sexta-feira, 3 de julho de 2009

Concessão ou recolonização?


Por Edilberto Sena*

Em 2006 o governo brasileiro decidiu acabar com a invasão de grileiros nas florestas da Amazônia. Hoje, em Santarém, o órgão oficial, encarregado desta missão, titulado “Serviço Florestal Brasileiro”, vai abrir a licitação para arrendamento da floresta Saracá-Taquera, na região confluente de Faro, Terra Santa e Oriximiná, no Pará. Serão mais de 150 mil hectares de floresta oferecidas a quem tiver dinheiro e disposição de arrendar por 40 anos.

Isto é, o governo brasileiro conclui que, se é de os grileiros invadirem as florestas públicas e roubarem seus produtos, é preferível arrendar as florestas e assim, ao menos o governo arrecada um dinheirinho do aluguel. Os grileiros deixam de ser bandidos e ficam legalizados. Simples, muito simples opção para o pessoal de Brasília. Afinal, pensam eles, estão tirando as riquezas de qualquer maneira...

Quem arrendar os mais de 150.000 hectares de Saracá-Taquera terá direito a usufruir lucros da venda de castanha, óleos, madeira e madeira, entre outros produtos lá existentes, como também poderá explorar o turismo “ecológico”. Tudo isso, durante 40 anos. Até o final desse tempo de aluguel, já morreram o presidente da república, o ministro do meio ambiente, o chefe do serviço florestal e muito provável também, terá morrido a floresta e suas riquezas.

Como essa opção do governo é extremamente perversa para os povos da região e os bens da floresta, o Serviço Florestal já veio a Faro, Oriximiná, Terra Santa e Santarém fazendo “audiências públicas” para persuadir as populações da região de que as boas intenções do governo são baseadas em cuidados científicos que garantem que tudo estará sob controle, que não haverá prejuízos para os nativos e que é a melhor opção para proteger a Amazônia. Tudo sem direito a discordâncias locais.

O decreto presidencial (que se duvida que Luis Inácio tenha lido todo o decreto e entendesse o que está escrito e assinou), parece uma peça literária perfeita, como aliás as leis ambientais brasileiras são consideradas as mais bem acabadas do mundo.

Lá está garantida a prevenção de exploração ilegal de madeiras; prevenção de impactos sócio ambientais; proteção de espécies ameaçadas de extinção, entre outras regras. Mas não explicam como terão fiscais suficientes para garantir o cumprimento das regras do arrendamento. Ora, o Instituto Chico Mendes hoje não garante nem fiscalizar as unidades de conservação; o IBAMA só garante facilitar a aprovação de construções de hidrelétricas, suspeitas de violação de leis ambientais, como é que o serviço florestal vai supervisionar por 40 anos as florestas arrendadas? E é de se lembrar que o plano é arrendar mais florestas onde houver, no Amazonas, no Pará, no Amapá, etc.

Quem garante que o arrendatário vai pagar aluguel sem tirar lucros? E como vai tirar lucros sem explorar tudo que lhe for rentável? O governo vai se fiar na honestidade e na ética do arrendatário? Ora, se nem em senadores e deputados se pode mais confiar em comportamento ético, em que mesmo vai ter garantia o governo de que as florestas arrendadas não sofrerão danos ao longo dos 40 anos? Ingenuidade do governo? Não se pode admitir.

Visão colonialista da pior espécie portuguesa reencarnada nas autoridades de Brasília, isso é o mais certo. Mas quem sofrerá as conseqüências são as populações tradicionais que vivem ao redor das florestas arrendadas e a própria Amazônia. O que causa indignação é a indiferença e a passividade da
sociedade amazônida.

*Padre diocesano, blogueiro, militante da FDA e outras atividades nas horas vagas. Editorial de 30.06.009 na Rádio Rural AM de Santarém.
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