quinta-feira, 10 de abril de 2008

A nova cara da fome no Século 21

Lali Cambra

O México foi um dos primeiros, no ano passado, com o protesto pelo preço do milho. Mas nos últimos meses o desespero de muitos cidadãos devido ao custo de produtos básicos derivou em protestos violentos em países de todo o mundo: Indonésia, Mauritânia, Marrocos, Iêmen, Guiné, Moçambique, Senegal e, na semana passada, Camarões e Burquina-Faso. Marchas da fome que acabaram com centenas de detidos e dezenas de mortos em confrontos com a polícia. Dois na Mauritânia, 12 no Iêmen e mais de uma centena em Camarões, segundo as organizações de direitos humanos, à falta de uma contagem oficial, desde que começou a revolta há cerca de dez dias.

"É a nova cara da fome. Há comida nos supermercados, mas as pessoas não podem comprá-la. Há uma vulnerabilidade nas áreas urbanas que não tínhamos visto antes e revoltas em países nos quais nunca ocorreram", alertava ontem Josette Sheeran, diretora do Programa Mundial de Alimentos da ONU, em Bruxelas. A ONU pediu ajuda à comunidade internacional para conseguir US$ 500 milhões em ajudas para os países mais pobres enfrentarem a carestia.

Sheeran advertiu que se os preços continuarem tão elevados a agência será incapaz de prosseguir seu programa, que alimenta 73 milhões de pessoas em 81 países -somente 10% dos desnutridos do mundo- e que tem um déficit de US$ 500 milhões causado pelo aumento de preços. A diretora explicou ao Parlamento Europeu que as reservas do programa estão em seu nível mais baixo em 30 anos, com somente 53 dias de reservas para emergências.

A última das revoltas, a de Camarões, começou com uma greve de taxistas que protestavam contra o preço da gasolina em Duala, a capital econômica. "A população se uniu devido ao aumento do custo de alimentos como farinha ou arroz", explicou o jornalista Dibussi Tande. "O pão é básico na dieta deste país; nas províncias de língua francesa a maioria das famílias pobres vive só de pão. E o arroz é fundamental em todo o território. Um aumento de preços significa que muitas famílias vão dormir com fome", afirma. O caos, a pilhagem e os incêndios de postos de gasolina se estenderam de Duala a Iaundé, a capital, que em poucos dias ficou inundada de cartazes nos quais se liam mensagens como "Sim à vida menos cara". De acordo com organizações de direitos humanos, mais de cem pessoas morreram nos choques com a polícia e o exército de um país que se transformou em uma barricada.

Tudo se explica com uma simples equação. O crescimento econômico geral, especialmente na Índia e na China, representou um aumento da demanda de alimentos, não só de cereais, mas também de carne e leite, de acordo com um estudo de Joachim von Braun, diretor do Instituto Internacional para Pesquisa de Políticas de Alimentação. "Isso representa um aumento de preços nas rações animais. O trigo, o leite e a manteiga triplicaram de preço desde 2000 e o frango, o arroz e o milho custam o dobro", comenta. A isto somam-se os polêmicos cultivos para produzir combustível: "O destinado ao consumo humano ou animal aumentou entre 4% e 7% desde 2000, o de biocombustível 25%, com especuladores financeiros no meio que causam maior volatilidade nos preços". Finalmente, há o efeito da mudança climática, da qual Von Braun pinta um panorama devastador: "Inundações e secas representam a perda de colheitas sobretudo na África; em 2020 o Produto Interno Bruto global da agricultura sofrerá perdas de até 16%; um aumento de temperaturas de 3 graus corresponde a um aumento de preços dos alimentos de até 40%. Muitos países em desenvolvimento dependerão mais das importações".

Não é de estranhar que os que já dependem de importações sejam os primeiros a se rebelar. O protesto popular em Burquina Fasso começou na semana passada em Bobo-Dioulasso (264 detidos e acusações de torturas e detenções ilegais por parte de organizações de direitos humanos) devido à passividade do governo em atacar os aumentos de preços entre 16% e 40% dos alimentos e da gasolina. As manifestações se reproduziram na quinta-feira na capital, Ouagadougou, tomada pelo exército. "Agora está mais tranqüilo, as pessoas não podem perder dias, sobretudo porque a maioria trabalha no setor informal", explica o jornalista John Liebhardt. "O sabão, a gasolina, arroz, açúcar, milho estão nas nuvens. Embora o crescimento econômico do país seja bom, de 6%, e se vejam butiques caras e carros enormes, cabe se perguntar se isso beneficia a maioria da população."

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Publicado em El País - 08/março/2008
Fonte: www.cecac.org.br
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