BRASÍLIA - “Nas ruas, nas praças, quem disse que sumiu? Aqui está presente o movimento estudantil”. O grito de guerra, entoado efusivamente em praticamente qualquer manifestação estudantil realizada nos últimos meses, ilustra a tentativa de estudantes engajados de esboçar uma resposta para a paralisia política atribuída ao movimento estudantil desde que os chamados caras-pintadas coloriram as avenidas do país.
Mais de 16 anos depois da saída forçada do ex-presidente Fernando Collor de Mello e muitas ocupações de reitoria depois, os estudantes, aos poucos, voltam à mostrar suas caras e, para muitos daqueles que participam ativamente desse ressurgimento, a nova fase de mobilizações encontra forças numa fonte inusitada: a quebra do monopólio da União Nacional dos Estudantes sobre a direção do movimento.
Uma das evidências indicando que a UNE hoje enfrenta concorrência para se manter na liderança dos estudantes são as eleições de Diretórios Centrais de Estudantes. Em algumas das principais universidades públicas brasileiras (confira quadro), grupos políticos de oposição à UNE, formados por estudantes vinculados à partidos menores e sem expressão parlamentar, como o PSTU, faturaram eleições recentes e fizeram as chapas encabeçadas pela União da Juventude Socialista, braço estudantil do PCdoB que há décadas comanda a UNE, amargarem derrotas dolorosas.
O caso mais recente foi também um dos mais significativos. Nas eleições para o DCE da Universidade de São Paulo, no final do ano passado, estudantes independentes e ligados ao PSTU ganharam as eleições para o diretório com mais de seis vezes o número de votos recebidos pela chapa formada por militantes do PCdoB e do PT.
– Nossa vitória expressa o fortalecimento de uma alternativa no movimento estudantil – comemora Gabriel Casoni, novo diretor do DCE da USP. – Os DCEs são importantes porque estão mais próximos dos estudantes, tem mais capacidade de diálogo com eles. Historicamente, foram os DCEs que articularam o movimento em momentos decisivos.
Outras universidades
Antes da USP, estudantes de outras instituições tradicionais, como da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Brasília (UnB) já haviam escolhido o mesmo caminho e rechaçado um DCE ligado à UNE. Não só isso, em outros estabelecimentos, como na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), chapas formadas por estudantes que integram a UNE, mas se colocam na oposição interna à sua direção, hoje comandam os DCEs.
– Na campanha, quando passávamos nas salas de aula e explicávamos para os estudantes que a chapa adversária era formada pelas figuras que não queriam à ocupação, sentíamos a reação do pessoal à UNE na hora – lembra Casoni, se referindo ao período em que estudantes da universidade tomaram a reitoria por 51 dias em maio e junho de 2007 reivindicando, entre outros pontos, a retirada de decretos do governo estadual.
As ocupações de reitoria foram o grande divisor de águas que colocou um fim ao predomínio absoluto da UNE sobre o movimento estudantil. A grande maioria delas foi motivada como forma de manifestação contrária ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o Reuni, iniciativa do governo federal de ampliação do Ensino Público Superior brasileiro apoiada pela UNE.
Na última mobilização estudantil de impacto, em que estudantes ocuparam a reitoria da UNB para exigir a demissão do então reitor da UnB, Timothy Mulholland, após denúncias de gastos irregulares com os recursos fundação de fomento à pesquisa ligada à universidade, a UNE reviu suas diretrizes anteriores e participou ativamente das atividades de ocupação.
– Mas não tenho dúvidas de que eles resolveram participar da ocupação para ver se recuperavam um pouco do filme queimado deles – ressalta Lucas Sallas, estudante de História que participou das manifestações. – O tempo inteiro eles atuavam nas assembléias para impedir que a pauta se ampliasse do reitor para o Reuni, para impedir a politização e manter o governo e seu programa intacto.
Entidade recebeu R$ 4,4 milhões dos cofres públicos
A proximidade entre a UNE e o governo federal é um dos aspectos mais criticados por grupos insatisfeitos com os rumos da entidade. Além da defesa de muitas das políticas governamentais, a questão do repasse de verbas federais para a entidade é apontada por muitos como um fator a minar a postura contestatória que historicamente foi a marca da UNE.
Em 2008, de acordo com dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), foram R$ 4,4 milhões diretamente para os cofres da entidade. Quase R$ 3 milhões sob a rubrica “Gestão da Política de Saúde”, do Ministério da Saúde, e o restante em outras como “Cultura, Identidade e Cidadania” e “Engenho das Artes”, do Ministério da Cultura. Oficialmente, são recursos que auxiliam a entidade a realizar iniciativas de interesse público como a “Caravana da Saúde da UNE” e eventos culturais.
– O problema não é contestar ou não o governo – avalia Vladimir Palmeira (PT-RJ), um dos principais líderes do movimento estudantil nos anos áureos da UNE, na década de 1960. – Não é uma questão específica da UNE. O conjunto das vanguardas políticas estudantis há muito não consegue dar soluções para o movimento. Elas reproduzem experiências do passado e formulam demandas inadequadas que pouco tem a ver com o cotidiano do estudante.
Segundo Palmeira, outro problema é que alguns líderes do movimento se afastam dos estudantes porque estão mais interessados em utilizar a entidade como uma espécie de trampolim para uma carreira política.
– Às vezes, o líder estudantil só está interessado em fazer uma pré-carreira política e ser eleito vereador ou algo parecido logo – critica. – É preciso discutir como a universidade vai interagir com a sociedade e como vai servir ao desenvolvimento do país. Mas essa reflexão hoje é abaixo da crítica.
Fonte: Jornal do Brasil - País 11-01-2009
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