A carta foi entregue durante o I Seminário Internacional do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, que ocorreu entre os dias 17 a 19 de novembro em Brasília. No evento, o cacique Dadá Borari, atendido pelo Programa Estadual de Proteção, pôde expor as ameaças que ele e seu povo sofrem e as dificuldades enfrentadas para a demarcação e homologação da Terra Indígena Maró, localizada no interior da Gleba Nova Olinda, palco de muitos conflitos entre várias comunidades e madeireiras e grileiros que se instalaram na região nos últimos anos.
Denúncias
“Os povos indígenas Borari-Arapiun, da Terra Indígena do Maró, com território na Gleba Nova Olinda I, Santarém, Pará, Amazônia, Brasil, na defesa e na luta pela demarcação e homologação de nosso território, vêm denunciar a invasão de nossas terras, rios e florestas, as ameaças e violências cometidas contra indígenas e a criminalização do movimento indígena e apoiadores cometidas por madeireiras e grileiros que invadiram esta região. Denunciamos ainda a omissão, letargia e a conivência de órgãos do Estado brasileiro ante nossa situação e a propaganda enganosa de sustentabilidade ambiental e social de certificação promovida para uma madeireira nesta região”, denunciam os indígenas na parte introdutória da carta.
O documento cita as ameaças e espancamentos cometidos contra Dadá Borari e relata que o cacique já responde a sete processos judiciais promovidos por esses grupos que tentam a todo custo impedir a homologação do território tradicional. É citado inclusive que todos aqueles que apóiam os indígenas também vêm sendo alvos de processos judiciais, inclusive sindicalistas, assessores e professores universitários.
É relatado ainda que o estado do Pará não oferece todos os meios necessários para a proteção do cacique ameaçado. A Funai é denunciada pela demora no processo de delimitação territorial. Outros órgãos são citados por omissão, promoção, letargia e conivência, como é o caso do Instituto de Terras do Pará (Iterpa). No documento, é exigido que o Estado faça valer os direitos indígenas e das demais comunidades tracionais, e que sejam tomadas providências urgentes no sentido de compeli-lo a atuar na concretização dos direitos já assegurados em leis e convenções internacionais assinadas pelo Brasil.
Dossiê
Juntamente com a carta foi entregue um longo e detalhado dossiê, em que se narra o processo ocorrido na Gleba Nova Olinda, bem como se enumeram diversos casos de violência física, ameaças, agressões e violências simbólicas.
O dossiê também expõe como são usados argumentos discriminatórios e difamatórios por grupos madeireiros apoiados pela mídia local e instituições policiais com o intuito de intimidar as lideranças dos movimentos sociais e representantes de entidades.
Para as entidades que assinam o documento em conjunto como a representação indígena, o não atendimento dos direitos dessas populações pelo Estado e a campanha de difamação e criminalização promovida por esses grupos empresarias vêm colocando as populações tradicionais indígenas e não indígenas dessa região em situação de vulnerabilidade e sob o risco de deixarem de existir como grupo culturalmente distinto.
Para os Boraris e Arapiuns da Terra Indígena Maró, “há toda uma lógica que se manifesta no impedimento ao direito de livre organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupamos”.
“Até mesmo em matérias na imprensa promovidas pelas madeireiras e nos processos judiciais movidos por elas contra os indígenas e seus apoiadores constam expressões e argumentos carregados de violência simbólica”, denunciam a representação indígena e as entidades que apóiam a carta: Conselho Indígena Tapajós – Arapiuns, Comissão Pastoral da Terra de Santarém, Frente em Defesa da Amazônia e Terra de Direitos.
Madeireira certificada
A Madeireira Rondobel Indústria e Comércio de Madeiras Ltda, uma entre várias que atuam na área, é citada tanto na carta como em várias partes do dossiê. Recentemente essa empresa recebeu a certificação de sustentabilidade social e ambiental do chamado FSC (“Forest Stewardship Council” ou “Conselho de Manejo Florestal”).
Nos documentos, questiona-se o processo que levou à concessão desse selo a uma empresa que invade terras indígenas, ameaça e processa indígenas e professores universitários, gera conflitos, entre outras ações.
Pressão
Ao final do documento é solicitada uma análise cautelosa da situação em que vive o povo indígena Borari-Arapiun para que enseje um pedido de providências por parte do Estado brasileiro face à situação.
A Relatora da ONU sobre a situação dos defensores de direitos humanos, Margaret Sekkagya, esteve presente no Seminário e pôde tomar contato com a situação de diversos defensores de direitos humanos ameaçados no Brasil. Diante dessa situação, o diagnóstico de Sekkagya foi emitido como forma de um sinal de alerta: “Os problemas para proteger os defensores ainda são muitos. As iniciativas são louváveis, mas precisamos levar em consideração a complexidade dos fatores das violações. Quero reconhecer a importância do trabalho dos defensores de direitos humanos em todos os níveis, mas como já disse, apesar da declaração formular o direito de todos de promover e defender os direitos de todos, os defensores ainda são criminalizados, rotulados como inimigos do Estado, como criminosos. Esses ataques contra sua reputação são um ataque muito perigoso, que contribui para a discriminação contra os defensores, o que os torna ainda mais vulneráveis.”
Por fim, a Relatora ressaltou o quanto é fundamental para a socieade como um todo que os defensores tenham condições seguras de trabalho: “É muito importante que a segurança dos defensores seja abordada, pois seu trabalho, e sem todo o trabalho desses defensores o processo de democratização não pode prosperar. Então, desde 2000, fizemos progressos, mas também restam desafios, que todos vocês elencaram nesse seminário e quero assegurar que vamos continuar a trabalhar juntos para fazer diferença nesse mundo”.
A entrega da carta e do dossiê prévio sobre a situação das comunidades indígenas e ribeirinhas da Gleba Nova Olinda para a Relatora representa um grande passo na afirmação do direito dessas populações. Espera-se que a Relatoria tome providências no sentido de garantir a segurança das lideranças ameaçadas e também o encaminhamento, junto ao governo brasileiro, de uma solicitação de prioridade ao processo de demarcação e homologação das terras indígenas na região.