Cinco anos após a morte da freira americana, mais de 300 manuscritos da missionária chegam à Justiça e fecham o cerco contra seus assassinos
Hugo Marques*
Ao fim de longas viagens por estradas quase impenetráveis da Amazônia, a pé, no fusca da prelazia ou na garupa da moto de algum colono, a missionária Dorothy Stang costumava redigir cartas de próprio punho. Nos documentos, aos quais ISTOÉ teve acesso, Dorothy fala sobre a grilagem e a pistolagem na região. O acervo da freira é explosivo para os criminosos locais e revela o perfil de uma missionária determinada no enfrentamento ao crime organizado em um Estado ausente. Destacam-se as denúncias contra um dos apontados como mandante de seu assassinato, o fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, conhecido na região como “Taradão”, que está solto à espera de julgamento. Uma das cartas, em tom de dossiê, foi redigida no dia 25 de janeiro de 2005, um mês antes de sua morte. O documento denuncia a invasão da casa de um posseiro da região, Luis Morais de Brito, na gleba 55 de Bacajá, em Anapu. Nele, o fazendeiro Regivaldo é acusado de envolvimento com a grilagem local. “O seu gerente Dominguinho declarou que Zé Roberto comprou de Taradão. Desde 4 de novembro ele aterroriza com homens armados, queimando as casas dos posseiros”, escreveu Dorothy na carta que, hoje, está em poder da Corregedoria-Geral de Polícia do Pará.
A missionária redigiu mais de 300 cartas, quase sempre anexando a elas as ocorrências policiais registradas por ela nos anos que antecederam sua morte. Parte dos documentos foi responsável por prejuízos milionários ao grupo que daria fim à vida da freira. O enfrentamento mais duro de Dorothy ao grupo de Regivaldo iniciou-se em 2004. Um manuscrito, de novembro daquele ano, detalha de maneira concisa as ameaças dos pistoleiros: “Quinta-feira, 4 de novembro, o gerente Dominguinho, armado de revólver 38 com dois homens de espingarda 20 ameaçaram 7 posseiros de sair imediatamente do lote 57 da gleba Bacajá de Anapu”, escreveu ela. Em seguida, a missionária lembra que Regivaldo esteve envolvido na derrubada clandestina de madeira na área. O material foi enviado à Procuradoria da República e serve de subsídio para investigações sobre sua morte. Em outra carta, hoje em poder do Incra e Ibama, a freira explica outras ações de Regivaldo, como a invasão da área na qual ela seria assassinada: “Lote 55: Invadida por Taradão trabalho escravo multado 6/2004 vendeu para ‘Bida’ Vitalmiro Bastos de Moura derrubou e queimou 1.000 hectares (3 milhões de multa)”, diz o documento. Na quinta-feira 4, o STJ julgou habeas corpus e mandou Bida de volta à prisão. Ele está condenado a 30 anos de cadeia pelo envolvimento no assassinato da freira. Na terça-feira 9, a Justiça do Pará decidiu que Regivaldo será julgado em Belém e não em Bacajá, mas não marcou data.
Segundo as ocorrências policiais, obtidas por ISTOÉ, em junho de 2004, Dorothy compareceu à Divisão de Investigação e Operações Especiais da Polícia Civil do Pará e denunciou, além de Regivaldo, mais dez pessoas, entre fazendeiros e capangas. “Regivaldo Pereira Galvão, conhecido como Taradão, contrata homens que utilizam máquinas para derrubar a floresta e incendeia e mata, expulsando os colonos da área”, narrou Dorothy ao delegado Aurélio Rodrigues de Paiva. O delegado perguntou se a missionária tinha sido ameaçada. “Alguns moradores da cidade de Anapu (PA) têm comentado que madeireiros e fazendeiros da região irão lhe liquidar”, registra a ocorrência feita pela missionária Dorothy Stang. Como resultado das denúncias da freira, em outubro daquele ano uma operação do Ibama apreendeu maquinário e madeiras de Regivaldo. O fazendeiro havia destruído 500 hectares de mata.
Dorothy pedia segurança ao governo do Pará desde 2003. Requisitava investigações sobre empresas de fachada que, segundo ela, funcionam como milícias, como a empresa Marca, que teria provocado três tiroteios com os posseiros. “Agora essa firma vem criando terror”, denunciou a freira. Em 2004, ela escreveu ao Incra. Na carta, um pedido para agilizar os projetos de desenvolvimento sustentável na região. “Se não agir urgentemente com rapidez, a grilagem toma e os inescrupulosos fazendeiros derrubam rapidamente as matas.” Em abril de 2004, Dorothy chegou a enviar ao então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, uma carta intitulada “Lavradores de Anapu pedem socorro urgente”. A carta é assinada também pela Fetagri e pela Fundação Viver.
Após o Carnaval, todo este material, organizado pela ONG Público Interesse, será entregue ao Ministério da Justiça e à Secretaria Especial de Direitos Humanos. Para a Congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur, os crimes que vinham sendo denunciados por Dorothy continuam ocorrendo e seguem impunes, inclusive a morte da missionária. O relatório da ONG vai dizer que as fraudes documentais e o uso da violência dos capangas de Regivaldo no lote 55 são apenas um exemplo do que ocorre em toda a região. Regivaldo enganou a Justiça Federal e deu sete versões sobre a posse do lote 55 da gleba Bacajá, onde morreu a freira, o que causa revolta entre as pessoas que dão continuidade ao trabalho de Dorothy. “O crime organizado está destruindo a Amazônia”, lamenta a irmã Rebecca Spires, que trabalhou com a missionária. “A irmã Dorothy foi grande heroína, que estava perto de desmascarar o crime organizado e por isso foi eliminada.”
*Fonte: Revista IstoÈ 17/2/2010
domingo, 14 de fevereiro de 2010
1 Comentários
1 comentários:
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Mas essa revista ISTO É é muito fraca...publicando cartas da freira de quando ela ainda era viva???? Será que eles não sabem que ela continua se comunicando com os vivos? que inclusive enviou várias cartas, três anos depois de ter sido assassinada, para o CHEFE DA UNIDADE AVANÇADA DO INCRA EM ALTAMIRA?
CARTA DE "VIVO PARA VIVO" É FÁCIL, DIFÍCIL É DE "MORTO PARA VIVO"...E ESSA ELES NÃO PUBLICARAM. - 20 fevereiro, 2010
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