terça-feira, 1 de abril de 2008

As águas do Cariri

ROBERTO MALVEZZI (GOGÓ)
As imagens do Ceará e Paraíba se afogando em águas chama a atenção. Há muitos anos atrás, dois compositores cearenses – Nelinho e Gordurinha - criaram "Súplica Cearense", um dos mais belos clássicos da música nordestina. Ao contrário das demais que abordam os problemas da seca da região, essa abordava o excesso de águas. Mais tarde Patativa do Assaré cria "Seca D'Água", dizendo em um de seus versos que "seca sem chuva é ruim, mas seca d'água é pior". Aliás, foi com o propósito de controlar as cheias do Salgado e do Jaguaribe que foi construído o imenso açude do Castanhão.

Certamente as enchentes que se abatem sobre o Ceará e a Paraíba não são um castigo de Deus para aqueles que "queimaram o Judas de Frei Luis" durante a Quaresma. Deus não é vingativo, nem o bispo. Mas essas cheias sempre nos levam a refletir, com seriedade, sobre o verdadeiro diagnóstico do que seja o semi-árido brasileiro e quais políticas e obras realmente resolveriam os problemas de nosso povo, ora acossado por falta de água, ora acossado por excesso de água.

Durante as décadas de 80 e 90 desenvolveu-se um intenso debate no Ceará a partir da decisão de se construir o Castanhão. A obra foi muito contestada por várias razões. A fundamental é que um setor de técnicos dentro do próprio Ceará (A Face Oculta do Castanhão, Cássio Borges) propunha fazer várias barragens ao longo do Salgado, perenizando seu leito e, a partir dessas barragens, distribuir a água para toda população cearense. Muitos argumentavam que só assim a transposição do São Francisco faria sentido, já que garantiria a perenização do Salgado. Porém, prevaleceu a tese de se fazer uma única grande barragem, a do Castanhão, para receber as águas do São Francisco e direcioná-las para o porto de Pecém, em Fortaleza. A segunda crítica ao Castanhão é que ele seria construído sobre uma falha geológica, sujeita a abalos sísmicos, que do ponto de vista técnico é proibido. Mesmo assim prevaleceu o Castanhão.

O que os técnicos não imaginavam é que, as águas do Ceará podem ser tantas, que o Castanhão, com sua capacidade para armazenar quase sete bilhões de metros cúbicos de água, encheria apenas com as águas de chuva. Quem se lembra, na primeira cheia, as estradas ficaram inundadas, porque não se imaginava que a barragem poderia atingir sua cota máxima com águas de chuva.

Hoje a opção feita vai mostrando sua face. O Castanhão está muito próximo do mar e não há como reverter sustentavelmente suas águas para abastecer regiões que estão acima. As demais barragens no leito do Salgado não podem ser construídas porque senão anulam o Castanhão. A terra começou a tremer com abalos sísmicos. As águas do Salgado, em abundância, continuam causando tragédias, mas praticamente são desperdiçadas, porque são acumuladas apenas no Castanhão, daí indo para o mar.

Poderíamos nos perguntar de quantos equívocos técnicos e políticos – para dizer o mínimo – é feito o gerenciamento das imensas águas de chuva que caem sobre o semi-árido, particularmente no Ceará e Paraíba. Ainda mais, insistir nos erros, nós já sabemos o que significa.
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