Por Sérgio Roxo*
Cinco anos após o assassinato da missionária americana Dorothy Stang, a situação em Anapu não mudou muita coisa: os conflitos agrários estão ainda mais tensos e o desmatamento segue impune
Cinco anos depois da morte da freira Dorothy Stang pouca coisa mudou na cidade de Anapu, no Pará. Os conflitos pela posse de terra estão ainda mais tensos e a ofensiva dos madeireiros contra a floresta segue a todo vapor. O relato é de irmã Jane Dwyer, 69 anos, missionária que ocupa o lugar deixado pela religiosa assassinada. Irmã Jane coloca o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Secretaria do Meio Ambiente do Pará entre os responsáveis pela atual situação.
“A situação é pior porque o povo está mais organizado e enfrenta. A reação dos fazendeiros e madeireiros é mais agressiva também. Eles têm apoio do governo local. O povo se junta e luta para defender a sua vida, mas a vida está até mais ameaçada hoje aqui do que quando Dorothy estava viva”, disse a missionária, que assim como a colega morta, é americana naturalizada brasileira.
As disputas estão concentradas nos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança e Virola Jatobá, idealizados para unir assentamento de sem-terra e área de preservação. Do total da área, apenas 20% poderiam ser utilizados para criação de gado e agricultura. No restante do lote, a vegetação nativa teria que ser mantida, sendo liberada apenas a extração vegetal, de castanha e açaí, por exemplo. Dorothy foi morta no PDS Esperança.
“O problema é que o Incra coloca o povo na terra, mas não faz o trabalho jurídico que assegura essas terras. O Incra é ausente”, diz irmã Jane.
Os conflitos na região têm origem na década de 70, quando o governo federal autorizou fazendeiros a ocuparem terras devolutas, que pertencem à União, dentro do programa de ocupação da amazônia. No início dos anos 2000, as mesmas áreas passaram a ser usadas para assentar sem-terra. Os fazendeiros iniciaram então uma ofensiva para provar ter a posse da terra.
A missionária Jane diz que muitos se valem de escrituras falsas, são os chamados grileiros.
E na briga para ocupar a terra, vale tudo, de acordo com a sucessora de Dorothy. Os grileiros chegam a sabotar as roças plantadas pelos assentados na região. “O povo (assentados) plantou cacau, mandioca, arroz e feijão. E desde 2000, um grileiro joga capim de avião na floresta em cima das roças dos trabalhadores (para matar a plantação). Neste ano, ele deixou de usar avião por causa das denúncias, mas cortou a cerca que protege a roça e colocou 200 cabeças de gado lá dentro. Se as pessoas reagem, ele e seus funcionários são violentos. O povo vive nesta tensão”, afirmou.
A religiosa conta que nem uma placa que tinha como objetivo homenagear a sua colega assassinada em 2005 foi respeitada. “Em maio do ano passado, o Incra colocou uma placa numa árvore no local em que Dorothy foi morta, no lote 55 do PDS Esperança, falando na memória de todos os mártires da terra na amazônia. Em julho, quando voltamos ao local, a placa estava toda marcada de bala. Isso é uma ameaça.”
Jane também relata ser testemunha da derrubada rotineira da floresta nativa. E acusa a Secretaria do Meio Ambiente (Sema) do Pará de autorizar a retirada de madeira de um lote do PDS Birola Jatobá que está sob disputa.
A Sema do Pará diz que é a associação de assentados do PDS Virola Jatobá que tem a autorização para fazer a retirada de madeira do local. A Superintendência do Incra em Santarém, responsável pelo município de Anapu, informou que não está inerte em relação à regularização dos PDS Esperança e Jatobá e à retomada dos contratos de alienação de terras públicas.
A punição aos acusados de matar Dorothy também depende da Justiça. Um dos acusados de ser o mandante do crime, Regivaldo Pereira Galvão, Taradão, ainda não foi julgado e segue solto. O outro mandante, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, foi condenado a 30 anos, mas recorreu e será julgado novamente no próximo dia 31 de março.
* Fonte: O Globo
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