Cinco mil índios kaiapó deverão se deslocar de Mato Grosso até Altamira para engrossar as manifestações contra a construção da barragem da usina hidrelétrica de Belo Monte. Os indígenas deverão se concentrar na área conhecida como Volta Grande do Xingu, uma grande curva do rio, que será cortado por uma barragem, segundo o projeto de construção da hidrelétrica.
“Eles não vêm para dançar nem para falar para microfones. Vem preparados para a guerra”, afirmou o líder indígena Luís Xipaia, que durante a semana passada coordenou a ocupação da sede da Funai em Altamira, em protesto contra a desarticulação da administração da Funai no município.
“A gente não entende bem essas questões de justiça. O que nós entendemos é que não vamos mais sentar na mesa para discutir Belo Monte. Para nós, tanto faz se o governo disse que liberou a licença-prévia ou não, se vai ter leilão. Isso não nos interessa. A única solução para nós é nos manifestarmos de forma diferente”, afirmou Luís Xipaia. Essa forma diferente deve ser a ocupação da área que o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc disse que era desabitado por indígenas. “Vamos mostrar a ele que tem índio lá”, afirmou Xipaia.
A idéia é que Volta Grande do Xingu se torne uma grande aldeia com várias etnias, o que praticamente inviabilizaria os planos de se construir uma hidrelétrica naquela que é considerada uma das mais ricas áreas de biodiversidade do planeta. “Para construir a barragem terão que passar por cima de nós”, alertou Luís Xipaia.
Segundo o bispo do Xingu e presidente do Conselho Missionário Indigenista, Dom Erwin Kraütler, o derramamento de sangue não é a melhor saída, mas a ação indígena é justa. “Ao defender Volta Grande, os Kaiapó estão defendendo o próprio futuro, a própria terra. O Xingu todo será sacrificado. Nossa luta é evitar o primeiro passo”, afirmou.
SOB AS ÁGUAS
“Esse pessoal pensa que prender um rio é como prender um boi. Não tem como segurar a água. Se prende num canto ela vai para outro”. O raciocínio simples, mas direto, de Celso Albertino da Silva, morador da Transamazônica há 20 anos, resume o receio de grande parte dos que vivem sob a influência do rio Xingu. O travessão onde Celso vive e planta cacau e pimenta e cria gado, é uma área que, de acordo com o projeto, vai virar uma espécie de cuia, com as bordas – os morros- sendo o único ponto não alagado. Isso porque são nesses travessões, em localidades como Paquisamba, por exemplo, que o rio será desviado, formando imensos lagos. “Estamos com muito medo de perder as coisas todas”, diz ele.
O medo e a indefinição é maior ainda entre as famílias que moram em pequenas ajuntamentos às margens do rio Xingu. No Paratizão mora a família de Emerson Nascimento Pessoa. Ele nasceu ali, entre as pedras do rio e as plantações de cupuaçu. “Fui criado na beira do rio. Não tenho vontade de sair daqui”, diz.
Emerson tem 26 anos e três filhos pequenos que cria com a mulher Silmara Mendes Costa, a Caçulinha. “Ave Maria, se a gente sair daqui vai ser uma tristeza”, diz ela. Os pais de Emerson, que moravam logo ao lado, abandonaram a casa em que viviam, já desiludidos com o que pode vir a acontecer. “Eles quiseram sair antes pra não ter que ver isso aqui perdido”, diz Emerson.
“Algumas famílias estão abandonando os locais onde sempre viveram. É por isso que eu acho que esse projeto vai acabar com a gente”, diz Maria de Fátima, 47 anos. Fátima foi criada ali, na beira do rio. Assim como ela, a filha Joelma também. “Eu nasci aqui”, diz ela. “Meus dois filhos também. E eu quero criar todos eles aqui mesmo”, afirma.
Maria de Fátima é enfática. “Eles querem jogar nós no sofrimento. Dizem que não vai atingir ninguém, mas já veio gente da empresa e mostraram que vai alagar tudo por aqui. Para onde nós vamos?”.
Na localidade de Arroz Cru, mais acima no rio Xingu, Francélia Nogueira da Costa, 50 anos, é uma das mais intensas combatentes contra a usina. Francélia sempre viveu da roça. O marido pesca. “Eu nasci numa ilha e me criei no beiradão desse rio. Estou desanimada com essa história. Não falam em indenização. Só falam que as pessoas vão ser asseguradas, mas não em dinheiro. Como é isso?”.
“É tudo uma tapeação”, diz Antônia Melo, da Organização Não Governamental Viver, Produzir, Preservar, uma das mais atuantes contra a usina hidrelétrica de Belo Monte. Antônia Melo critica a ação da Eletronorte. “Eles fizeram contato com moradores e prefeitos, propondo barganhas e compensações para as entidades de classe, as organizações populares, as comunidades indígenas e os dirigentes de órgãos públicos, com o claro objetivo de romper com qualquer ação de resistência ao projeto de barragem do rio Xingu”, diz.
O DIÁRIO foi até a sede da gerência da Eletronorte para Belo Monte, em Altamira, mas o escritório estava fechado.
Reunião fechou resistência. Altamira está dividida
No último sábado, representantes de diversas organizações ligadas a movimentos sociais reuniram na sede da Prelazia do Xingu. O objetivo era definir estratégias de ação contra Belo Monte. “Temos de impedir a construção da primeira barragem. Porque depois da primeira, com a usina não rendendo o que eles querem e sabem que não irá ser possível acontecer, virão a segunda, a terceira e a quarta barragem. Esse é o objetivo deles”, disse Dom Erwin Kraütler, o bispo do Xingu.
Em Altamira, as opiniões são divididas. Quem trabalha de alguma forma com o comércio é favor da construção da usina. “É mais gente que virá e a cidade vai crescer”, diz um taxista. A construção da barragem, em pleno auge, deverá gerar 20 mil empregos diretos. Ao final da obra, serão menos de dois mil. O impacto social disso ainda não foi devidamente mensurado.
“Não há na história nenhum registro de construção de barragem que não tenha gerado consequências sérias e irreversíveis para as populações locais”, diz a antropóloga Sônia Magalhães.
Há ainda os impactos ecológicos. Um estudo feito pelo biólogo da Universidade Federal do Pará em Altamira, Hermes Ferreira, mostra que a diversidade de peixes só na área onde será construída a barragem é maior que a da Europa. É um ecossistema único devido a uma barreira natural formada pelas cachoeiras. “É tão único que está determinado como área de preservação permanente. Uma área que não foi estudada”, diz a antropóloga. “De qualquer perspectiva que se olhe, social ou ambiental, não se sabe o custo de Belo Monte. Essa é a realidade”, resume Sônia Magalhães.
Fonte: Diário do Pará/Amazônia.org
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Índios farão aldeia em área a ser alagada
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Postado por
Cândido Cunha
às
8.2.10
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