã e Apuí, no Amazonas; a criação do Projeto de Assentamento Agroextrativista Montanha Mangabal, no município de Itaituba, e o Projeto de Desenvolvimento Sustentável Castanheira II, no município de Senador José Porfírio, ambos no Pará”.
Para além dos números e da falta de confiabilidade das informações, a propaganda de Dilma destaca que parte das terras “cedidas” pelo MDA para Incra “servirão” (futuro) para “a criação do Projeto de Assentamento Agroextrativista Montanha Mangabal, no município de Itaituba”. O que talvez Dilma e seus marqueteiros eleitorais tenham esquecido é que o PAE Montanha e Mangabal, com 55.443,54 hectares, já foi criado em setembro de 2013, portanto há quase um ano, pela Superintendência Regional do Incra de Santarém, no Pará. 
Mas a ironia da história não começa e nem termina aí. O assentamento foi criado para as comunidades ribeirinhas e agroextrativistas do Alto Tapajós depois que essas tiveram seu pedido de criação de uma Reserva Extrativista (Resex) na área vetado por interferência direta da Casa Civil durante o segundo governo Lula, pasta então comandada pela então ministra e agora candidata a reeleição, Dilma Rousseff.
Mesmo com ocupação tradicional do território comprovada e todo o trâmite formal para a criação da unidade de conservação concluído e dentro das exigências legais, o processo de criação da Resex Montanha-Mangabal acabou suspenso devido à interferência direta de Dilma, que via no reconhecimento territorial das famílias um entrave para a construção de hidrelétricas do chamado Complexo do Tapajós.

O caso está muito bem detalhado em trecho dissertação A Beiradeira e o Grilador, do pesquisador Maurício Torres e reproduzido a seguir:

Recentemente, Procurador-Geral da República, encaminhou à Casa Civil um Ofício inquirindo quanto à “possível descumprimento das Convenções da Diversidade Biológica e 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT pelo Estado Brasileiro na tramitação do procedimento de criação da Reserva Extrativista Montanha-Mangabal”, e requerendo, também, seja realizada requisição à Ministra da Casa Civil com fito de obter informações sobre a tramitação dos procedimentos de criação da Resex mencionada [Montanha-Mangabal], indicando os motivos que ensejaram a remessa de tal procedimento para o Ministério de Minas e Energia, antes da assinatura do respectivo decreto de criação.

A resposta, encaminhado pela Ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, demonstra a prepotência e o desinteresse pelos danos causados àquela população e limita-se a responder:

Os estudos de inventário em andamento, realizados pela Eletronorte, indicam a existência de que apresentarão [sic] interferência direta na unidade de conservação caso ela seja criada.

A bacia do rio Tapajós está em fase final dos estudos de inventário hidrelétrico. Os resultados estão indicando a existência de 3 alternativas de barramento que poderão apresentar cerca de 10.000 MW de potência instalada. A Resex Montanha-Mangabal causará interferência em qualquer uma das alternativas estudadas, visto que as alternativas estão inseridas na área proposta para a unidade de conservação.

Desta forma, conclui-se que a unidade de conservação não deve ser criada.
O Complexo Hidrelétrico do Tapajós  é um conjunto de usinas previstas pelo governo federal para os rios Tapajós e Jamanxim, no Pará. Atualmente, o governo corre para leiloar até o final do ano o primeiro destes empreendimentos: a usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, cujo lago formado pelo barramento do rio afetaria parte dos ribeirinhos de Montanha e Mangabal. Já a usina de Jatobá, outra prevista para o complexo, além de inundar as áreas dos demais moradores, ainda resultaria na fragmentação do grupo em dois, já que o barramento do Tapajós aconteceria bem no meio da área de distribuição das famílias ao longo do rio.
O direito ao reconhecimento territorial do grupo foi negado 6 anos antes da conclusão dos estudos de viabilidade técnica e econômica do Complexo Hidrelétrico, ou seja, a existência do grupo pouco importava diante da decisão política já tomada, antes de qualquer conclusão da viabilidade de construção das hidrelétricas no rio Tapajós.
Com a paralisação do processo da Resex em 2008, as comunidades protocolaram em 2010 junto ao Incra de Santarém, o pedido de criação de um Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) modalidade de assentamento destinada especificamente para as comunidades tradicionais. Somente em setembro de 2013, o projeto é formalmente criado, conforme está bem descrito nesta matéria vinculada no blog do jornalista Leonardo Sakamoto e reproduzida no meu blog. Veja em: Ribeirinhos têm conquista histórica em área de barragens do Tapajós. 
Ribeirinhos do Alto Tapajós agora foram lembrados pela campanha eleitoral de Dilma. Fotografia: Maurício Torres
Privadas durante quase um século e meio de seu direito ao território e agora ameaçadas de expulsão pelas hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e Jatobá, as comunidades de Montanha e Mangabal agora viraram peça de propaganda da candidata Dilma Rousseff , a mesma que vetou a criação de uma resex na área e com seus projetos hidrelétricos ameaça a sobrevivência destas comunidades.
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