domingo, 21 de setembro de 2014

Governo nega direito à consulta prévia a comunidades ribeirinhas de Montanha e Mangabal

Fotografia: Maurício Torres

A comunidade tradicional de Montanha e Mangabal, no Alto Tapajós (PA), luta há um século e meio por seus direitos mais básicos. E parece que, pelo tom do atual governo, essas famílias ribeirinhas terão que gritar por mais 150 anos para terem o acesso ao que a lei lhes garante: serem ouvidos.

Suas vidas serão profundamente impactadas se nada detiver a obsessiva fixação da presidente Dilma Roussef de barrar todos os rios da Amazônia. A pretensão da usina hidroelétrica de São Luiz do Tapajós, no município de Itaituba-PA, além de submergir parte do território de Montanha e Mangabal, ainda transformaria em lago, o rio onde e do qual vivem. Isto é concreta ameaça às condições de sobrevivência do grupo no local onde têm oito gerações enterradas e onde desenvolveram e detêm um rico saber patrimonial de uso e manejo do meio.

Em 2002, o Brasil ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que, entre outras coisas, confere aos Povos e Comunidades Tradicionais – com  é o caso de Montanha e Mangabal – o direito a serem consultados antes que sejam tomadas decisões que possam afetar suas condições de reprodução materiais ou simbólicas, trata-se da consulta livre, prévia e informada. Ainda assim, parece que isso está longe de acontecer.

Em 17 de setembro de 2014, representações de Montanha e Mangabal e de índios Munduruku, outro grupo diretamente afetado pela intenção de barramento do rio Tapajós, foram à Brasília para reunião com o governo federal. Para surpresa dos ribeirinhos, Nilton Tubino, coordenador geral de Movimentos do Campo da Secretária-Geral da Presidência da República, afirmou que eles não teriam direito à consulta prévia, apenas o povo Munduruku.


A explicação ao arbítrio de Tubino estaria numa interpretação de uma decisão judicial de novembro de 2012, onde a Justiça Federal em Santarém (PA), em resposta a uma Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Público Federal, proibiu o licenciamento da usina São Luiz do Tapajós enquanto não fosse realizada consulta prévia ao povo Munduruku. Contudo a ACP impetrada pelo MPF demandou a consulta para todas as populações tradicionais, não apenas aos indígenas. 

O MPF interpôs um Agravo de Instrumento e teve seu pedido acolhido integralmente pelo Desembargador João Batista. Em seguida, o STJ suspendeu essa decisão do TRF1, mas o Ministro Félix Fischer salientou que a consulta abrange comunidades indígenas e tribais:

"Nada obstante, entendo que, para se dar fiel cumprimento aos dispositivos da Convenção, o Governo Federal deverá promover a participação de todas as comunidades, sejam elas indígenas ou tribais, a teor do seu art. 1º, que podem ser afetadas com a implantação do empreendimento, não podendo ser concedida a licença ambiental antes da sua oitiva". [voto do Ministro Félix Fischer no Agravo Regimental na Suspensão de Liminar e de Sentença 1745 PA]

Ao que parece, quando o sujeito de direitos são ribeirinhos, índios, beiradeiros, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais, o atual governo federal só cumpre a lei se for sob ordem judicial.

Saiba mais: A não gente que vive no Tapajós - Por Eliane Brum

Observação: Matéria alterada em 22 de setembro de 2014 (23h), para inclusão de informações sobre decisões judicias no âmbito de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal.
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