sábado, 28 de maio de 2016

Por que ianomâmis fizeram ritual por saída de Jucá

Senador foi presidente da Funai nos anos 1980 e, segundo índios, não deixou saudade - Agência Senado

Por João Fellet*

Quando o senador Romero Jucá (PMDB-RR) foi nomeado ministro do Planejamento do governo interino de Michel Temer, xamãs e lideranças do povo ianomâmi recorreram a “espíritos da natureza para pressionar a alma” do político e tentar fazê-lo desistir do posto, conta à BBC Brasil o jovem líder Dário Kopenawa Yanomami.
Coordenador da associação Hutukara, sediada em Boa Vista, Roraima, Yanomami diz que o grupo temia o avanço de propostas do ministro – para ele, “o maior inimigo dos povos indígenas do Brasil”.
“Deu certo”, ele comemora, citando o afastamento do político nesta segunda, após vir à tona uma gravação em que propunha um pacto para derrubar a presidente Dilma Rousseff e frear a Operação Lava Jato.
A relação problemática de Jucá – presidente nacional do PMDB – com os ianomâmis foi citada no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2015.
Em capítulo sobre violações de direitos humanos de povos indígenas, o relatório diz que a gestão do político como presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), entre 1986 e 1988, resultou no “caso mais flagrante de apoio do poder público à invasão garimpeira”.
A entrada dos garimpeiros no território de Roraima ganhou impulso em 1986, quando o governo federal ampliou uma pista de pouso na área, na fronteira do Brasil com a Venezuela.
A obra facilitou o ingresso dos invasores, que no fim da década chegavam a 40 mil e construíram mais de uma centena de outras pistas.
Segundo o relatório da CNV, alertado repetidas vezes sobre a invasão, Jucá não só deixou de agir para combatê-la como a estimulou.
“Comunidades inteiras desapareceram em decorrência das epidemias, dos conflitos com garimpeiros, ou assoladas pela fome. Os garimpeiros aliciaram indígenas, que largaram seus modos de vida e passaram a viver nos garimpos. A prostituição e o sequestro de crianças agravaram a situação de desagregação social”, afirma o documento.
Estima-se que até um quarto dos ianomâmis tenham morrido por efeitos diretos ou indiretos do garimpo, que ampliaram a cobrança internacional para que os invasores fossem expulsos e o território, demarcado.
Diante da pressão, segundo o relatório da CNV, Jucá expulsou ONGs e missões religiosas estrangeiras que prestavam o atendimento à saúde dos indígenas, alegando que os grupos estavam insuflando as comunidades contra os garimpeiros e que os estrangeiros ameaçavam a soberania nacional. Também foram expulsos missionários brasileiros que atendiam os índios.
Sem qualquer cuidado médico nas aldeias por um ano e meio, os casos de malária entre os ianomâmis cresceram 500%, diz a CNV.
“Além da omissão por não tirar os garimpeiros, Jucá agiu para tirar pessoas que davam remédio e faziam atendimento de saúde no meio do momento mais dramático da história dos Yanomami”, diz à BBC Brasil Rogério Duarte do Pateo, professor de antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor do trecho do relatório da CNV sobre o grupo.
A expulsão das equipes de saúde foi denunciada à Comissão de Direitos Humanos do Conselho Econômico e Social da ONU, que cobrou explicações do Brasil.  Profissionais de saúde só retornaram ao local quando uma comissão liderada pelo senador Severo Gomes furou o bloqueio ao território e verificou a grave situação sanitária do povo.
Ianomâmi considera Jucá o "maior inimigo dos povos indígenas do Brasil" - Marcos Wesly/ISA
Índios ‘aculturados’
Um levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) lista outras ações polêmicas de Jucá na Funai, como autorizações suas à exploração de madeira em terras indígenas e uma portaria que restringia direitos de índios falantes de português, considerados “aculturados”.
Em 1996, em seu primeiro mandato como senador por Roraima, Jucá apresentou um projeto de lei para regulamentar a exploração mineral em terras indígenas. Após idas e vindas, a Câmara dos Deputados criou, em junho de 2015, uma comissão para analisar a proposta.
Em agosto, a revista Época revelou que a mineradora Boa Vista, que tem como sócia majoritária Marina Jucá, filha do senador, havia pedido ao Departamento Nacional de Produção Mineral autorização para explorar ouro em nove minas com trechos em terras indígenas.
Segundo a revista, Jucá negou qualquer relação com a empresa da filha. O senador não respondeu às perguntas da BBC Brasil sobre sua atuação na Funai e o relatório da CNV.
Ameaças de morte
Dário Kopenawa Yanomami diz à BBC Brasil que perdeu avós e parentes na invasão dos garimpeiros nos anos 1980. Ele afirma ainda que a atividade provocou danos ambientais irreversíveis.
“Teve um impacto muito grande no subsolo dos Yanomami: estragou rios, igarapés, deixou muita sujeira dentro da terra.”
E apesar de sucessivas operações para a expulsão dos invasores, o garimpo jamais foi erradicado no local. O pai de Yanomami, o xamã Davi Kopenawa, diz ser alvo de ameaças de morte frequentes por se opor à atividade.
Uma pesquisa recente da Fiocruz em parceria com o ISA revelou que, em algumas aldeias ianomâmis, o índice de pessoas contaminadas por mercúrio proveniente do garimpo chega a 92%.
Em julho de 2015, uma operação da Polícia Federal denunciou 600 garimpeiros, 30 empresas, 26 comerciantes de Boa Vista e cinco servidores públicos por envolvimento num esquema ilegal de exploração de ouro dentro da terra ianomâmi.
Segundo a polícia, o garimpo dentro do território movimentou R$ 1 bilhão entre 2013 e 2014.
*Fonte: BBC - Brasil

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