segunda-feira, 6 de maio de 2013

Congresso reage a envio de Força Nacional sem aval de Estados

João Pimentel (de óculos), diretor de relações institucionais da Norte Energia em conversa com seus "comandados" no interior do canteiro ocupado pelos indígenas em Belo Monte.

A oposição e integrantes de movimentos sociais começaram a articular uma reação à decisão do governo federal de liberar o envio da Força Nacional aos Estados sem necessariamente haver a concordância dos governadores. O Ministério da Justiça afirma que o pacto federativo não será ferido pela iniciativa, a qual em segmentos do meio jurídico e de movimentos sociais já começa a ser classificada como a criação da "guarda pretoriana" da presidente Dilma Rousseff ou de uma "intervenção disfarçada" para assegurar a execução de grandes obras de infraestrutura. 

A medida consta de um decreto presidencial editado em março, que tem como objeto direto a gestão integrada das forças de segurança para a proteção do meio ambiente. No meio de um dos seus 13 artigos, porém, um pequeno trecho liberou o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em qualquer parte do território nacional a pedido de um ministro de Estado. Antes, de acordo com um decreto publicado em 2004, o envio das tropas só poderia ocorrer com a solicitação expressa do respectivo governador do Estado afetado ou do Distrito Federal. 

Representantes dos movimentos sociais ligados aos direitos humanos e aos povos indígenas começaram a criticar a medida, que inicialmente passou despercebida. Como resultado, o Senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) apresentou um projeto de decreto legislativo que visa sustar o decreto da presidente Dilma Rousseff de número 7.957/2013. A proposta aguarda um relator na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, e o parlamentar quer vê-la tramitando também na Comissão de Direitos Humanos. Para ele, esse último colegiado deve ser mais sensível ao tema. O mesmo foi feito pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP) na Câmara. 

"A chave para compreender a mudança é que, até o mês passado, era preciso "solicitação expressa do respectivo governador de Estado ou do Distrito Federal" para motivar o envio da Força Nacional de Segurança Pública a qualquer parte do país, por tratar-se essencialmente de um programa de cooperação federativa entre Estados e União", destacou o Senador do PSOL na justificativa do projeto de decreto legislativo, lembrando que a Constituição só abre exceções para a União quando há intervenção num Estado ou decreto de estado de defesa nacional. "Esta alteração é uma afronta à Constituição, pois permite ao governo federal enviar a Força Nacional de Segurança Pública para qualquer parte do território nacional sem a aquiescência do ente federado responsável pelo policiamento ostensivo e manutenção da ordem pública." 

O governo nega qualquer irregularidade. Segundo a secretária nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Regina Miki, a medida só será colocada em prática quando for necessário proteger um bem, servidores ou uma área da União, como o meio ambiente ou defensores da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. 
"O decreto prevê, dentro da alçada de cada ministro, que a gente possa enviar [a Força Nacional]", explicou Regina Miki. "Não mexe com o convênio Força-Estado, não fere a competência dos Estados." 

A secretaria assegurou que o Ministério da Justiça ainda não recebeu reclamações ou queixas dos governos estaduais. "É sempre muito pactuado. A gente nunca teve problemas com isso", disse ela, referindo-se ao envio das tropas aos Estados. "A gente preserva e tem o pacto federativo em mente." 

Em relação à atuação da Força Nacional no setor de infraestrutura, a secretária ponderou que as tropas não atuam para proteger as obras em si ou trabalham diretamente para os empreendedores, mas têm a missão de garantir a segurança de índios ou pesquisadores que estiverem nessas regiões. "É para atuar dentro da competência da esfera federal", argumentou. 

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, já se aproveitou da nova regra e pediu o envio da Força Nacional para assegurar o trabalho de técnicos que realizam estudos para a execução de obras no rio Tapajós. Como grupos indígenas resistem a esses projetos, o Senador Randolfe Rodrigues acredita que tal fato demonstra que a real intenção do Executivo é "impedir as manifestações dos povos da floresta contra a construção de hidrelétricas em suas regiões" e de "trabalhadores vítimas de superexploração por parte dos consórcios construtores das obras".

Segundo a secretária de Segurança Pública do Ministério da Justiça, porém, outros ministros podem fazer o mesmo. Ela citou como exemplo a possibilidade de o governo assegurar o bom andamento da aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a qual já enfrentou problemas em anos anteriores. "O ministro [Aloizio] Mercadante poderia ter pedido o envio da Força Nacional", exemplificou. 

Para o advogado João Rafael Diniz, que é ligado ao grupo Tortura Nunca Mais, a medida até agora não provocou uma crise entre o governo federal e os Estados porque a Força Nacional só tem atuado nos termos do decreto para garantir a realização de grandes projetos de infraestrutura. A execução das obras também é de interesse dos governos estaduais, argumentou o advogado. "É um equilíbrio muito tênue e arriscado, porque você acaba relativizando o pacto federativo no que se refere à segurança pública", disse Diniz, para quem na prática foi criado um estado de exceção permanente no país. 

Fonte: Valor (fotografia não incluída na matéria original)


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