A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, gerou uma enorme expectativa nas organizações e movimentos sociais rurais para a realização da Reforma Agrária. Esperava-se, principalmente, grandes avanços na criação de assentamentos para as famílias Sem Terra.
Em 2003, havia 230 mil famílias acampadas, das quais 150 mil famílias eram organizadas pelo MST. No entanto, o que se viu de lá pra cá indica que o quadro não foi positivo e as dificuldades das famílias embaixo da lona preta se tornam cada dia mais problemáticas.
Segundo Ariovaldo Umbelino, professor titular de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP), cerca de 220 mil famílias foram assentadas de fato durante o governo Lula. Apesar disso, o governo divulga que mais de 500 mil famílias foram assentadas.
De acordo com ele, esses dados não correspondiam à realidade, porque se soma áreas de regularização fundiária, áreas de reconhecimento de assentamentos antigos e o reassentamento de atingidos por barragens como assentamentos novos. Tanto é que o MST ainda tem 90 mil famílias acampadas em todas as regiões.
Do ponto de vista de José Batista de Oliveira, da coordenação nacional do MST, o governo Lula não teve um projeto estruturado de Reforma Agrária.
No início do primeiro mandato, houve boas iniciativas, como a elaboração do 2º Plano Nacional de Reforma Agrária.
Porém, esse plano não foi cumprido e se perdeu no meio do caminho. “Estamos encerrando o governo e muitas obrigações assumidas não foram executadas”, contou.
“Se comparar o governo Lula e os anteriores, a avaliação seria positiva. Mas, quando se lê o plano de governo de assentamentos, a avaliação é negativa”, afirmou Dr. Rosinha, deputado federal do PT.
“O balanço final mostra que o governo não cumpriu a grande meta que era a Reforma Agrária”, avalia Umbelino.
Além disso, o número de assentados pelo governo Lula se concentra na região Amazônica. Por outro lado, a maioria das famílias acampadas estão nas regiões Sul e Nordeste (veja mapa).
Para Bernardo Mançano Fernandes, professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP), assentar famílías no Centro–Sul “significaria enfrentar diretamente o agronegócio. O governo não tem interesse de ir contra o agronegócio e os movimentos sociais não têm força política para esse enfrentamento”.
Umbelino aponta que, mesmo com índice de produtividade de 1985, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tem um total de 120 milhões de hectares de grandes propriedades improdutivas no seu cadastro.
“Se existisse vontade política de fazer Reforma Agrária, o governo poderia usar das ações normais de constatação das terras improdutivas e fazer a desapropriação como manda o Estatuto da Terra e a legislação complementar”, concluiu.
As áreas destinadas pelo governo aos trabalhadores rurais no Norte do país, de acordo com Umbelino, “foram feitas por conveniência, por que lá, exatamente, o Incra tem um estoque de terras públicas já discriminadas e arrecadadas, o que facilitou o processo”.
Legalização da grilagem
Na prática, a concentração de famílias que entraram em projetos do Incra na Amazônia acabou, na opinião do professor Umbelino, valorizando uma política da legalização da grilagem.
Ele explica que o não cumprimento das metas de Reforma Agrária foi uma decisão deliberada do Incra, uma vez que alguns funcionários corruptos, que cuidam do cadastro do órgão, não só recebem como vão receber dinheiro ilegalmente por ter criado as condições necessárias para facilitar a transferência das terras do Incra ao agronegócio, como acontece no estado do Mato Grosso.
O deputado dr. Rosinha afirma que disponibilidade de terras na Amazônia inflou o número de famílias assentadas pelo governo. "Quando eu falo que justamente ali, numa olhada simples, tem maior quantidade de terras disponíveis quer dizer que, para vistoriar outras áreas, o Incra necessitaria de mais funcionários”, disse.
No final das contas, de acordo com Ariovaldo, vão ser transferidos 67 milhões de hectares de terras públicas do Incra para os grileiros.
“Essa ação, embora tenha respaldo da Medida Provisória 458, é inconstitucional. Por isso, já tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) a inconstitucionalidade dela”. Para ele, essa é a maior dilapidação de patrimônio público que se tem notícia no país.
Todos os dados e registros evidenciam que essas terras na Amazônia Legal estão registradas no nome do Incra. “Portanto, não paira sobre elas nenhuma dúvida de que são terras públicas e que são terras, desta forma, segundo a Constituição, destinadas à Reforma Agrária”, explicou Umbelino.
Diante desse cenário, o professor da USP afirma que “em vez de fazer a Reforma Agrária, se adotou uma política de contra Reforma Agrária”. Esses transtornos poderiam ser resolvidos, acredita Ariovaldo, por meio de uma medida simples: vontade política.
José Batista cobra do próximo governo o fortalecimento do Incra para criar condições para o assentamento das 90 mil famílias acampadas do MST. “É preciso reestruturar o Incra para fazer a Reforma Agrária avançar no Brasil. Mesmo assim, a gente reconhece que em alguns campos houve avanço. Por exemplo: nós não tivemos problema de diálogo com o governo. não houve uma repressão ou marginalização dos movimentos sociais por parte do governo”.
Fonte: MST
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