FAUSTO WOLF
A maior parte do século 20 (e tudo leva a crer do 21) foi dedicada à desumanização do ser. Foi o século da crueldade, da hipocrisia, da banalização do crime, da falsa liberdade, do incentivo à boçalidade, da irresponsabilidade na educação, da objetificação do ser humano desconsruído antes que sua totalidade fosse examinada, descartado antes que seu potencial fosse descoberto. Foi o século em que se decidiu experimentar como se pode viver sem cultura; como se O COISO dissesse a seus capachos mais próximos:
"Neste século o mundo viverá sem cultura. Será dedicado ao lucro e ao progresso tecnológico em função do lucro, a cultura só terá interesse se der lucro; os publicitários e os técnicos derrotarão fragorosamente os artistas e os humanistas. Criaremos doenças para lucrar com os remédios; criaremos máquinas com um tempo mínimo de funcionamento; tornaremos a vida do ser humano tão difícil que ele não terá tempo para pensar ou fazer outra coisa além de sobreviver; substituiremos a cultura pela informação e o homem só terá valor pelo que possui no bolso, pois o colocaremos numa posição em que terá esquecido que tem um coração e uma alma; acabaremos com a pobreza matando os pobres e mantendo vivos apenas aqueles necessários para servir com lucro. Enfim, serão mais de 100 anos sem cultura; as palavras perderão seu significado intrínseco, ôntico e essencialmente rico para serem usadas em função do lucro. Se a justiça não der lucro, legalizaremos a injustiça; se a compaixão não der lucro, será substituída pela caridade, que só fará sentido se der lucro.
Honesto será aquele que compreender essa nova liberdade social. E desonesto será aquele que se negar a participar do progresso da grande corporação em que transformaremos o mundo. Quem tentar impedir esse progresso será descartado através da falta de lucro, do desprezo, do isolamento e, se for necessário, da morte."
Chegamos ao ponto em que o entendimento só é alcançado através do exagero ou da mais deslavada mentira. Isso é facilmente verificável na quase totalidade da imprensa, do seu imediatismo sem resultados, uma vez que limita-se a denunciar escândalos do poder sem lembrar os precedentes que jamais foram punidos. Sem se perguntar: "Mas se o lucro jamais foi punido, por que o seria agora?" Isso, é claro, se tornaria mais evidente se a cultura não tivesse sido extirpada do nosso tempo, em que não há lugar para o homem interessado na sua integridade, na sua inteireza, a sua semelhança com Deus. Só há espaço para homem-boi e para mulher-vaca que citam ordens sem questioná-las, porque nem sabem como formular a questão. Deus e o diabo são sócios da firma. Ora, se a Igreja não pode sobreviver sem pecadores, é necessário abrir bordéis onde o deus e o diabo serão usados para esmagar ainda mais o caráter do homem. Quando a imprensa tornou-se isso tudo com naturalidade ou apenas com eventual espanto, pois tornou-se sócia do poder, que só divulgará o crime sem tentar descobrir o que aconteceu com o criminoso. Estou falando do cidadão que é apanhado em flagrante lavando dinheiro sujo, por exemplo. Ele sempre foi ladrão, todos sempre soubemos que ele era ladrão, mas só será transformado em criminoso temporário se tiver posses, ocasião em que tirará férias e voltará quando tudo tiver sido esquecido.
A idéia é mais ou menos esta: "Só divulgaremos a descoberta da vacina contra a cárie quando descobrirmos o que faremos com a sucata odontológica, e isso vale para tudo. A televisão, em vez de humanizar o homem, o cretinizou, o condenou a um lugar abaixo da mediocridade. Não é à toa que Lee de Forest, ao descobrir como estão explorando seu invento, se suicidou. Qualquer coisa remotamente inteligente, sofisticada, instigante só é divulgada por 10% da TV a cabo ou de madrugada pelos canais normais, que se dedicam à criminalização da pobreza. O computador, que poderia ser um auxiliar no processo de elevação do ser humano, aproximando- se um pouco mais do seu potencial, transformou- se imediatamente numa máquina caça-níqueis, num esconderijo de pedófilos e de prostituição, num nivelador de mediocridades que confundem informação com cultura.
Marx, em companhia de Engels, escreveu a maioria de suas obras em pubs à luz de velas, o corpo tomado por furúnculos que lhe causavam dores atrozes, praticamente impedindo-o de ficar sentado muito tempo numa mesma posição. Freud, além de escrever nos cantos da casa iluminada por um toco de vela (por causa do racionamento) , chorava pela morte precoce de Sophie, sua filha caçula. A cultura é o fenômeno que nos dá possibilidade de ser aquilo para o que fomos criados. Criei esse conceito quando me perguntei quantos Beethovens, Van Gogs, Einsteins, Rodins, Russells, Paganinis, Niemeyers, Isadora Duncans, Bernard Shaws de 5, 6 anos estão pedindo esmolas e fumando crack no país de Lula, FH, Collor, Sarney, seus capangas e mais os fardados, que preferiram se manter como colônia americana em vez de país independente. Logo voltarei a escrever sobre dossiês, terceiros mandatos, auto-aumento parlamentar etc. Hoje não dá. Estou com nojo.
Fonte: Jornal do Brasil, 17/04/2008.
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