sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Carta aberta

CARTA ABERTA À MARGARET SEKAGGYA
Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação dos Defensores de Direitos Humanos


Os povos indígenas Borari-Arapiun, da Terra Indígena do Maró, com território na Gleba Nova Olinda I, Santarém, Pará, Amazônia, Brasil, na defesa e na luta pela homologação de nosso território, vêm denunciar a invasão de nossas terras, rios e florestas, as ameaças e violências cometidas contra indígenas e a criminalização do movimento indígena e apoiadores cometidas por madeireiras e grileiros que invadiram esta região. Denunciamos ainda a omissão, letargia e a conivência de órgãos do Estado brasileiro perante nossa situação e a propaganda enganosa de sustentabilidade ambiental e social de certificação promovida para uma madeireira desta região.


Durante mais de dez anos as comunidades que originalmente ocupam esta região estão em disputa pelo reconhecimento e proteção dos seus territórios tradicionalmente ocupados, sem que uma definição tenha sido dada até agora sobre sua situação. Diante da negação do Estado brasileiro em suas múltiplas instâncias – federal, estadual e municipal – em fazer valer aqui os direitos indígenas e das demais comunidades, queremos que providências sejam tomadas no sentido de compeli-lo a atuar na concretização daqueles direitos que ele mesmo reconhece. Por isso, aproveitamos a oportunidade que nos é dada para relatar os acontecimentos que vêm colocando as populações tradicionais indígenas e não indígenas desta região em situação de vulnerabilidade e sob o risco de deixarem de existir como grupo culturalmente distinto.

O clima de violência que ocorre na região resultou em duas agressões, com o espancamento do cacique Dadá Borari, além de inúmeras ameaças de morte. Embora faça parte do Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Dadá Borari encontra-se constantemente desprotegido, pois o governo do estado do Pará, responsável pelo Programa, não oferece todos os meios necessários para sua proteção.

Dadá Borari tem contra si sete processos judiciais, promovidos por madeireiros e comunitários cooptados, fundamentados em argumentos discriminatórios e difamatórios, apoiados pela mídia local e instituições policiais, com o intuito de intimidar as lideranças dos movimentos sociais e representantes de entidades. Percebe-se claramente que os processos judiciais visam a não somente impedir a livre manifestação das populações, como também coagir apoiadores e impedir o acesso ao território indígena, ato este classificado pelas madeireiras como “invasão”, numa total inversão dos fatos.

Portanto, além da violência simbólica de negar o direito de nossa existência como Borari-Arapiun, os grupos privados praticam violências físicas e a criminalização social por meio de ações judiciais. Soma-se ainda a letargia e a insuficiência do Estado em promover suas ações e programas e até mesmo assegurar o que é definido em lei.

Há, portanto, toda uma lógica que se manifesta no impedimento ao direito de livre organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupamos. A Constituição brasileira e os tratados internacionais que o Estado brasileiro assinou são cotidianamente rasgados na Gleba Nova Olinda.

A Madeireira Rondobel Indústria e Comércio de Madeiras Ltda., uma entre várias que atuam na área, recebeu recentemente a certificação de sustentabilidade social e ambiental do chamado FSC (“Forest Stewardship Council” ou “Conselho de Manejo Florestal”). Segundo o sítio do “Forest Stewardship Council” (www.fsc.org.br), esse selo é concedido com base em uma lista de “10 Princípios e Critérios”. Entre esses critérios, está o fato de que o referido selo não poderia ser concedido em áreas onde ocorrem conflitos. Além disso, a área de Plano de Manejo dessa madeireira avança sobre parte da nossa Terra Indígena do Maró. Isso fere vários “princípios e critérios” do selo FSC, além dos Tratados Internacionais e da própria Constituição brasileira, que assegura aos indígenas a posse da terra e dos recursos naturais nela existentes.

Como não reconhecer que existe um conflito latente e violento nesta região, se são públicas e de ampla divulgação as ameaças, processos judiciais, recomendações e matérias na imprensa que explicitam a caótica situação fundiária e o clima de medo e violência na Gleba Nova Olinda?

A Madeireira Rondobel chegou ainda ao cúmulo de judicialmente solicitar a proibição de nossa entrada e dos movimentos que nos apóiam numa área parcialmente localizada no interior da nossa Terra Indígena do Maró. Assim, enquanto a madeireira promove a retirada da nossa floresta, somos impedidos até de transitar em nosso próprio território e de acessar aquilo que constitucionalmente nos pertence. Tudo isso com um selo de sustentabilidade ambiental.

Em vista disso, vimos apresentar à Relatora o dossiê em anexo, fartamente documentado, sobre toda a situação que vivemos e os crimes que são cometidos contra nós. Ademais, durante a realização do I Seminário Internacional do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, realizado em Brasília, Brasil, nos dias 17 a 19 de novembro de 2010, pudemos expor nossa situação, e especialmente os problemas que enfrenta o defensor Dadá Borari com a proteção oferecida pelo estado do Pará.

Dessa forma, requeremos que a Relatora análise cautelosamente a situação em que vive o povo indígena Borari-Arapiun e que exija do Estado brasileiro as providências para assegurar que possamos viver de forma digna, em paz, e ter tranqüilidade para criar nossos filhos de acordo com a nossa cultura e em nosso território. Nossa vida é inegociável.


Santarém, 19 de novembro de 2010.

Assina:
Povo Indígena Borari-Arapiun

Apoiam essa reivindicação:
CITA – Conselho Indigena Tapajós Arapiuns
Comissão Pastoral da Terra - Santarém
Frente em Defesa da Amazônia
Terra de Direitos
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