Mauro Zanatta, de Brasília
No centro da polêmica sobre a necessidade urgente de ampliação da presença do Estado na Amazônia, a regularização das terras da região virou o pivô de uma feroz disputa no interior do governo. Nesta semana, uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve decidir sobre a criação de uma agência executiva para substituir o papel do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nessa área. Em jogo, estão 297 mil posses em 436 municípios amazônicos, onde vivem 6,7 milhões de pessoas.
A proposta do ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, é vincular a nova agência à Presidência da República, usando a estrutura e os funcionários dos institutos de terras dos nove Estados da Amazônia Legal para executar, via convênios, um plano de regularização fundiária por meio de uma "varredura integral" das posses na região.
Amparado por movimentos sociais e por alguns ministros petistas, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) resiste à proposta de Mangabeira. Para evitar a perda de poder do instituto subordinado à sua pasta, o ministro Guilherme Cassel apresentará um "plano operacional" para tirar 67,4 milhões de hectares da situação de irregularidade que favorece grilagens de terra, alimenta a pistolagem e inibe ações de proteção à floresta.
Elaborado pelo MDA, o plano "Terra Legal" promete levantar polêmica nos bastidores do governo, sobretudo com a área ambiental. Pela proposta, obtida pelo Valor, haverá a doação aos posseiros de áreas com até 100 hectares (ou um módulo fiscal) e um processo simplificado com "valor simbólico" para posses de até 400 hectares na região (ou 4 módulos). Quem tiver até 1,5 mil hectares, terá preferência para comprar a terra pelo "valor de mercado", excluídas as benfeitorias. Acima disso, haverá licitação pública normal.
O plano prevê revogação de nove leis e dois decretos, que seriam substituídos por duas MPs, uma para a área rural e outra para regularizar as terras de 172 municípios da região. A titulação aos pequenos ocorreria sem vistoria prévia, apenas com cadastramento e georreferenciamento, o que levaria, no máximo, 180 dias, segundo Cassel - hoje, são cinco anos. Em áreas maiores, exigiriam-se vistorias, com prazo até um ano. Para ter a posse definitiva, o dono não poderá vender a terra antes de dez anos. "Em três anos, podemos regularizar todas as posses até 15 módulos", defende o ministro Guilherme Cassel.
Sem medo de piorar o clima já tenso com os colegas, Cassel ataca: "Não dá para toda semana alguém 'descobrir' a Amazônia". Ele reivindica o poder sobre o assunto. "Debatemos durante três ou quatro meses na Casa Civil, e esse é o único plano dentro do governo." No geral, Mangabeira concorda com o MDA, mas desafia os interesses do Incra.
"A tese que goza de apoio preponderante, porém não unânime, é que o governo federal deve ser representado nessa parceria com Estados e municípios por meio de uma entidade leve, enxuta, com características de agência executiva, não de agência reguladora", disse, em seminário sobre o tema. E agrega dois pontos de discórdia ao apontar problemas nos assentamentos de reforma agrária e defender a chamada varredura. "Procura-se resolver os problemas de uma só vez, já que os conflitos estão entrelaçados."
Cassel é radical ao discordar de Mangabeira. A "varredura integral" piora a burocracia porque exige a regularização de toda a gleba de terras, e não apenas dos lotes. "Se levarmos em conta o total de funcionários e a produtividade dos institutos estaduais, levaríamos 286 anos no Pará e 1.372 no Amazonas", diz. Ele defende a parceria com os Estados, mas diz que "ninguém tem capacidade técnica e operacional" para tocar o processo. "Mato Grosso, por exemplo, não resolveu nem a situação estadual", diz.
"Vamos fazer com apoio dos Estados e dos movimentos sociais".
Outra polêmica, talvez ainda mais importante, deve ficar por conta da questão ambiental porque a regularização sugerida pelo MDA será feita também em áreas desmatadas e apenas com "compromisso" de recuperação da floresta. Nos bastidores, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, resiste em aceitar um modelo genérico para a região. "Vai perder o título se desmatar após a regularização. Vamos manter a reserva legal e as APPs (Áreas de Preservação Permanente) com compromissos de recomposição florestal", diz Cassel.
Mas os ambientalistas querem mais garantias de preservação da floresta antes da concessão da posse definitiva. Em 2008, Minc e Cassel trocaram farpas públicas porque o Ibama incluiu vários assentamentos do Incra na relação dos "100 campeões" do desmatamento na Amazônia, com 229,2 mil hectares derrubados. Até agosto, o desmatamento nos assentamentos havia somado 374 km² nos 36 municípios mais devastados da região - o equivalente a quase duas cidades do Recife (PE).
Fonte: Valor Econômico, 20 de janeiro de 2009
No centro da polêmica sobre a necessidade urgente de ampliação da presença do Estado na Amazônia, a regularização das terras da região virou o pivô de uma feroz disputa no interior do governo. Nesta semana, uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve decidir sobre a criação de uma agência executiva para substituir o papel do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nessa área. Em jogo, estão 297 mil posses em 436 municípios amazônicos, onde vivem 6,7 milhões de pessoas.
A proposta do ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, é vincular a nova agência à Presidência da República, usando a estrutura e os funcionários dos institutos de terras dos nove Estados da Amazônia Legal para executar, via convênios, um plano de regularização fundiária por meio de uma "varredura integral" das posses na região.
Amparado por movimentos sociais e por alguns ministros petistas, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) resiste à proposta de Mangabeira. Para evitar a perda de poder do instituto subordinado à sua pasta, o ministro Guilherme Cassel apresentará um "plano operacional" para tirar 67,4 milhões de hectares da situação de irregularidade que favorece grilagens de terra, alimenta a pistolagem e inibe ações de proteção à floresta.
Elaborado pelo MDA, o plano "Terra Legal" promete levantar polêmica nos bastidores do governo, sobretudo com a área ambiental. Pela proposta, obtida pelo Valor, haverá a doação aos posseiros de áreas com até 100 hectares (ou um módulo fiscal) e um processo simplificado com "valor simbólico" para posses de até 400 hectares na região (ou 4 módulos). Quem tiver até 1,5 mil hectares, terá preferência para comprar a terra pelo "valor de mercado", excluídas as benfeitorias. Acima disso, haverá licitação pública normal.
O plano prevê revogação de nove leis e dois decretos, que seriam substituídos por duas MPs, uma para a área rural e outra para regularizar as terras de 172 municípios da região. A titulação aos pequenos ocorreria sem vistoria prévia, apenas com cadastramento e georreferenciamento, o que levaria, no máximo, 180 dias, segundo Cassel - hoje, são cinco anos. Em áreas maiores, exigiriam-se vistorias, com prazo até um ano. Para ter a posse definitiva, o dono não poderá vender a terra antes de dez anos. "Em três anos, podemos regularizar todas as posses até 15 módulos", defende o ministro Guilherme Cassel.
Sem medo de piorar o clima já tenso com os colegas, Cassel ataca: "Não dá para toda semana alguém 'descobrir' a Amazônia". Ele reivindica o poder sobre o assunto. "Debatemos durante três ou quatro meses na Casa Civil, e esse é o único plano dentro do governo." No geral, Mangabeira concorda com o MDA, mas desafia os interesses do Incra.
"A tese que goza de apoio preponderante, porém não unânime, é que o governo federal deve ser representado nessa parceria com Estados e municípios por meio de uma entidade leve, enxuta, com características de agência executiva, não de agência reguladora", disse, em seminário sobre o tema. E agrega dois pontos de discórdia ao apontar problemas nos assentamentos de reforma agrária e defender a chamada varredura. "Procura-se resolver os problemas de uma só vez, já que os conflitos estão entrelaçados."
Cassel é radical ao discordar de Mangabeira. A "varredura integral" piora a burocracia porque exige a regularização de toda a gleba de terras, e não apenas dos lotes. "Se levarmos em conta o total de funcionários e a produtividade dos institutos estaduais, levaríamos 286 anos no Pará e 1.372 no Amazonas", diz. Ele defende a parceria com os Estados, mas diz que "ninguém tem capacidade técnica e operacional" para tocar o processo. "Mato Grosso, por exemplo, não resolveu nem a situação estadual", diz.
"Vamos fazer com apoio dos Estados e dos movimentos sociais".
Outra polêmica, talvez ainda mais importante, deve ficar por conta da questão ambiental porque a regularização sugerida pelo MDA será feita também em áreas desmatadas e apenas com "compromisso" de recuperação da floresta. Nos bastidores, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, resiste em aceitar um modelo genérico para a região. "Vai perder o título se desmatar após a regularização. Vamos manter a reserva legal e as APPs (Áreas de Preservação Permanente) com compromissos de recomposição florestal", diz Cassel.
Mas os ambientalistas querem mais garantias de preservação da floresta antes da concessão da posse definitiva. Em 2008, Minc e Cassel trocaram farpas públicas porque o Ibama incluiu vários assentamentos do Incra na relação dos "100 campeões" do desmatamento na Amazônia, com 229,2 mil hectares derrubados. Até agosto, o desmatamento nos assentamentos havia somado 374 km² nos 36 municípios mais devastados da região - o equivalente a quase duas cidades do Recife (PE).
Fonte: Valor Econômico, 20 de janeiro de 2009